Empresas poderão ter acesso a informações sigilosas e de segurança nacional
Por Olga Simbalista*
Publicado na Folha de São Paulo
Como já exposto pela imprensa, a privatização da Eletrobras vem acompanhada por jabutis que deverão provocar fortes aumentos tarifários e desotimização do despacho e do planejamento integrado dos recursos energéticos, além de impactos ambientais. Pois cabe mais um alerta: existem outros pontos, possivelmente mais graves, que podem ter passado ao largo de discussões com a sociedade e as autoridades.
Foi determinado que, na privatização da Eletrobras, 70% do capital votante da empresa venha de entes privados, com CNPJ nacional. Isso não impede que a origem real do capital (portanto, dos interesses) venha de fundos de pensão e empresas estrangeiras ou de países em busca de hegemonia mundial. A privatização pode provocar a desnacionalização de fato da Eletrobras e de nossos reservatórios.
Ainda mais relevantes talvez sejam as questões relacionadas à criação da ENBPar, empresa estatal que ficará com a parte da Eletrobras não privatizada, a Eletronuclear, por tratar-se de
monopólio da União, e a Itaipu Binacional, regida por acordo entre os governos do Brasil e do Paraguai.
A Eletronuclear é uma empresa estratégica. Possui participação no Sipron, órgão da Presidência da República que detém informações sigilosas quanto ao ciclo de combustível nuclear, opções tecnológicas e informações relacionadas às jazidas minerais estratégicas, à localização e à tecnologia de novos reatores. A tecnologia do enriquecimento do urânio, mesmo estando sob salvaguardas e controle de três entidades (CNEN, Abaac e Aiea), é
uma tecnologia dual e de interesse por diversos grupos.
Nessa nova estrutura de governança, o diretor financeiro da Eletronuclear será indicado pela Eletrobras privatizada. Está prevista a criação de um conselho, o Coangra, que funcionará até o início da operação comercial de Angra 3 e que deverá assessorar o Conselho de Administração da Eletronuclear, onde haverá dois acionistas da Eletrobras privatizada, em paridade com dois da Eletronuclear, além de um membro supostamente independente. Assim, entidades privadas poderão ter acesso a informações sigilosas e de segurança nacional.
No que se refere à Itaipu, o acordo binacional é de extrema complexidade, em particular o seu anexo C, que vence em 2023, encerrada a amortização do projeto. Sua revisão deverá alterar o valor da tarifa, podendo variar desde o custo de seu serviço, baixíssimo, até o custo da expansão, ou mesmo a venda a entes privados ou outros países.
Não se exclui, nesse contexto, declaração do Estado paraguaio de quebra do acordo e de sua delação devido à presença de novos agentes em sua governança —algo catastrófico para o Brasil, sob vários aspectos, principalmente se não puder contar com o excedente
paraguaio da energia de Itaipu.
Esses pontos de grande relevância precisam ser de conhecimento dos cidadãos brasileiros, o que nos motiva a pedir uma urgente revisão de todo esse processo. Temos certeza de que as maiores autoridades nacionais desconhecem todas as implicações.
* Olga Simbalista é engenheira eletricista e nuclear, conselheira do Clube de Engenharia, membro do Board of Directors da American Nuclear Society (ANS) e diretora do Instituto Ilumina.