O Brasil avançou nas últimas décadas na produção científica, com a graduação, iniciação, mestrados e doutorados. Entre 1996 e 2014, o número de programas de mestrado cresceu 205% e de doutorado, 210%. Do mesmo modo, a prática da engenharia no país, em suas múltiplas áreas, mantém a qualidade. O que falta na engenharia nacional é o caráter de inovação, a capacidade de transformar ideias em projetos, patentes e novos produtos. Esse foi o tema central da palestra “O que falta para o nosso engenheiro ser mais inovador?” apresentada pelo engenheiro eletrônico, pesquisador e professor da Coppe-UFRJ, Edson Watanabe, em 28 de setembro, no Clube de Engenharia, promovida pela Diretoria de Atividades Técnicas e a Divisão de Ciência e Tecnologia (DCTEC).
Na metade do percurso
Segundo o palestrante, utiliza-se como referência para medir o grau de maturidade de uma tecnologia a escala TRL (Technology Readiness Level, ou nível de amadurecimento de tecnologia, em português), criada pela NASA. É uma metodologia que mede de 1 a 9 o nível de desenvolvimento de uma ideia até que se torne inovação. O processo vai desde a investigação básica, passando pela aplicação de conceitos, experimentação, validação em laboratório e fora dele, demonstração de protótipo, testes e, por último, a incorporação da tecnologia, já pronta, para uso e comercialização.
A crítica de Edson Watanabe é que, no Brasil, a maioria das tecnologias nesse processo se estabiliza por volta do quarto ou quinto nível, com um protótipo em laboratório. É até onde um engenheiro cientista consegue chegar, sem o caráter de inovação. No entanto, a indústria só se interessa por tecnologias prontas. Algumas poucas empresas brasileiras públicas são citadas como lançadoras de inovação. Entre elas estão a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A (Embraer) e a Petrobras. Alguns exemplos de produtos relativamente inovadores vêm da Coppe-UFRJ, como o ônibus movido a hidrogênio e o trem de levitação magnética, mas, segundo o professor, se encontram no nível 6 de amadurecimento de tecnologia e não se tornaram produtos.
Inovação como tentativa
O conceito de inovação vem se difundindo nos últimos oito anos. Segundo Watanabe, uma patente, uma ideia ou conceito ainda não são inovações. Elas devem partir de pessoas ousadas, com vontade e metodologia para criar. Para ele, somente as tentativas sucessivas podem levar ao resultado: “É preciso criar uma grande quantidade de coisas para que meio por cento dê certo. Eu sempre recomendo aos alunos que façam mais 199 bobagens para que finalmente dê certo”. Sua proposta, na prática, é criar um programa de iniciação à inovação, reunindo estudantes em ambiente de criação. Segundo ele, é uma ideia que já existe na Coppe, a qual reuniria alunos de diferentes áreas para que se conectassem entre si e gerassem produtos. “Muitos dos atuais profissionais que formamos vão até a patente, ou o artigo, e acham que já fizeram a parte deles. Quem vai fazer o resto?”, questiona o palestrante.
A preocupação com essa área do desenvolvimento a partir da formação, afirma ainda o palestrante, vem da concepção de que existem três tipos de engenheiros. O engenheiro de aplicação trabalha com conhecimentos consolidados, e é o que “faz a máquina funcionar”; o do tipo cientista, que tem a função de ampliar o conjunto de conhecimentos na área; e o engenheiro de inovação, que deve questionar os conhecimentos consolidados, procurar problemas e criar soluções, gerando produtos. Na opinião do professor, as universidades hoje estão formando engenheiros cientistas e de aplicação, mas não de inovação.
O lugar do Brasil
Watanabe situou o Brasil num contexto mundial em campos da economia, da ciência e social. Trata-se de uma das 10 maiores economias do mundo, tem sua produção científica em 13º lugar e o Índice de Desenvolvimento Humano em 73º. A quantidade de possíveis sujeitos inovadores no país varia de acordo com o momento da nação: quando a economia vai bem e está crescendo, as pessoas se sentem estimuladas a criar; e quando vai mal, esse ritmo cai. Para Edson Watanabe, o ideal é reverter o processo, de modo que os jovens estejam motivados o suficiente para inovar e contribuir para o desenvolvimento do país e assim melhorem o ambiente econômico.
Mas no Brasil, especificamente, encontram-se entraves, como a burocracia, que envolve algumas fases do processo, como ocorre por exemplo, na área de patentes. Além disso, é difícil um órgão público agregar tecnologia inovadora se a compra só puder acontecer por licitação, aberta a concorrência. Por fim, falta, como componente de ambiente de inovação, confiança entre as pessoas e a oferta de oportunidades: “O exemplo é importante. Precisamos ter mais exemplos de gente trabalhando com tecnologia”, afirmou.