É fundamental retirar o código de mineração do regime de urgência no Congresso Nacional
O cenário é crítico: soma-se a tragédia de Mariana aos riscos que corre o país com o Código de Mineração no Congresso Nacional sob a ameaça de ser votado em regime de urgência. Em jogo, grandes interesses públicos e grandes interesses privados. É neste contexto que o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos faz um alerta ao país e aos geólogos em seu artigo O código de mineração, a tragédia da Samarco e os geólogos brasileiros, publicado originalmente no blog Viomundo.
De um lado há o desenho das empresas de mineração, geradoras de empregos e riquezas, como vítimas de um poder público que as explora com impostos e exigências ambientais, de segurança e de proteção à população. No extremo oposto há a visão de que a mineração e seus empresários representam o mal, desde a destruição do meio ambiente à sonegação. Para Álvaro, cabe aos geólogos, neste momento, conduzir e construir o bom debate com o governo brasileiro “na busca de soluções que atendam aos interesses maiores da nação” propõe, a começar por retirar o novo Código de Mineração, no Congresso Nacional, da pauta de votação em regime de urgência. “Não faz o mínimo sentido permitir agora que as formulações legais sejam produzidas sob a ótica do oportunismo e da esperteza”, afirma.
Leia na íntegra o artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos.
O CÓDIGO DE MINERAÇÃO, A TRAGÉDIA DA SAMARCO E OS GEÓLOGOS BRASILEIROS
Por Álvaro Rodrigues dos Santos*
A revelação dos esquemas de corrupção na Petrobrás com participação ostensiva de funcionários de carreira, o conturbado e sinuoso desencaminhamento da discussão sobre o novo Código de Mineração, o desastroso rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, a revelação pública do estado de insolvência do DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral e outros organismos públicos de regulação e fiscalização, a multiplicação de acidentes e instalação de áreas de risco envolvendo o meio físico geológico são alguns dos fatos que compõem um quadro crítico que está a demandar a reflexão e o posicionamento dos geólogos brasileiros.
Dentro desse quadro circunstâncias especiais, onde estão em jogo grandes interesses da nação e também grandes interesses privados, não necessariamente conflitantes, mas também não necessariamente confluentes, impõem aos geólogos extremo cuidado na formação de suas opiniões, tão ansiosamente esperadas pela sociedade brasileira.
Duas visões extremadas têm sido comumente expressas, ambas com o dom de prejudicar e viciar o bom debate que se faz necessário para o encontro de bons diagnósticos, boas projeções e boas soluções.
A primeira, bastante promovida nos últimos anos, e com presença crescente e forte especialmente no poder legislativo, desenha as empresas e empresários da mineração e de grandes obras civis como “sofridos patriotas, beneméritos geradores do emprego e da riqueza nacional, mas traídos e sabotados por um poder público que lhes explora em mil impostos e taxas e os sufoca com descabidas exigências ambientais, de segurança e de proteção de grupos indígenas”.
A segunda, no extremo oposto, considera as grandes obras civis, a mineração e seus empresários como “intrínsecos elementos do MAL, destruidores do meio ambiente, desrespeitadores dos direitos trabalhistas, dilapidadores do patrimônio mineral brasileiro, exterminadores de culturas, tradições e costumes das regiões em que se instalam, sonegadores contumazes”.
É preciso escapar dessa polarização extremada, que não tem admitido qualquer possibilidade de entendimento entre sociedade e empresariado na busca por soluções que atendam os interesses maiores da nação. Não é o caso de sermos ingênuos, há sim péssimos empresários, aos quais só importa a ânsia por lucros rápidos e fantásticos, seja a que custo ambiental e social for, e que os prejudicados se danem. Como também há entre os que demonizam empresas e empresários aqueles cuja verdadeira intensão é tirar proveitos políticos pessoais dessa guerra assim movida, ou até fazer o jogo de outros grupos econômicos concorrentes.
Cabe nesse momento especialmente aos geólogos brasileiros e suas entidades, estimados e admirados pela população por sua dedicação e resultados na descoberta e defesa de riquezas minerais importantíssimas e no desenvolvimento das melhores técnicas para os empreendimentos se relacionarem virtuosamente com o meio físico geológico, a iniciativa de produzir o bom debate.
Para tanto, é necessário que, depois de tanta demora e manobras, se retire a votação do novo Código de Mineração no Congresso Nacional do regime de urgência a que está submetida. Passados vários anos não se fez a discussão devida, não faz o mínimo sentido permitir agora que as formulações legais sejam produzidas sob a ótica do oportunismo e da esperteza. Não há que se esperar outro resultado dessa loucura, senão um Código sofrível e a produção de um campo minado entre vitoriosos e derrotados.
Por fim, uma sugestão ao governo, chame as entidades representativas dos geólogos brasileiros, a FEBRAGEO – Federação Brasileira de Geólogos, a SBG – Sociedade Brasileira de Geologia, a ABGE – Associação Brasileira de Geologia de Engenharia, ouça o que têm a dizer, organize com elas uma proveitosa discussão que reúna todas as partes envolvidas, e com calma e sob a égide do interesse nacional maior cheguem a um denominador o mais comum quanto possível. Vai valer a pena.
* Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo.