Fernando Siqueira*
“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” Esta frase de Marx serve bem ao que foi todo o processo do 11º Leilão de áreas petrolíferas promovido pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), em 14 de maio de 2013, no Rio.
A primeira licitação conduzida sob o governo Dilma relembra na forma e nos resultados o que ocorreu em 1999, quando começou o processo de leilão de bacias sedimentares brasileiras. Um caminho trágico, condenado desde a primeira hora pelo Clube, porquanto levou ao enfraquecimento e à desnacionalização da indústria e empresas de engenharia brasileiras.
Em ambas as ocasiões coube à ANP oferecer vastíssimas áreas de bacias sedimentares pouco conhecidas e passíveis de reterem grandes volumes de petróleo. Desta vez, vendeu 142 dos 289 blocos exploratórios, localizados em 11 bacias, totalizando 100,3 mil km², o que ampliou muito as áreas em concessão no Brasil. Os blocos vendidos em águas profundas tornaram-se verdadeiros territórios de multinacionais: a francesa Total, na Foz do Amazonas, a britânica BP, em Barreirinhas, e a norueguesa Statoil, no Espírito Santo. Como na primeira rodada, em 1999, prestou-se a Petrobras a assumir um papel secundário, abrindo mão de ser operadora, em favor de grandes empresas internacionais, ou então de pequenas empresas locais pouco conhecidas, em que pese ter aportado R$ 540 milhões, do total de R$ 2,8 bilhões arrecadados a título de bônus.
A farsa configura-se em achar que houve qualquer avanço nesta licitação, mormente depois que o país passou a dispor dos instrumentos da partilha de produção e da cessão onerosa, além do modelo de concessão a regular a exploração de petróleo. A escolha da concessão, combinada com a oferta de vastas áreas na 11ª Rodada, demonstra o total desprezo da ANP ao interesse nacional. Optou desnecessariamente pelo instrumento contratual mais desfavorável à União, e, portanto à sociedade brasileira, para leiloar os 30 bilhões de barris que estimou nos blocos ofertados.
A estratégia equivocada da ANP impossibilita o domínio futuro por parte da União de novas “áreas estratégicas”, aquelas onde o risco exploratório é baixo, como no Pré-Sal. Para estas áreas pode-se adotar o modelo de partilha de produção ou, quiçá, o modelo da cessão onerosa, regido pelo art. 12º da nova Lei pelos quais a renda assegurada à União é bem superior à obtida nas concessões. Foi com este objetivo que o CNPE, em 2007, sob orientação do presidente Lula, determinou a retirada de 41 blocos do Polo Pré-Sal, na Bacia de Santos, que seriam vendidos, e determinou a criação de uma legislação bem mais nacionalista. Por isto, tão combatida pela mídia e o cartel internacional do petró-leo.
O resultado da 11ª Rodada de Licitação foi um atentado contra o Brasil, Venceu o cartel internacional que passa agora a dirigir a exploração em águas profundas de enormes áreas de bacias sedimentares brasileiras. A eles associados, grupos nacionais, muitos com interesses especulativos ou interessados em buscar, no futuro, suporte político para avançar sobre campos e estruturas construídas pela Petrobras. Ou ainda como testas de ferro.
Por sua vez, a posição tímida assumida pela Petrobras, se submetendo ao papel de mero coadjuvante, é um sinal preocupante para os que dela esperam, sempre, o protagonismo que a fez se tornar referência internacional do sentimento de brasilidade e da competência nacional. Mormente agora, que caberá a ela assumir a operação exclusiva do Pré-Sal, pensando na segurança energética do país e na expansão tecnológica-indus-trial e de serviços no Brasil, apoiada nas empresas e trabalhadores nacionais. Além de inibir os dois maiores focos de corrupção na produção mundial de petróleo: o superdi-mensionamento dos custos de produção (ressarcidos em petróleo) e a medição, para menos, da produção.
*Fernando Siqueira é vice-presidente e membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia e Associação de Engenheiros da Petrobras (AEPET)¨
Artigo publicado no jornal número 530 do Clube de Engenharia