Trump, o PIX, as big techs e a PEC de autonomia do BC, por Luís Nassif

Os movimentos de Trump são utilizados para ganhos pessoais dele, mas precisam vir embasados em argumentos geopolíticos.

Luis Nassif

Com acréscimos sobre a PEC 65

Em minha palestra na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na tarde de terça-feira, alertei para a principal ameaça sobre a soberania brasileira: a expansão dos meios de pagamentos ligados às Big Techs, como Apple Pay, Google Pay, Amazon Pay. Em caso de tentativa de Donald Trump de implantar as moedas privadas, ou de expandir o dólar, bastaria trocar as moedas transacionadas nos cartões de crédito dessas empresas. 

Conforme consta da minha apresentação:

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A ameaça de Trump ao PIX confirma essa suspeita. E traz um componente novo para a discussão sobre a autonomia do Banco Central. Estando no Banco Central, o PIX não é privatizável. Nosso colunista Luiz Alberto Melchert, já vinha alertando. 

“Há muito que venho dizendo que a PEC 65/2015 (que confere autonomia ao BC) se aproveitaria de uma brecha criada pelo STF em que a venda de subsidiárias de estatais não precisaria de aprovação pelo Congresso. Isso permitiria fatiar os serviços do BC, criando empresas limitadas como, por exemplo, PIX Sistemas de Pagamento Ltda”.

Com a volta de um Paulo Guedes, dá para imaginar o que aconteceria com o PIX.

Pedi ao ChatGpt uma simulação, considerando transações com o PIX no acumulado de 5 anos, com tarifa de US$ 0,10 para transação P2P (pessoa a pessoa), US$ 1,00 para P2B (pessoa para empresa) e US$ 0,50 para demais tipos. A receita acumulada em 5 anos seria de US$ 164,1 bilhões. Como diz Melchert, “por 10% disso, Trump faz coisas indizíveis perante senhoras respeitáveis”.

Nas mãos de um Banco Central público, essa receita hipotética — com cobrança simbólica e seletiva — poderia, por exemplo:

  • Financiar infraestrutura digital pública (inclusão financeira, cibersegurança, redes 5G).
  • Subsidiar tarifas bancárias para microempreendedores e beneficiários de programas sociais.
  • Servir como base para um fundo soberano de inovação financeira no Brasil.
  • Ser usada para subsidiar ou integrar sistemas de pagamentos regionais e BRICS.

Por isso, seria relevante o governo federal se dar conta: sempre que for aprovar um novo instrumento, simular como poderia ser utilizado se o poder caísse novamente em mãos irresponsáveis, como a de um candidato bolsonarista.

Os defensores da PEC

Do lados dos defensores da PEC, há argumentos fortes em favor de sua aprovação.

Hoje em dia, a principal investida dos cartões de crédito contra o PIX é que se trata de uma concorrência empreendida por uma autarquia . É a base da investida de Trump.

“O Brasil também parece envolver-se em uma série de práticas desleais em relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a promover seu serviço de pagamento eletrônico desenvolvido pelo governo”, diz a nota de Trump.

O Banco Central vem argumentando que não é concorrência, mas infra-estrutura. De qualquer modo, não há nenhum obstáculo jurídico, na quadra atual, que impediria a venda do PIX para um consórcio de bancos. A questão central é que o PIX não é um produto, é uma infraestrutura e, por tal, totalmente subordinada ao BC. Esse é o argumento que vem sendo levantado.

Na Espanha, o que acontece na Espanha com o Bizum é diferente. É uma plataformade pagamentos instantâneos, como o PIX, mas controlada por um consórcio de bancos. Permite enviar e receber dinheiro instantaneamente usando apenas o número de telefone do destinatário. Não requer IBAN ou dados bancários complexos. E os bancos podem definir quem entra ou não outra, restringindo a competição.

Em 2025, Bizum participa de discussões para interoperar com outros sistemas europeus e formar um “Bizum europeu”, conectando França, Alemanha, Itália e outros países.

Atualmente, o PIX tem 63,5 bilhões de transações anuais contra 1 bilhão do Bizum – que foi criado em 2016. Comparando a população de ambos os países, percebe-se o enorme espaço para o crescimento do PIX.

A grande ameaça ao PIX, dizem essas fontes, é a pouca flexibilidade de recursos para investir no seu apriprimoramento, um dos argumentos utilizados pelos cartões para tentar restringir seu alcance.

As duas visões chamam a atenção para o busilis da questão: como blindar o PIX dessas investidas, com ou sem PEC.

Os fatores geopolíticos

Os movimentos de Trump são utilizados para ganhos pessoais dele, mas precisam vir embasados em argumentos geopolíticos. E há muitas razões para os EUA tentarem privatizar o PIX.

Mesmo com o dólar sendo a moeda dominante, muitos analistas passaram a indicar como ameaça as melhorias tecnológicas do CIPS (Cross-Border Interbank Payment System), o sistema chinês de transações internacionais, sobre o SWIFT (o sistema utilizado atualmente para transações em dólares).

O uso político do Swift pelos Estados Unidos, excluindo a Rússia do sistema, comprometeu gravemente sua reputação. Além disso, o Swift é apenas um sistema de mensagens e não liquida as operações. Já o CIPS integra mensagens e liquidação em RMB (yuan) diretamente, por meio do Banco Popular da China. Isso facilita pagamentos em moeda chinesa e reduz etapas intermediárias.

Além de tornar mais rápidas e baratas as transações, o CIPS evita o dólar como moeda de compensação, protegendo países e empresas contra sanções unilaterais dos Estados Unidos.

O CIPS já é utilizado por mais de 1.400 instituições em quase 110 países e tem atraído muitos bancos de países em vias de desenvolvimento e blocos como o BRICS, Eurásia, África e Oriente Médio. Embora longe das 11 mil instituições cobertas pelo SWIFT, pode ser integrado ao sistema russo SPFS, criando um bloco financeiro alternativo em transações intergovernamentais.

O Brasil já assinou acordos com a China para usar yuan em transações comerciais (via BOC Brasil e BB). Ampliação via CIPS permitiria a liquidação direta sem passar pelo dólar.

E aí chegamos no nosso PIX. O sistema possui mais de 150 milhões de usuários cadastrados, facilitou o acesso a meios de pagamento digitais para populações não bancarizadas ou com baixo acesso a crédito. Em São Paulo, vendedores ambulantes que ficam em faróis, e mesmo pessoas necessitadas, já expõem tabuletas com seu PIX.

O sistema elimina tarifas cobradas em TED/DOC e é gratuito para pessoas físicas. Permite a rastreabilidade das operações para a Receita Federal e órgãos de controle, no combate à sonegação e ao crime financeiro.

No momento, o BC estuda integração com sistemas similares de outros países, como o UPI (Índia), PomptPay (Tailândia) e FPS (HONG KONG). O projeto piloto “Pix internacional” está em fase de estudos dentro do G20 e do BIS Innovation Hub. Além disso, pode ser integrado à rede de pagamentos instantâneos que os BRICS (especialmente China, Índia e Rússia) vêm desenvolvendo como alternativa ao SWIFT.

Pedi para o ChatGpt simular uma remessa em PIX com os sistemas tradicionais de remessa:

Um imigrante em Portugal quer enviar R$ 1.000 para um parente no Brasil.

CritérioWestern UnionPix Internacional (modelo futuro)
Taxa de câmbio (Euro → Real)R$ 5,20 (com 5% de spread embutido)R$ 5,40 (spread de 1% via banco digital)
Tarifa fixa de envio€7,90 (≈ R$ 43)R$ 0 a R$ 5 (via banco/fintech)
Valor que chega ao BrasilR$ 950 (com taxas)R$ 990 a R$ 1.000
Tempo para cair na conta1 a 3 dias úteisInstantâneo (Pix)
RastreabilidadeParcial (códigos da WU)Total, via CPF/CNPJ e QR code
Canal de envioAgência física ou appApp bancário comum (como Nubank, Wise, etc.)

Nas transações comerciais, os ganhos seriam ainda maiores:

CritérioModelo tradicional (SWIFT + USD)Pix + CIPS (alternativa BRICS)
Moeda usadaDólar (USD) → Real (conversão)Yuan (CNY) → Real via Pix
Spread cambial2% a 4% (banco cobra no câmbio)0,5% a 1% (via integração direta e BCs)
Tarifas bancáriasUS$ 50–100 por transaçãoR$ 0 a R$ 10
Tempo de liquidação1 a 3 dias úteisInstantâneo (Pix em real)
Risco de sanções/monitoramentoAlto (via EUA/SWIFT)Baixo (via canal BRICS autônomo)
Banco intermediárioNecessárioNão necessário
Regulação cambialMais complexaFacilitada por acordos BC Brasil ↔ PBoC


Fonte: JornalGGN | Artigo Luis Nassif

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