Unicamp realiza o 19º Simpósio Nacional de Estudos Tectônicos (SNET) e o 18º Simpósio de Geologia do Sudeste (GEOSUDESTE)

Eventos reuniram geocientistas de todo o país

Foram realizados na cidade de Campinas (SP) entre os dias 26 e 30 de maio, dois importantes eventos geocientíficos nacionais, que ocorreram de forma conjunta no campus da UNICAMP. O 19º Simpósio Nacional de Estudos Tectônicos (SNET) e o 18º Simpósio de Geologia do Sudeste (GEOSUDESTE) congregaram centenas de geocientistas de todas as regiões do país, que submeteram mais de 300 trabalhos científicos, apresentados de forma oral ou através de painéis. Os eventos foram organizados pelos núcleos SP, MG e RJ-ES da Sociedade Brasileira de Geologia, tendo apoio do CNPq e patrocínio diamante da Petrobras. A mesa de abertura ocorreu na manhã de 26 de maio com a presença de autoridades e representantes de diversas entidades, sendo homenageados os presidentes de honra do SNET, Prof. Norberto Morales (UNESP) e do GEOSUDESTE, Prof. Álvaro Penteado Crósta (UNICAMP).

Leia abaixo a íntegra do discurso proferido pelo Prof. Álvaro Crósta:

É uma honra e um privilégio recebê-los na UNICAMP, neste ano em que o nosso Instituto de Geociências celebra seus 46 anos de existência dedicados ao ensino, à pesquisa e às atividades de relações com a sociedade em diversos temas das Ciências da Terra.

A pesquisa geológica é fundamental para o avanço do conhecimento e para a inovação. Eventos de natureza técnica-científica, como o GeoSudeste e o SNET, são importantes fóruns para não apenas celebrar os admiráveis avanços no conhecimento do nosso planeta e dos seus processos geológicos, que são únicos em comparação com outros planetas, mas também para fortalecer nossos laços profissionais e afetivos enquanto comunidade de Geocientistas comprometidos com a preservação da Terra e com a exploração sustentável e responsável de seus recursos.

O Papel da Geologia na Sociedade

Geocientistas desempenham um papel capital na sociedade moderna, desde a prospecção de recursos naturais até a avaliação de riscos ambientais e a mitigação de desastres naturais. Nossos esforços têm um impacto direto na economia, na segurança e na qualidade de vida das pessoas em todo o mundo. A colaboração entre universidades, instituições de pesquisa e a indústria, aqui representadas por vocês, é vital para continuarmos avançando nesse sentido.

Desafios e Oportunidades

Vivemos em uma era de grandes desafios e também de enormes oportunidades para a Geologia. A crescente demanda por recursos naturais exige que desenvolvamos métodos mais eficientes e sustentáveis de exploração e uso dos recursos naturais e minerais. Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas apresentam novos riscos e requerem uma compreensão profunda dos processos geológicos para desenvolver estratégias de adaptação e mitigação.

O Brasil detém reservas importantes dos chamados minerais críticos e estratégicos, que têm papel crescente nesta fase de transição energética pela qual já adentramos. Temos, por exemplo, 94% das reservas mundiais de nióbio, 22% das reservas de minerais terras raras (atrás somente da China, com 44%), 5% das reservas de lítio, 27% das de grafita e 12% das de Ni. Contudo, em se tratando do seu aproveitamento, em praticamente todos esses recursos com exceção do nióbio nossa produção é bem aquém das reservas. Esse quadro aponta para um grande desafio, e uma excelente oportunidade para a nossa geologia exploratória e para os jovens profissionais que nela atuam.

Inovação e Tecnologia

As inovações tecnológicas têm revolucionado também a Geologia. Ferramentas avançadas de sensoriamento remoto e de geofísica, por exemplo, aliadas às crescentes técnicas de modelagem numérica e computacional de processos geológicos, permitem uma análise mais precisa e detalhada tanto da superfície como do subsolo. Estas tecnologias não só aumentam a eficiência das operações, mas também melhoram a segurança e reduzem o impacto ambiental. É essencial que continuemos a investir em pesquisa e desenvolvimento para aproveitar ao máximo essas oportunidades, transmitindo-os da melhor forma possível aos estudantes e profissionais da Geologia.

A tão decanta “Inteligência Artificial” já faz parte das nossas vida diária. Nas Geociências, a IA já é parte de diversos processos de análises de dados e vem demonstrando o seu enorme potencial de auxílio na resolução de tarefas e problemas bastante complexos. As redes neurais artificiais, por exemplo, vêm se destacando por sua capacidade de solucionais problemas usando processo similar à intuição humana, em vez de simplesmente reproduzir o raciocínio humano. Isso vem permitindo a criação de “agentes inteligentes” que aumentam significativamente a produtividade em praticamente todas as áreas do conhecimento. Os desafios estão em como usar tais agentes para atividades para o bem-estar da humanidade, e não para atividades bélicas ou criminosas, e em como compartilhar seus benefícios da maneira mais ampla possível. Infelizmente esse avanço da IA traz também enormes riscos, que devem ser refletidos criticamente também por nós, Geocientistas.

Nesse quesito, aproveito então para convidá-los a participar da Mesa-redonda: “Inteligência Artificial em Geociências: Avanços, Possibilidades e Limitações”, que vai ocorrer amanhã às 14:40 no Auditório do IG, onde algumas dessas questões serão abordadas por especialistas em IA em Geociências.

Educação e Formação

A formação de novos geólogos e geólogas é um pilar fundamental para o futuro da nossa ciência e da profissão. Devemos garantir que as novas gerações de profissionais tenham acesso a uma educação de qualidade, que combine teoria e prática, mas que também estimule o pensamento crítico e ético, e que fomente um espírito de curiosidade e inovação.

Quero também falar sobre INCLUSÃO em nossos cursos de graduação e programas de pós-graduação. A concepção da educação inclusiva pressupõe modelos educacionais que atendam as diversidades intelectuais, físicas, sensoriais, raciais, sociais e de gênero, entre outras.

Já conseguimos avançar muito na inclusão, mas ainda há muitos obstáculos e barreiras a serem superados. Vamos lembrar que, no início da década de 1990, jovens oriundos do setor de maior renda da sociedade, equivalentes a 20% da população nessa faixa etária, ocupavam 70% das vagas no ensino superior, tanto público como privado. Com a ações de inclusão que vêm progressivamente sendo adotadas a partir do início deste século, esse cenário mudou completamente, com essa fatia dos de maior renda decrescendo para ~30% e a fatia de menor renda superando os 30%. Com isso, em 2021 alcançamos no Brasil a histórica marca de 52,4% de pessoas pretas, pardas e indígenas matriculadas no ensino superior. Graças a esses avanços nas políticas de inclusão, estudantes do ensino superior das melhores universidades públicas brasileiras tem hoje um rosto mais próximo ao do povo brasileiro.

Na Geologia, a questão de inclusão de gênero tem particular relevância. Vamos lembrar que, até não muito tempo atrás, a contratação de geólogas para trabalhar em plataformas de exploração de petróleo e gás e em ambientes de minas subterrâneas era vedada pelas empresas e que até hoje infelizmente existe discriminação de gênero em várias áreas de atuação da Geologia.

As Geociências estão entre as áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) menos equilibradas em relação ao gênero e à diversidade étnica em todo o mundo. Pesquisa de alguns anos atrás sobre as percepções e impactos da desigualdade de gênero nas Geociências apontou que para pessoas pertencentes a grupos minoritários, o desenvolvimento de carreiras, tanto na academia como no campo profissional, apresenta maiores obstáculos. As experiências traumáticas aumentam a evasão escolar desses grupos no ensino superior, fortalecendo a sub-representação. Nas carreiras acadêmicas, à medida que o nível aumenta, ocorre uma progressiva sub-representação de gênero.

Dessa forma, iniciativas para promover a inclusão de gênero e étnica nas Geociências são de fundamental importância e devem ser firmemente apoiadas por toda a comunidade Geocientífica. Cito, a título de exemplos, iniciativas como a Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências (ABMGeo), criada 2018 durante o 49º Congresso Brasileiro de Geologia no Rio de Janeiro; o Projeto GeoMinas, idealizado por alunas de graduação e docentes do IG-Unicamp, com o objetivo de divulgar as Geociências e encorajar estudantes do gênero feminino oriundas de escolas públicas de Campinas e região a seguirem carreiras nas Geociências.

Destaco, ainda no tópico da inclusão, ações recentes que conheço bem da UNICAMP, similares às adotadas também por outras universidades brasileiras, estabelecendo cotas para o ingresso nos seus cursos de graduação para estudantes com deficiências (PcD), aprovadas em 2024, e para pessoas trans, travestis e não-binárias, aprovadas no mês passado. Elas vieram a se somar a outras ações afirmativas da Unicamp, como a implantação de cotas étnico-raciais na graduação em 2017 e na pós-graduação em 2023, bem como o vestibular indígena implantado em 2017 e as vagas em cursos de graduação para medalhistas olímpicos. São ações como essa que poderão ajudar a reverter o histórico quadro de desigualdades sócio-econômicas que tragicamente caracteriza o nosso país e também os igualmente trágicos quadros de discriminação étnica-racial e de transfobia, este último que resultou na vergonhosa média de 12 assassinatos por mês de pessoas trans no ano de 2023.

Ao falar de Educação, infelizmente temos de mencionar também o clima de ódio ao conhecimento por parte de grupos e governos de extrema direita. Isso tem ocorrido não só no Brasil, mas em todo o mundo, como mostram os ataques que estamos testemunhando às melhores universidades dos EUA por parte do seu próprio governo. Cortes orçamentários, ataques à autonomia e campanhas de descredibilização vêm ocorrendo em diversos países com o objetivo de enfraquecer a pesquisa e restringir a liberdade de expressão. Vimos, e sentimos, isso recentemente no Brasil durante o nefasto período presidencial de 2019 a 2022, e estamos vendo isso acontecer neste momento em outros países.

Universidades são, por excelência, espaços de produção e disseminação do conhecimento científico e do livre debate de ideias, o que leva ao aperfeiçoamento dos processos civilizatórios. Por esse motivo, as universidades têm se transformado em alvos preferenciais de governos autoritários e de extremistas de direita, algo que deve ser motivo de muita atenção e preocupação de todos, inclusive de nós, Geocientistas.

Sou da geração que ingressou na universidade pública em meados da década de 1970, sob o clima de repressão ditatorial, e que lutou intensamente pelo reestabelecimento da democracia, inclusive com o sacrifício de vidas de colegas geólogos como Alexandre Vanucchi Leme, Ronaldo Queiroz, Honestino Guimarães, entre outros. Olhando criticamente de onde estamos hoje, tenho de confessar que talvez tenhamos cometido um enorme erro, ao pensar que, nas últimas 2-3 décadas, nossa democracia estava relativamente consolidade e estável. Pois bem, os acontecimentos políticos pós-2016 no Brasil, e que levaram à tentativa de golpe de estado entre o final de 2022 e início de 2023, mostraram que a ordem democrática é uma construção e um desafio permanentes, nos quais não podemos nunca nos descuidar e temos de nos engajar diuturnamente em sua defesa.

Responsabilidade Ambiental

Como geólogos, temos a responsabilidade de proteger e preservar o meio ambiente. A exploração e o uso dos recursos naturais devem ser conduzidos de maneira sustentável, com respeito pelos ecossistemas e pelas comunidades locais.

É fundamental que nos envolvamos de modo proativo no debate nacional sobre o aproveitamento de recursos minerais versus a preservação do meio-ambiente. E uma excelente oportunidade para isso é a questão da exploração da Margem Continental, ora objeto de candente debate nacional. Muitas das visões preservacionistas que vêm sendo colocadas, com ampla repercussão geral, condenam e buscam interditar os esforços exploratórios para definir a ocorrência e a dimensão dos recursos de hidrocarbonetos nessa importante fronteira exploratória. Tais visões advogam a obsolescência do uso dos hidrocarbonetos em um futuro próximo, mas que ninguém consegue precisar. Tais visões certamente ignoram que uma eventual produção oriunda da Margem Continental, caso os recursos venham a ser confirmados na fase exploratória que nem se iniciou, poderia levar entre uma e duas décadas, período no qual os hidrocarbonetos certamente continuarão a ser demandados, quer seja para gerar energia, quer nas indústrias de transformação. Conhecer a existência ou não desses recursos na Margem Continental é, além disso, uma óbvia questão de soberania nacional, com vem afirmando com muita propriedade  o Geólogo Guilherme Estrella. Isso é algo que não pode ser ignorado em um momento geo-político em que o multi-lateralismo que costumava reger majoritariamente as relações entre países desde meados do século 20 vem sendo lentamente corroído e substituído pela vontade unilateral dos países política e economicamente mais fortes.

Conclusão

Colegas, a geologia é uma ciência fascinante e vital para o futuro do nosso planeta. Estes dois eventos que se iniciam, GeoSudeste e SNET, representam oportunidades únicas para compartilhar conhecimentos, discutir desafios, explorar novas oportunidades e estabelecer importantes redes de relacionamento técnico-científico.

Desejo a todos uma participação frutífera e inspiradora, que resulte em colaborações duradouras e avanços significativos na nossa compreensão do planeta Terra.

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