Muita gente acredita que as principais descobertas de dinossauros e outros fósseis devem-se ao trabalho árduo dos pesquisadores. Bem, não seria correto com os meus colegas e comigo mesmo se eu não enfatizasse que são as expedições organizadas pelos paleontólogos que trazem as principais evidências das formas de vida que outrora habitaram o nosso planeta. No entanto, uma parte considerável dos achados nessa área científica se deve a pessoas leigas que ao acaso descobrem fósseis.

A ideia do tema desta coluna veio justamente a partir de uma descoberta absolutamente espetacular divulgada recentemente por Sérgio Dias da Silva, pesquisador da Universidade Federal do Pampa (Unipampa).

A história da descoberta começa quando o agricultor Dilo Wachholz quis realizar uma obra em seu terreno situado em uma região chamada Linha das Flores. A propriedade do Seu Dilo fica algo em torno de 8 km do centro da cidade de Agudo, no Rio Grande do Sul.

Quando o pedreiro contratado, Olimpio Neu, começou a trabalhar, os dois acabaram percebendo que havia algo de diferente na terra que estavam escavando. O Seu Olimpio, por sua vez, conhecia um aluno da Unipampa que entendia um pouco de paleontologia e sugeriu que eles o contatassem. Dali foi apenas uma questão de tempo para que a equipe de paleontologia da universidade fosse acionada.

Logo que viu o primeiro “objeto estranho que parecia um osso” teve a certeza de que se tratava de uma descoberta importante

À primeira vista, longe da cidade, o cenário não era muito animador, já que o afloramento era muito pequeno. Mas Sergio sabia que naquela região afloram rochas triássicas bastante ricas em fósseis. E logo que viu o primeiro "objeto estranho que parecia um osso" teve a certeza de que se tratava de uma descoberta importante.

As escavações realizadas depois revelaram a presença não apenas de um, mas de três (!) dinossauros juntos! E o melhor, um exame preliminar sugere que estão bem completos, algo que por si só já pode ser considerado uma raridade. São animais com um tamanho variando em torno de três metros. Somente após um estudo detalhado saberemos se representam uma nova espécie ou alguma já conhecida.

Sem me alongar muito, depois de um grande esforço que envolveu não apenas a Unipampa, mas também a prefeitura de Agudo e muita boa vontade de um grande grupo de pessoas – muitas que sempre acabam ficando no anonimato –, um bloco com mais de cinco toneladas (5.200 kg) acabou sendo transportado para a universidade.

Esse bloco parece ter sido um dos maiores feitos no Brasil (se alguém souber de uma jaqueta maior, por favor me avise!), superando o recorde brasileiro de 1.850 kg contendo parte da coluna vertebral do dinossauro Maxakalisaurus topai, o primeiro dino brasileiro de grande porte a ser montado.

Giganotosaurus

Outra descoberta sobre a qual gosto muito de falar é a do Giganotosaurus carolinii, o maior dinossauro carnívoro da América do Sul, cujo comprimento é estimado em 13 metros. Esse dinossauro foi encontrado por Rubén Carolini, um paleontólogo amador que atuava muito em Neuquén, na Argentina.

Um dia em julho de 1993, Rubén – que foi homenageado com o nome da espécie – encontrou um punhado de ossos aparecendo na superfície perto da cidade El Chocón. Idas e vindas, ele acabou convencendo paleontólogos argentinos a irem com ele ao campo para verificar a descoberta.

Para a surpresa de todos, era, de fato, um dinossauro. Mas não qualquer um – simplesmente o maior já registrado até hoje em terrenos situados ao sul da linha do Equador! E o melhor: não apenas os ossos eram grandes, mas o esqueleto em si muito completo, contendo boa parte do corpo e o crânio praticamente inteiro!

Não foi à toa que o achado acabou sendo divulgado com muito destaque em 1995 na Nature, uma das mais importantes revistas científicas do mundo, pelos pesquisadores Rodolfo Cória e Leonardo Salgado.

Cabe mencionar que alguns anos antes, o colega Jorge Calvo havia encontrado uma arcada inferior de um dinossauro carnívoro que hoje sabemos ser de um outro indivíduo de Giganotosaurus. Porém, esta é quase 10% maior do que o exemplar encontrado pelo Rúben Carolini! Mas não foi só isso...

O mais interessante dessa descoberta foi o fato de que, por conta do Giganotosaurus, acabou sendo instalado na região um museu de história natural, o Museo Municipal Ernesto Bachmann! E isso em um povoado com menos de mil habitantes, o que mostra como ocorrências paleontológicas, além da importância científica, podem contribuir para o desenvolvimento de uma região. E, diga-se de passagem, um museu com instalações melhores do que os melhores do nosso país – mas isso já é outra história...

Enganos

Não preciso nem dizer que muitas vezes pesquisadores recebem chamados para verificar supostos fósseis que acabam não se confirmando. É fácil para as pessoas que não são especialistas na área confundirem rochas escavadas naturalmente por cabeças, dentes, "cérebros" e outras supostas partes do corpo de um animal. Esses enganos são mais do que naturais e, às vezes, o descobridor acaba não se convencendo muito quando um pesquisador contesta a nova "descoberta".

Confesso que isso já ocorreu comigo muitas vezes e sei que alguns ainda andam desconfiados sobre as minhas conclusões. Mas isso faz parte. Acho muito importante que as pessoas procurem relatar e avisar aos pesquisadores quando sabem de alguma ocorrência de um possível resto de organismo extinto. E hoje em dia, com a facilidade da internet e das imagens digitais, grande parte dos relatos pode ser analisada sem problemas e de forma rápida. Se um em cada 100 desses relatos se tornar realidade, já vai ter valido a pena.

Importante: o ideal seria que o descobridor não tentasse remover o fóssil

Outra coisa importante: o ideal seria que o descobridor não tentasse remover o fóssil. Ainda me lembro do desapontamento de um colega italiano em relação a um fóssil de réptil voador encontrado por leigos ao norte do seu país. Um casal, ao achar o que parecia ser um fóssil, decidiu removê-lo do local e lavá-lo para ter uma noção melhor do achado. Resultado: eles terminaram por perder praticamente todos os ossos...

Nunca é demais enfatizar que a retirada de um fóssil é um processo bastante complicado, que varia muito da rocha e do local onde o mesmo está preservado. Somente uma pessoa com experiência pode determinar a melhor técnica aplicável para cada situação. Além disso, cabe lembrar que fósseis são objetos raros e, portanto, devem ficar guardados em instituições científicas para as gerações futuras...

Mas, voltando aos achados realizados ao acaso pelo público, não preciso nem dizer que estarei esperando ansiosamente o seu contato, meu caro leitor, caso saiba de algum possível achado paleontológico... Quem sabe?

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Fonte: Instituto Ciência Hoje

 

 

 

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