Novo modelo de Transporte Público para as cidades brasileiras

Espinha dorsal da mobilidade urbana, o Transporte Público é fundamental para garantir a sobrevivência, a dignidade e o bem-estar do cidadão, proporcionando-lhe acesso irrestrito às oportunidades de trabalho, saúde, bens, serviços, educação, cultura e lazer. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconhece essas prerrogativas e estabelece que o Transporte é um direito social de caráter essencial.

Além de sua função social, os Transportes Públicos Urbanos contribuem para dinamizar as economias locais, construir cidades eficientes, reduzir as emissões de poluentes, incentivar a mobilidade ativa e combater as mudanças climáticas.

Contudo, a sociedade brasileira convive há muito tempo com uma oferta insuficiente e mal distribuída de serviços de Transportes Públicos Urbanos, o que sacrifica e inibe o deslocamento diário de expressiva parcela da população urbana, sobretudo a de menor poder aquisitivo, ao mesmo tempo em que estimula o transporte motorizado particular, gerando efeitos negativos para a comunidade e para o meio ambiente.

A pandemia COVID-19 agravou ainda mais a situação, provocando uma forte queda na demanda por Transportes Públicos Urbanos e acentuando o empobrecimento de grande parcela da população. Como o modelo de financiamento dos sistemas de Transportes Públicos Urbanos vigente no Brasil é apoiado quase que exclusivamente na arrecadação tarifária, ou seja, sobre seus usuários, essa queda de demanda gerou um quadro financeiro insustentável, tanto para as concessionárias de transportes quanto para seus clientes. Vale registrar que hoje, em quase a totalidade das cidades brasileiras, a operação do Transporte Público Urbano está concedida à iniciativa privada através de contratos de duração demasiadamente longa.

Tal situação, aliada ao frágil gerenciamento atualmente realizado pelo poder público, acarretou sensível deterioração na quantidade e na qualidade dos serviços de Transportes Públicos das cidades brasileiras, traduzida no aumento dos tempos de espera, na superlotação dos serviços remanescentes, no encarecimento das viagens e na transformação dos veículos em espaços de contaminação viral.

Visando contribuir para o equacionamento de toda essa situação, o Fórum de Mobilidade Urbana do Rio de Janeiro, apoiado pela DTRL do Clube de Engenharia, FAM Rio, CREA RJ, SEAERJ, ADUT RJ e APROGEO, realizou, durante o ano de 2021, o “Ciclo de Debates Sobre Alternativas de Financiamento dos Transportes Públicos Urbanos”.

Ao longo dos doze encontros desse Ciclo, a grave situação dos Transportes Públicos Urbanos no Brasil e, em especial, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foi exaustivamente debatida com representantes da Academia, dos Poderes Executivos Municipal e Estadual, do Legislativo, das Empresas Concessionárias Operadoras, dos Sindicatos Patronais, dos Sindicatos dos Trabalhadores e de Organizações Não Governamentais.

Este Ciclo de Debates possibilitou ao Fórum de Mobilidade Urbana do Rio de Janeiro concluir que o atual modelo de Transporte Público está irremediavelmente falido, já que o usuário não consegue mais ser o único financiador do sistema, sendo necessária e urgente a implantação de um NOVO MODELO DE TRANSPORTE PÚBLICO em nossas cidades, para o que recomendamos e defendemos:

1. Que sejam criadas e/ou fortalecidas unidades administrativas e empresas públicas voltadas à Mobilidade Urbana, isto é, dedicadas ao planejamento, gerenciamento, contratação, fiscalização e, se necessário, à operação dos serviços de Transportes Públicos Urbanos, equipando-as com pessoal capacitado e suficiente para, ao menor custo, assessorar os tomadores de decisão e atender à população com presteza e competência;

2. Que seja efetivada a contribuição do cidadão às Políticas Públicas de Mobilidade, direito assegurado pelos Artigos 14º e 15° da Lei Federal de Mobilidade (nº 12.587 de 2012), através da participação paritária e permanente da sociedade civil organizada nos Conselhos dos órgãos públicos encarregados do gerenciamento da mobilidade;

3. Que sejam especificados, com efetiva participação da sociedade civil, padrões mínimos de atendimento das empresas operadoras, incluindo redução da emissão de poluentes, acessibilidade total, informação abrangente, layout, ordenação, conforto, manutenção, limpeza, segurança, intervalo (ou tempo de espera) e lotação máxima em veículos e em instalações fixas de Transporte Público;

4. Que a tarifa máxima a ser paga pelos usuários não ultrapasse a uma despesa mensal de 6% do saláriomínimo local, avaliando-se a viabilidade de adoção de Tarifa Zero;

5. Que sejam realizadas novas licitações e firmados novos contratos de prestação de serviços de Transporte Público, onde se declare vencedor o concorrente que requerer o menor valor mensal para prestar os serviços de transporte especificados pelo Poder Público, observados os padrões mínimos de atendimento;

6. Que os novos contratos de prestação de serviços de Transporte Público sejam custeados pelo Poder Público através de Fundos de Mobilidade Municipal, Estadual e Federal, os quais também estarão disponíveis para o financiamento da implantação e da renovação da infraestrutura e veículos, assim como para o gerenciamento de todo o sistema;

7. Que os Fundos de Mobilidade Municipal, Estadual e Federal venham a ser compostos não apenas pela arrecadação tarifária, mas também por novas fontes permanentes de receita, como os Orçamentos Públicos das três esferas de poder, as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), a cobrança de estacionamento em vias públicas, as multas de trânsito, o Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), as taxas de licenciamento, o pedágio urbano, os impostos sobre a valorização de imóveis vizinhos ao sistema de Transporte Público e as receitas acessórias das empresas operadoras de Transporte Público;

8. Que os novos contratos de prestação de serviços de Transporte Público sejam amplamente divulgados para a população e rigorosamente fiscalizados por esta e pelo Poder Público;

9. Que seja garantido ao cidadão o direito de realizar no espaço metropolitano viagens plenamente integradas, em termos físicos, operacionais e tarifários, sem impedâncias e sobretaxas, independentemente da quantidade e da diversidade dos serviços de Transportes Públicos Urbanos utilizados;

10. Que sejam estabelecidos acordos institucionais e operacionais entre empresas gerenciadoras de transporte e trânsito de municípios vizinhos, evoluindo até a implantação do gerenciamento metropolitano da mobilidade.

Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2022.

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