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“A Amazônia é um patrimônio brasileiro”

General Luiz Gonzaga Lessa levantou questões sobre a Amazônia que afetam a soberania nacional. Foto: Fernando Alvim

Seguindo o projeto que objetiva discutir grandes questões nacionais com a série “Brasil: Nação Protagonista”, o Clube de Engenharia recebeu, no dia 13 de junho, o general Luiz Gonzaga Lessa para a palestra “Amazônia e Soberania Brasileira”. Ex-chefe do Comando Militar da Amazônia e do Comando Militar do Leste, sediado no Rio de Janeiro, e ex-presidente do Clube Militar, Lessa tratou de desafios para o patrulhamento das fronteiras, as políticas indigenistas e a exploração dos recursos naturais da região, com foco na defesa da soberania nacional.

Estudioso dos problemas nacionais, particularmente os problemas da Amazônia, o general Luiz Gonzaga Lessa iniciou a palestra apresentando os superlativos que dão a dimensão da região localizada no norte do Brasil. “A Amazônia é um continente brasileiro. São 5 milhões de quilômetros quadrados, 56% do território nacional”, lembrou ele, além de destacar que a região possui dois terços do potencial hidrelétrico do Brasil, com 23 mil quilômetros de rios navegáveis e 80% da água doce disponível no país — 20% da água doce do mundo. A biodiversidade se alinha a riquezas minerais ainda de dimensões desconhecidas.

Registrou que Alemanha e o Reino Unido já afirmam, em suas estratégias militares, a necessidade de garantir recursos naturais indispensáveis ao desenvolvimento daqueles países. Esse tipo de pensamento, segundo o general, serve para advertir o Brasil da possibilidade de a Amazônia se tornar, num futuro próximo, palco de disputas não apenas econômicas, mas também militares. “Lá se encontram todos os minérios, e a cada dia se encontram mais, por isso a cobiça é grande”, alertou.

Para o general, “qualquer que seja o governo, do passado, do presente ou do futuro, todos tiveram ou terão que abordar quatro pilares ao tratar da Amazônia: ambiental, indígenas, ilícitos transnacionais e ONGs”. Na exposição, o palestrante tratou desses pontos, apresentando sua visão sobre como o Estado deve tratá-las e as discussões ao redor dos temas.

Políticas para população indígena
Lessa explicou que 13% do território brasileiro é atualmente destinado a populações indígenas. Ao todo, são quase 500 mil pessoas com o direito de viver em territórios demarcados pelo Estado, sendo grande parte deles na região amazônica.

As políticas públicas voltadas à população indígena brasileira ainda são alvo de discussões. Em primeiro lugar, o debate sobre integrar ou segregar os indígenas. Depois, a extensão e tipo de demarcação (se contínua ou em “ilhas”) dos territórios, além da possibilidade ou não de se explorar as riquezas naturais neles. Por fim, o debate sobre como garantir a segurança nacional nessas regiões, principalmente na fronteira — 44% (345.970 km²) da área total da faixa de fronteira do Brasil está em Unidades de Conservação e Territórios Indígenas.

Lessa lembrou que a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, assegura como princípio, em seu Artigo 30, que “não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territórios dos povos indígenas, a menos que o justifique uma razão de interesse permanente ou que o aceitem ou solicitem livremente os povos indígenas interessados”. Para ele, essa Declaração é importante para entender a atuação que o Estado pode ter nos territórios indígenas, embora afirme existir entendimentos diferentes no ordenamento jurídico brasileiro. O General citou o voto, de 2008, do então Ministro do STF Carlos Alberto Menezes Direito sobre a demarcação contínua do Território Indígena Raposa Serra do Sol, localizado em Roraima, na fronteira com Venezuela e Guiana. O voto do ministro foi favorável, embora com ressalvas, entre elas, a instalação de bases militares, expansão de malha viária, atuação das Forças Armadas e Polícia Federal independente de autorização da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) ou dos próprios indígenas.

Combate ao crime
Ligado à questão indígena também está a presença de bases militares nas regiões de fronteiras. Para o general Lessa, “é preciso controlar a fronteira. As Forças Armadas e a Polícia Federal não podem fugir disso. Eles têm a responsabilidade”, disse. Muitas dificuldades, no entanto, historicamente permeiam tal tarefa. Só na Amazônia, por exemplo, são 11 mil quilômetros de fronteira, que carregam particularidades, como grandes rios e a densidade da floresta.

Entre essas particularidades, citou a fronteira com a Guiana Francesa, que é um território ultramarino da França e principal território da União Europeia fora da Europa continental. “É território francês. Eu vi o Macron [presidente da França] na semana passada se preocupando com problemas amazônicos, porque a França é um território amazônico. Já pensaram nisso? O problema é o que pode acontecer mais tarde”, explicou ele, ressaltando as implicações para a soberania nacional desse tipo de declaração.

“Qual é o efetivo militar na Amazônia hoje? São 30 mil homens”, disse Lessa, citando dados de 2017. “Em 1950, só tínhamos mil homens”, lembrou. Para ele, apesar de ser um efetivo pequeno, esse aumento demonstra um crescimento na importância estratégica dada pelas Forças Armadas à região. Hoje são 29 organizações militares na fronteira amazônica, um patrulhamento que tomou força com o Programa Calha Norte, de 1985. Entretanto, as condições dos pelotões na fronteira nem sempre são ideais, sendo comuns problemas de infraestrutura adequada às condições da floresta.

Outros pontos relevantes destacados por Lessa com relação ao patrulhamento estão na presença de facções criminosas na Amazônia, sejam quadrilhas brasileiras, sejam estrangeiras. “Grande parte da cocaína produzida nos países andinos atravessa as fronteiras rumo ao território brasileiro, para envio posterior à Europa e América do Norte, e para distribuição no mercado brasileiro”, disse o general.

Questões emergentes
Novas questões geopolíticas devem, em futuro próximo, afetar também a Amazônia. O general Lessa citou a evolução demográfica: a população mundial deve chegar a 9,1 bilhões de pessoas em 2050, impondo a necessidade de mais territórios para a produção de alimentos e ocupação urbana. Enquanto isso, de acordo com dados do IBGE, a população brasileira deve estabilizar em 220 milhões de habitantes em 2040, passando de 5º para 8º país mais populoso do mundo, com a região amazônica ainda como um “vazio demográfico”. A abundância de recursos naturais faria os olhos do mundo se voltarem, com mais veemência, para a região, com governos e organizações defendendo, também com mais veemência, a Amazônia enquanto um território global. Sem Forças Armadas estruturadas e sem política para a região, além da pressão das mudanças climáticas e dos refugiados ambientais, o Brasil pode acabar tendo sua soberania ameaçada.

“Se nós não ocuparmos, estaremos dando chance para que outros ocupem”, alertou Lessa. “Será que vamos permitir que a Amazônia se torne um bem público mundial, com gestão coletiva? Esse modelo já existe, é o modelo Antártico”, advertiu, citando falas de especialistas estrangeiros que defendem esse tipo de mudança. “A Amazônia, antes de ser um patrimônio da humanidade, é patrimônio inquestionável do povo brasileiro”, finalizou ele.

A palestra pode ser assistida, na íntegra, no canal do Youtube do Clube de Engenharia: clique aqui (parte 1) e aqui (parte 2).

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