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Artigo: Máximo do fracasso

Máximo do fracasso

POR PAULO METRI*

Para ter uma visão ampla das manifestações, vejo vídeos de várias cidades, leio notícias e análises, ouço discursos colocados na internet e assisto até noticiários na TV. Vejo a alegria e a esperança dos que têm boas intenções e a truculência genericamente distribuída por policiais, que seguem ordens de governantes não afeitos a críticas.

Vejo os deploráveis vândalos e saqueadores de ocasião, que, estes sim, devem ser contidos e punidos, o oferecimento da “imposição da ordem” pelos aproveitadores fascistas e a tentativa de influência estrangeira na nossa gente. A turma jovem e honesta, além da busca por melhoria nas condições de vida, busca também uma história, à medida que são descendentes de quem tem histórias a contar. Nunca mais se poderá dizer que a atual juventude é apática.

As manifestações trouxeram em mim forte sensação de tristeza. Sei que, para muitos, a sinalização é inversa, pois trazem reforço da esperança. Não sei se é porque cansei de ver esperanças nascerem e morrerem que sou um descrente da possibilidade de melhoria da nossa espécie, enquanto as condições de entorno não mudarem. Ou então, a melhoria é tão lenta que chega a ser imperceptível no espaço de uma vida. Por exemplo, tive tanta esperança na época da Constituinte, que foi logo seguida por muita desesperança na década neoliberal.

Minha geração teve o mérito de ter vencido a ditadura ou tem esta pretensão, uma vez que a ditadura foi, creio eu, abandonada pelo capital, que não via mais a possibilidade de continuar dominando a sociedade através dela. Eu tinha esperança que nossa democracia imperfeita poderia ser, cada vez mais, aprimorada. Ledo engano, pois atualmente estamos sendo manipulados, como no passado, só que por método diferente, muito mais sofisticado. Hoje, o manipulado nem sabe da sua triste condição, enquanto o perseguido político da ditadura sabia perfeitamente o que lhe ocorria.

Apesar da dissimulação do momento atual, consigo enxergar correspondências com o passado. O antigo censor militar dos jornais é o presente diretor de notícias da mídia, regiamente remunerado pelo capital. As informações que não apareciam no passado, hoje também não aparecem, sendo que atualmente existem as informações falsas, criadas para confundir e dificultar a descoberta da verdade.

Para quem permanece passivamente acomodado no sofá, corre enorme risco de engordar, ter diabetes e assistir a outro evento que só aconteceu no mundo virtual da mídia. Chega a ser engraçado, se não fosse triste, ver um canal de TV procurando criar uma liderança para as manifestações, que não denunciasse nenhuma mazela do capital, com exceção das tarifas dos ônibus, e lançasse toda a culpa da infelicidade do brasileiro na ineficiência do governo e na corrupção dos políticos, sem exceções, além de outras críticas menores. Obviamente, não se pode pactuar com corrupção, mas busca-se trazer, de forma escamoteada, a disputa de 2014 para a discussão dos eventos atuais.

Que ninguém é perfeito, todos nós sabemos. Mas, na minha compreensão, que a presidente seja uma das culpadas pelo que acontece no país é uma deformação da realidade. Não nego que seu governo tenha parcela de erros. Eu mesmo discordo dela por ter decidido entregar 70% do petróleo de Libra a grupos estrangeiros, o que equivale a US$ 700 bilhões, fora a perda geopolítica. Contudo, a inclusão social do seu governo e do antecessor está aí para defendê-los.

Um ponto que ainda não me convenceram em contrário é que aflorou nas últimas manifestações também a velha luta de classes, que nunca foi, pelo menos, reconhecida. Trata-se da desumana exploração humana e a classe média, mais uma vez, com erro de visão, direcionou seu ódio para a classe pobre. A classe média está, hoje, indignada com os governos Lula e Dilma, que melhoraram a condição dos pobres e não olharam tanto para ela. No caso dos direitos das domésticas, por exemplo, o governo Dilma tirou recursos basicamente da classe média e os entregou para as domésticas. Para o rico, pagar mais direitos às domésticas não representou nada.

Então, por que a classe média não luta pela lei das grandes fortunas, por alíquotas adicionais de imposto de renda, por políticas de transferências dos mais ricos para os mais pobres e outras políticas públicas? Estas propostas não impactam negativamente a ela própria. Esta só fala em diminuir impostos e, ao mesmo tempo, melhorar e expandir atendimentos públicos, como se as duas ações fossem possíveis de serem realizadas simultaneamente. A campanha da FIESP tem surtido efeito nela.

A mídia tem enorme culpa ao esconder as transferências entre classes. Não há um debate público e sério sobre quase nenhum tema de interesse da sociedade. Ela traveste informações, cria mundos paralelos com ficções diferentes da realidade, arrebanha os incautos, que consegue fisgar, para impor conclusões erradas. A atual dominação é maquiavélica quando comparada com a do passado, não sendo fácil reconhecer a ditadura midiática atual e o mundo virtual vivido. Situação impensável, mas frequente, é o dominado votar em quem vai lhe prejudicar no futuro, graças a esta mídia.

Morrer no mesmo ponto da evolução humana em que nasceu é o máximo do fracasso. Minha geração não deixa legado e tenho até medo de morrer deixando legado negativo, tal a quantidade de involuções que rondam a sociedade. Enquanto uma nova lei que democratize a comunicação de massas não surgir, o espectro do mal continuará pairando sob nossas cabeças e me sentirei muito feliz por conseguir deixar legado zero.

 

* Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia.

Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania.

Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br

 

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