A inclusão racial na engenharia brasileira: desafios e perspectivas para a construção de um mercado mais diverso e inovador

A inclusão racial na engenharia brasileira: desafios e perspectivas para a construção de um mercado mais diverso e inovador

Crédito: Freepik
A inclusão racial na engenharia brasileira: desafios e perspectivas para a construção de um mercado mais diverso e inovador
PROSUB no Horizonte Brasileiro

Por Douglas Fortunato e Jonatha Gomes

A engenharia, enquanto campo do conhecimento voltado para a resolução de problemas complexos e o desenvolvimento da sociedade, enfrenta no Brasil um de seus maiores desafios: a superação das desigualdades raciais que persistem em sua formação e atuação profissional. A sub-representação de profissionais negros na engenharia não é um fenômeno isolado, mas reflexo de estruturas sociais mais amplas que limitam o acesso e a permanência desta população nos espaços acadêmicos e profissionais. Este artigo argumenta que a promoção da diversidade racial na engenharia é imperativa não apenas por questões de justiça social, mas como condição essencial para a inovação e excelência técnica do setor.

Ações Afirmativas como Estratégia de Transformação

A implementação da Lei de Cotas (Lei n° 12.711/2012) representou marco fundamental na democratização do acesso ao ensino superior. Conforme refletiu a escritora e intelectual negra Conceição Evaristo [1], “nossa fala não pode ser um ato de simples repetição, ela deve carregar em si a nossa experiência de vida“. Esta perspectiva ressalta a importância das vozes plurais que as cotas trazem para as universidades. A experiência brasileira demonstra que tais políticas mostram-se essenciais para corrigir distorções históricas e promover maior equidade no acesso à educação superior. Contudo, é fundamental que as cotas sejam complementadas por políticas de permanência estudantil que assegurem condições adequadas para o sucesso acadêmico de todos os estudantes.

A Realidade das Desigualdades Raciais no Mercado de Trabalho

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2019 [2] revelam disparidades salariais significativas entre profissionais com ensino superior, evidenciando uma clara estratificação baseada em raça e gênero. O rendimento médio geral de R$ 4.921 mascara profundas desigualdades: homens brancos recebem R$ 7.148, enquanto homens negros obtêm R$ 4.809. A situação é ainda mais crítica para as mulheres negras, que recebem apenas R$2.945, menos da metade do valor percebido pelos homens brancos. Esses números demonstram que a qualificação profissional, por si só, não é suficiente para superar barreiras estruturais de discriminação.

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Avanços e Limitações no Acesso ao Ensino Superior

A pesquisa encomendada pela CBIC ao PROJECTA [3] indica progressos significativos no acesso de estudantes negros aos cursos de engenharia e arquitetura, com um crescimento de 153 mil para 367 mil matrículas entre 2010 e 2019. No entanto, este avanço quantitativo não se traduz automaticamente em equidade qualitativa. O estudo do CEFET-MG [4] demonstra que, entre os engenheiros diplomados em 2017, apenas 23% eram negros, contra 77% de brancos. Esta disparidade evidencia que o acesso à educação superior, embora absolutamente necessário, não é condição suficiente para garantir equidade racial na profissão.

A análise do Centro de Tecnologia da UFRJ [5] sobre as taxas de evasão, sucesso e retenção por raça entre 2010 e 2019 revela padrões particularmente preocupantes nesta unidade. Estudantes pretos registraram consistentemente as maiores taxas de evasão, atingindo aproximadamente 18% em 2018, enquanto estudantes brancos mantiveram as menores taxas durante todo o período. É importante contextualizar que, enquanto em outros centros da universidade, como o Centro de Ciências da Saúde e o Centro de Filosofia e Ciências Humanas, as disparidades raciais nas taxas de sucesso e evasão são significativamente menores, no Centro de Tecnologia os dados apontam para um cenário especialmente crítico.

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As disparidades se acentuam nas taxas de sucesso acadêmico, índice que mede a porcentagem de estudantes que concluem suas disciplinas dentro do prazo curricular estabelecido. Em 2019, enquanto estudantes brancos ultrapassaram 85% de sucesso, pretos e pardos caíram para aproximadamente 44% e 40%, respectivamente.

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Este contraste com outras unidades acadêmicas da UFRJ sugere que fatores específicos do ambiente da Engenharia, seja na cultura acadêmica, nas metodologias de ensino ou no suporte oferecido aos estudantes, podem estar contribuindo para amplificar as desigualdades raciais já existentes. Estes dados sugerem fortemente a existência de barreiras institucionais que dificultam a permanência e o sucesso acadêmico de estudantes negros na Engenharia.

Diversidade como Imperativo Estratégico e Futuro da Engenharia

Além da dimensão ética e social, a promoção da diversidade racial na engenharia apresenta sólidos fundamentos estratégicos. A pesquisa da McKinsey & Company [6] demonstra que empresas com maior diversidade étnico-racial têm 36% mais probabilidade de obter lucratividade acima da média. Esta correlação positiva entre diversidade e performance empresarial sustenta a tese de que a heterogeneidade de perspectivas favorece a inovação e a excelência técnica. Na engenharia, onde a criatividade e a capacidade de solucionar problemas complexos são essenciais, a diversidade de experiências e abordagens representa vantagem competitiva inquestionável.

Os dados analisados permitem concluir que a promoção da diversidade racial na engenharia brasileira requer abordagens multifacetadas que atuem simultaneamente no acesso ao ensino superior, na permanência estudantil e na inserção profissional qualificada. As ações afirmativas mostram-se eficazes para ampliar o acesso, mas é fundamental desenvolver estratégias complementares que assegurem condições equitativas de sucesso acadêmico e profissional.

A transformação da engenharia brasileira em campo mais diverso e inclusivo não é apenas uma questão de justiça social, mas condição essencial para sua excelência técnica e inovação. O futuro da engenharia no país dependerá, em grande medida, de sua capacidade de incorporar e valorizar a diversidade de talentos e perspectivas que compõem a sociedade brasileira.

Autoria

Jonatha Tavares

Jonatha Tavares

Bio: Engenheiro Mecânico pela UFRJ, pós graduando em Engenharia de segurança do trabalho pela Escola Politécnica da UFRJ. Diretor de relações institucionais da ABDEH - Associação Brasileira para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar. Conselheiro do Crea-RJ. Diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (SENGE-RJ) e Conselheiro do Clube de Engenharia do Brasil.
Douglas Fortunato

Douglas Fortunato

Bio: Graduado em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela Escola Politécnica da UFRJ (2022),, Mestre em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela COPPE-UFRJ. e Doutorando em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela COPPE-UFRJ. Diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (SENGE-RJ). e Conselheiro Diretor do Clube de Engenharia do Brasil.

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