Por Ephim Shluger*
Resumo
As mudanças climáticas representam uma ameaça existencial, enquanto medidas globais para reduzir as emissões de gazes de efeito estufa (GEE) vêm se mostrado insuficientes desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015. Neste contexto, medidas estratégicas de adaptação tornam-se tarefa inadiável. Este artigo explora o conceito de “Cidades-Esponja” como uma estratégia viável para fortalecer a resiliência urbana e, assim, adaptar os impactos do clima. Contrastando com o sistema de infraestrutura cinza tradicional—que é inflexível, custoso e socialmente regressivo—, a abordagem da cidade-esponja propõe a utilização de serviços de Infraestruturas Verde e Azul para gerenciar o ciclo da água de forma sinérgica com a natureza. (4) Através de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), criando parques inundáveis, jardins de chuva mediante a re-naturalizar os corpos hídricos. Projetos concebidos com a ótica SBN geram benefícios múltiplos, incluindo a mitigação de enchentes e ilhas de calor, redução de custos de construção e de manutenção, valorização imobiliária nos bairros servidos, promoção da biodiversidade e melhoria da qualidade de vida nos bairros. O presente artigo apresenta casos exemplares de boas práticas, em projetos do paisagista Kongjian Yu realizados na China, que propõe três estratégias aplicáveis ao centro do Rio de Janeiro como a revitalização dos espaços públicos ao longo do Canal do Mangue e a transformação da Lagoa da Tijuca com propósito de transformar e integrar os bairros adjacentes em ambientes saudáveis e sustentáveis.
O artigo enfatiza a urgência de adaptação das cidades aos efeitos das mudanças climáticas, mediante ações de mitigação de gases de efeito estufa, capaz de reduzir a pegada de carbono na construção civil, e transporte urbano. Apresenta o conceito de “Cidade-Esponja” como um paradigma inovador de planejamento urbano, que propõem substituir a infraestrutura cinza convencional por Sistemas Baseados na Natureza. O modelo proposto, focado na gestão sustentável das águas pluviais, revela seus benefícios ambientais, urbanísticos, sociais e econômicos, com exemplos de implementação dos projetos na China e propostas estratégicas para a cidade do Rio de Janeiro.
A Adaptação Climática do Meio Urbano
Uma década após o Acordo de Paris, as ações para conter o aquecimento global abaixo de 1,5°C mostram-se inadequadas. (1) Junto a necessidade de descarbonização, a humanidade depara-se com os impactos dramáticos das mudanças climáticas, especialmente em áreas urbanas, onde se concentram quase 90% da população brasileira. (2) Diante dos episódios extremos que testemunhamos em Petrópolis, Porto Alegre e na Amazonia, como enchentes, deslizamentos e secas, tornam premente a adoção de estratégias robustas de adaptação e mitigação do clima nas cidades e no campo.
Neste cenário, ganha força a concepção de cidades como sistemas vivos, capazes de se adaptar e resistir aos episódios climáticos cada vez mais frequentes e mais impactantes na vida da população. O resgate de saberes ancestrais de gestão e manejo de águas na China – para a produção de alimentos, apontam para as Soluções Baseadas na Natureza (SBN). É neste contexto que emerge o conceito de “Cidade-Esponja”, afirma Yu – “uma abordagem que redefine a relação entre o urbano e o ciclo da água”. (3)
Transformando Paradigmas: Crítica e Inovação
O modelo tradicional de infraestrutura cinza—caracterizado por redes de canalizações, diques e reservatórios de concreto—revela-se cada vez mais disfuncional.
Kongjian Yu afirma que a abordagem setorial e pontual ignora a complexidade dos sistemas naturais. Ao acelerar a drenagem de águas pluviais e ao impermeabilizar o solo, a infraestrutura cinza contribui para:
- agravar enchentes: Transfere rapidamente a drenagem das águas para jusante, superando a capacidade dos sistemas.
- provocar escassez hídrica: impede a infiltração e a recarga dos aquíferos.
- é ambientalmente custosa: Apresenta alta pegada de carbono e destrói ecossistemas, e
- é socialmente injusta: por seu elevado custo de implantação/manutenção, via de regra deixa as comunidades mais vulneráveis desassistidas. (3)
A cidade-esponja propõe uma inversão desta lógica. Seu princípio fundamental é permitir que a cidade absorva, infiltre, armazene e reuse as águas pluviais no local, de forma a restabelecer o equilíbrio do ciclo hidrológico natural. Esta infraestrutura ecológica, que combina elementos verdes (vegetação, e solos permeáveis) e azuis (rios, lagos, terras molhadas e manguezais), é concebida para prestar quatro serviços ecossistêmicos essenciais, a saber: (i) produção de alimentos e água limpa; (ii) regulação e adaptação ao clima; (iii) preservação de habitats e ciclos de nutrientes, (iv) promoção de espaços públicos com benefícios culturais, espirituais e recreativos. (4)
Entre objetivos específicos, projetos de cidades-esponja promovem entre outras as seguintes metas: (i) ambientais, com mitigação de ilhas de calor, controle de inundações, aumento da biodiversidade; (ii) sociais com a ressignificação de espaços públicos de lazer e do convívio e promoção da equidade social e melhoria da saúde pública; (iii) econômicos em termos da redução de custos de construção e manutenção podendo chegar a 50-70% de economia se comparados à infraestrutura cinza; (iv) Urbanísticos: com a valorização imobiliária do entorno e regeneração de áreas degradadas.(5)
Casos Exemplares na China
A atuação da Turenscape, liderada por Kongjian Yu, oferece demonstrações práticas do conceito de urbanismo ecológico.
• Parque Yongning: Substituiu a tubulação de concreto por um sistema ecológico de controle de enchentes, revelando a beleza da vegetação nativa e resolvendo os problemas hídricos com sucesso.
• Parque Aquático Sanya Dong: Transformou 68 hectares de aterro sanitário em manguezais em um parque de terras úmidas, controlando enchentes e marés e tornando-se um polo de atração turística e local.


• Parque Linear Fengxiang/Rio Meishe: Recuperou um rio poluído e sujeito a enchentes através de um sistema que integra tratamento de esgoto, restauração do manguezal e criação de um corredor verde para recreação, visitado por dezenas de milhares de pessoas diariamente.


Estratégias para o Rio de Janeiro
A convite da Prefeitura do Rio de Janeiro, Professor Yu, fez um sobrevoo sobre a cidade acompanhado pelas autoridades locais, para em seguida, esboçar uma estratégia de recuperação de áreas naturais degradadas. Inspiradas nas experiências bem-sucedidas de parques em cidades chinesas, três estratégias que foram denominadas de ecopuntura – em alusão a tratamento de acupuntura na medicina tradicional, foram formuladas para o Rio de Janeiro, visando transformar suas vulnerabilidades em oportunidades, a saber:
(i) Ecopuntura no Centro Histórico: objetiva desenvolver um plano mestre de infraestrutura verde integrando o complexo hidrológico do Canal do Mangue, ao longo da Praça Onze até a Cidade Nova. A estratégia propõe requalificar espaços públicos, dotar de ciclovias e calçadas seguras, e promover transporte de baixo carbono, revitalizando bairros e melhorando a qualidade do espaço publico e da qualidade do ar.


(ii) Reconversão do Corredor da avenida Francisco Bicalho: Transformar a infraestrutura cinza portuária e viária em uma paisagem agradável, mediante arborização e jardins de chuva. Capaz de atrair novos investimentos, fomentar o comércio e criar uma centralidade atraente através do tratamento paisagístico com melhorias da gestão de águas pluviais e do seu reaproveitamento.


(iii) Parque Aquático da Lagoa da Tijuca: Recriar um ecossistema urbano saneado através da despoluição, dragagem e criação de ilhas flutuantes com o lodo reaproveitado. A proposta visa implantar infraestrutura azul e verde restauraria a biodiversidade, preveniria enchentes e geraria novos espaços de lazer, valorizando toda a região.
Estas estratégias são de execução relativamente rápida e com baixo custo comparativo a outros sistemas de saneamento, posicionariam o Rio como um “benchmark” internacional em termos de práticas de urbanismo ecológico contemporâneo. A proposta é dotar bairros centrais de infraestrutura verde e azul essenciais para a melhoria da qualidade de vida dos seus moradores e visitantes. (7)
Conclusão
O conceito de cidade-esponja transcende a mera técnica de drenagem. Ele representa uma mudança filosófica no planejamento urbano, onde a cidade é entendida como parte de um ecossistema natural em constante evolução. A adoção desta abordagem é essencial para a mitigação e adaptação frente a mudanças climáticas, oferecendo um caminho viável para desenvolver cidades não apenas mais seguras contra eventos extremos, mas também mais saudáveis e justas, contribuindo assim com melhoria na sua qualidade de vida. A integração entre instrumentos de planejamento, governança participativa e parcerias público-privadas será central para materializar esta visão, transformando as áreas degradadas das cidades brasileiras em paisagens produtivas para o seu desenvolvimento em harmonia com a natureza.
Legado
A morte prematura do Professor Kongjian Yu, em 23 de setembro de 2025, em um acidente aéreo sobre o Pantanal brasileiro, representa uma perda devastadora para a comunidade internacional de planejamento urbano, paisagismo e resiliência climática. O Professor Yu deixa um legado extraordinário de inovação no aproveitamento dos recursos naturais e das paisagens, essenciais para a melhoria da qualidade de vida urbana. Além disso, suas contribuições apontam o caminho eficaz para a adaptação e mitigação dos impactos das mudanças climáticas.

Kongjian Yu é pioneirodo conceito “cidade-esponja” — que revolucionou a maneira como cidades abordam a gestão das águas e a restauração ecológica das áreas industriais e residenciais degradadas utilizando os serviços ecossistêmicos de captação de aguas pluviais redirecionadas para os aquíferos, e o seu raproveitamento em corpos hídricos.
Em sua visita em Março de 2025, propôs a abordagem que chamou de “eco-puntura” -uma estratégia de infraestrutura verde e azul para a cidade do Rio de Janeiro, integrando riachos, canais e áreas alagadas a redes de parques, ciclovias e espaços públicos. Essas iniciativas prometem múltiplos benefícios: mitigação de enchentes, redução de custos de infraestrutura, diminuição das emissões de gases de efeito estufa, revitalização de bairros degradados e atração de novos investimentos. Além disso, enfatizam a preservação do patrimônio natural e cultural, ao mesmo tempo em que promovem inclusão social e participação comunitária.
A um mês da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP30) em Belém, Brasil, este é o momento ideal para que os tomadores de decisão adotem soluções baseadas na natureza (SBN) em sua política urbana. O modelo de cidade-esponja não é apenas uma solução técnica — é uma mudança de paradigma em direção a cidades que convivem em harmonia com a água, mitigam riscos climáticos e oferecem espaços mais saudáveis e equitativos a seus habitantes.
O Professor Yu costumava dizer:
“A cidade que abraça a natureza e integra a água em seu desenho será a cidade que prosperará no futuro”.
*Especialista em Desenvolvimento Urbano.
Este artigo contou com a revisão e formatação de IA Deep Seek.
Bibliografia
(1) IPCC. “Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability”. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, 2022.
(2) IBGE. “Censo Demográfico 2022”. Agência de Notícias IBGE, 2023.
(3) YU, Kongjian. “The Art of Survival: Recoupling with Nature”. Taiwan: Xinzhan Li, 2022.
(4) YU, Kongjian; LI, Dihua. “The “Sponge City” approach: an integrated urban ecological infrastructure for water resilience”. Journal of Landscape Architecture, v. 15, n. 2, p. 4-7, 2020.
(5) TURENSCAPE. “Project Portfolio: Sponge City Projects”. Disponível em: https://www.turenscape.com.
(6) YU, Kongjian; “A revolução de pé grande”, pp 282-291 artigo publicado na coletânea “Urbanismo Ecológico”, Mostfafari, M. e Doherty, G., (org). Harvard University GSD. Editora GGilli Ltda. S.P. 2012
(7) YU, Kongjian. Documentos, memoria da estratégia, com imagens do Rio de Janeiro compartilhados para a elaboração do presente artigo.




