Introdução
Por Carlos D. Girão
Resumo
As emissões fugitivas representam uma fração frequentemente negligenciada, porém significativa, das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Enquanto os esforços de descarbonização se concentram em setores visíveis como o transporte e energia, o controle dessas emissões oferece resultados rápidos, mensuráveis e economicamente vantajosos. Este artigo discute a relevância das emissões fugitivas no contexto climático global, as tecnologias. disponíveis para mitigação e as oportunidades que o Brasil possui diante da realização da COP 30.
Palavras-chave: emissões fugitivas, metano, descarbonização, COP 30, engenharia sustentável
O aquecimento global e a urgência de agir
Nas últimas décadas, o aquecimento global deixou de ser uma hipótese científica para se tornar uma realidade visível. O aumento da temperatura média do planeta, impulsionado pelas emissões de gases como dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxidos de nitrogênio (N₂O), vem provocando transformações profundas no clima da Terra.
No Brasil, os impactos já são evidentes. A Região Sul tem enfrentado ciclones e enchentes históricas, com dezenas de vítimas e prejuízos bilionários à agricultura e infraestrutura. Episódios como a tempestade que atingiu Santos (SP) em 2023, com ventos de 151 km/h, mostram que o país sente de forma concreta os efeitos de um clima cada vez mais instável.
A resposta global a esse desafio ganhou forma em 2015, com o Acordo de Paris[1], cujo objetivo é limitar o aquecimento a bem menos de 2 °C, idealmente 1,5 °, em relação aos níveis pré-industriais. Entretanto, apesar dos compromissos, a redução efetiva das emissões ainda caminha lentamente.
Com a COP 30 em Belém este ano, o Brasil assume papel de destaque, tendo a chance de mostrar liderança e pragmatismo na transição para uma economia de baixo carbono.
O foco além dos carros elétricos: o papel das emissões fugitivas
Grande parte do debate público concentra-se em setores visíveis, como transporte, responsável por cerca de 16% das emissões globais, segundo o OurWorld in Data[2], Figura 1. Contudo, quase 7% das emissões de GEE decorrem de fontes menos perceptíveis: as emissões fugitivas — vazamentos não intencionais de gases durante a extração, processamento e transporte de combustíveis fósseis.

toneladas de CO2 eq.)
Fonte: Adaptado de Ritchie, H.; Rosado, P.; Roser, M. Breakdown of carbon dioxide,
methane, and nitrous oxide emissions by sector. Our World in Data, 2024. Disponível em:
https://ourworldindata.org/emissions-by-sector
Essas fugas ocorrem em válvulas, flanges, compressores e sistemas de armazenamento. O metano, principal componente desses vazamentos, possui um potencial de aquecimento global 28 vezes maior que o do CO₂ em um horizonte de 100 anos[3]. Pequenas quantidades liberadas podem, portanto, gerar grande impacto climático.
A boa notícia é que as emissões fugitivas podem ser reduzidas de forma imediata, utilizando tecnologias já disponíveis e com retorno econômico positivo — afinal, parte do gás que hoje é perdido poderia ser recuperado e aproveitado.
Tecnologia e engenharia a serviço da mitigação
A engenharia tem papel crucial na identificação e controle dessas emissões. Diversas soluções já estão em uso e apresentam resultados concretos:
- Sensoriamento remoto e drones equipados com câmeras ópticas ou infravermelhas detectam vazamentos em tempo real.
- Sistemas de monitoramento contínuo (CMMS e IoT) registram variações de pressão e concentração de gases, emitindo alertas automáticos.
- Válvulas, juntas e gaxetas de baixa emissão (Low Emission) minimizam perdas em plantas industriais.
- Sistemas de recuperação de gás evitam o venting e o flaring, redirecionando o metano para uso energético ou reinjeção.
- Modelagem preditiva com inteligência artificial antecipa falhas e identifica pontos críticos.
Essas tecnologias já são aplicadas em diversas refinarias, termelétricas, plantas químicas e sistemas de transporte de gás principalmente em países onde os órgãos ambientais são presentes e atuam como agentes da inovação.
Nos Estados Unidos por exemplo, a Environmental Protection Agency (EPA) considera crítico, valores de emissões de Compostos Organicos Volateis (VOCs) acima de 100ppmv. E organizações como API e ASME desenvolveram normas para garantir que válvulas, gaxetas e sistemas de vedação atendam a este benchmark 100ppmv.
Usando a metodologia da EPA, descrita em Emissions Estimation Protocol for Petroleum Refineries[4], Figura 2, é possível estimar que uma refinaria de médio porte com 5mil válvulas e 40mil flanges sem um programa de detecção e reparo de vazamentos pode jogar na atmosfera mais de 1.200 toneladas de hidrocarbonetos por ano considerando somente as emissões fugitivas oriundas dos flanges e válvulas.
Este valor poderia facilmente ser reduzido a menos de 20 toneladas usando tecnologia existente de baixa emissão.

Fonte: Adaptado de Emissions Estimation Protocol for Petroleum Refineries (EPA, 1995).
Desafios e oportunidades para o Brasil
A infraestrutura energética brasileira é extensa e heterogênea, com instalações antigas e novas convivendo lado a lado. Essa característica amplia o potencial de emissões fugitivas e impõe desafios como a ausência de um inventário detalhado, a regulação incipiente onde 10.000 ppmv ainda é considerado como benchmark de emissões e um custo inicial relativamente alto de implantação de sistemas de monitoramento e reparo.
Por outro lado, as oportunidades são expressivas: redução de perdas, geração de créditos de carbono, valorização da imagem institucional e alinhamento com compromissos internacionais. Ao priorizar essa agenda, o país pode consolidar sua posição como líder regional na descarbonização e reforçar o protagonismo que evidenciou na COP 30.
Conclusão: uma oportunidade invisível, porém estratégica
Enquanto a eletrificação dos transportes e a transição energética exigem décadas de investimento e adaptação, a mitigação das emissões fugitivas oferece um caminho imediato, técnico e economicamente acessível.
A correção de vazamentos e o uso de tecnologias de monitoramento representam não apenas uma medida ambiental, mas também uma decisão de eficiência e competitividade.
No cenário global de emergência climática, combater as emissões fugitivas é um gesto de inteligência e liderança — e o Brasil, tem a chance de transformar esse desafio invisível em uma oportunidade tangível de progresso sustentável.
Referências
[1] NAÇÕES UNIDAS. Climate Action. The Paris Agreement. Disponível em: https://www.un.org/pt/node/84376. Acessado em: 12 nov. 2025
[2] Ritchie, Hannah; Rosado, Pablo; Roser, Max. Breakdown of carbon dioxide, methane, and nitrous oxide emissions by sector, OUR WORLD IN DATA. 2024. Disponível em: https://ourworldindata.org/emissions-by-sector. Acessado em: 12 nov. 2025.
[3] IPCC, 2014: Climate Change 2014: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, R.K. Pachauri and L.A. Meyer (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, 151 pp. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar5/syr. Acessado em: 12 nov.2025.
AR5 Synthesis Report: Climate Change 2014 — IPCC
[4] EPA. Emissions Estimation Protocol for Petroleum Refineries. Research Triangle Park, NC: U.S. Environmental Protection Agency, 1995.




