Técnica inovadora de poda permite cultivo de vinhedos em diferentes regiões, estimulando o desenvolvimento econômico
A produção de vinhos nacionais vem se expandindo por diversas regiões do país e deixando de ser exclusiva da Serra Gaúcha. Bebidas produzidas a partir de uvas cultivadas em estados do Sudeste, do Centro-Oeste e do Nordeste ganham não só em volume como estão conquistando posições altas nos rankings das premiações dadas por júris criteriosos. O que poucos sabem é que por trás desse fenômeno está a contribuição de uma valiosa descoberta da engenharia agronômica. Por meio de uma técnica inovadora de poda das videiras, foi possível mudar o ciclo de amadurecimento da fruta, permitindo sua colheita no inverno em condições climáticas ideais para vinicultura.
A técnica, criada por pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), foi batizada como “dupla poda”. Ela consiste justamente em podar a planta duas vezes ao ano: uma no fim do inverno e outra no verão para induzir o amadurecimento no auge da estação mais fria. A descoberta foi desenvolvida inicialmente pelo engenheiro agrônomo Murillo de Albuquerque Regina, em seu doutorado na França, na década de 1990. Ele verificou que, sobretudo na região do Sul de Minas, o inverno se caracteriza por condições climáticas semelhantes ao verão das regiões vinícolas europeias.

Invertendo-se o ciclo de amadurecimento do fruto, ele poderia estar apto para a colheita numa estação mais seca, sem as chuvas fortes do verão, e com maior amplitude térmica. As noites frias e os dias ensolarados permitem a gestação de uvas com maior concentração de açúcares e compostos fenólicos, essenciais para a qualidade do vinho. São condições formidáveis para a boa qualidade de vinhos sobretudo tintos, mas também brancos, e com composição adequada para a fermentação e alcance do teor alcóolico ideal.

O processo é garantido a partir de uma primeira poda de formação, logo após a colheita de inverno, permitindo o crescimento de pequenos cachos. No verão, ocorre a segunda poda voltada de fato para a produção. Nessa etapa, são removidos os ramos mais fracos e mal localizados. Esse método foi primeiramente experimentado numa propriedade do município de Três Corações, em 2001. Dois anos depois, logo na primeira colheita, foi comprovada a eficiência da técnica com a retirada de uvas bastante saudáveis e a produção de vinhos de qualidade. Outros experimentos foram feitos nessa região já conhecida pela produção de café também bem-sucedidos e a metodologia foi já registrada em artigos a partir de 2004. Com a adoção dessa técnica e das recomendações de manejo, rapidamente outros locais a adotaram com bons resultados.
“É um processo que está consolidado. O vinho produzido nessas regiões com a colheita de inverno tem alcançado bastante mercado no Sudeste brasileiro e em outras regiões do Brasil, conquistado medalhas nacionais e internacionais, e impressionado bastante o consumidor pela qualidade que ele atinge. Em especial pelo fato de que os vinhos tintos produzidos por essas regiões mantêm um bom equilíbrio entre a graduação alcóolica e a maturação fenólica e guarda uma acidez boa que dá equilíbrio e frescor a esse vinho”, explicou o engenheiro Murillo de Albuquerque Regina.
Para manter esse padrão de qualidade, as vinícolas vêm contratando engenheiros agrônomos e outros profissionais, como enólogos, que acompanham o processo desde o manejo das videiras até o engarrafamento. O crescimento da produção fez surgir também a Associação Nacional de Produtores de Vinho de Inverno (Anprovin), que já conta com mais de 40 vinícolas associadas, localizadas em Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Goiás e no Distrito Federal.

No âmbito dessa entidade, já são produzidas 651 mil garrafas de vinhos por ano, o equivalente a 488 mil litros. O total tende a ser maior, se for levado em consideração que já há outros estados produtores, como Rio de Janeiro, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Não chega perto da produção do Rio Grande do Sul, estimada, 455 milhões de litros de vinhos, espumantes, sucos e outros derivados de uva por ano. No entanto, é de se admirar o resultado de uma pesquisa científica, comandada por engenheiros, e sua contribuição para o desenvolvimento econômico de regiões do interior do Brasil que vêm faturando também com o enoturismo.
A pesquisa científica e a tecnologia também acompanham esse processo por meio da criação de laboratórios. No fim do ano passado foi lançado o projeto do Laboratório de Análise de Vinhos no Distrito Federal, uma parceria entre a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e a Anprovin. Mais recentemente, foi anunciada a criação do Laboratório de Melhoramentos da Vitivinicultira Fluminense, em Areal, na Região Serrana do Estado do Rio, outro polo de vinícolas.