Número de matriculados em faculdades quase quintuplica em cinco anos nos cursos on-line
A formação de novos engenheiros e engenheiras é fundamental para a retomada do desenvolvimento do país, mas a qualidade do ensino da profissão também é importante para uma contribuição plena desses profissionais para a realização dos projetos que vão movimentar a engrenagem de praticamente todas as atividades econômicas. Por isso, merece atenção mudanças que vêm ocorrendo na composição das matrículas dos cursos da área. Segundo um levantamento do Instituto Semesp, o número de matrículas em educação à distância em Engenharia no Brasil saltou de 25.221 em 2015 para 120.148 em 2020. O crescimento ocorreu sobretudo nas instituições privadas, onde também foi observada uma queda acentuada no número de alunos em cursos presenciais.
O fenômeno não é exclusivo do Brasil e tem uma íntima relação com o advento das tecnologias digitais, que estão revolucionando o ensino de forma geral. É notório que o uso de videoaulas ou de videoconferências contribui com o enriquecimento do conhecimento e com a democratização da educação. Mas a adoção desse modelo indiscriminadamente gera críticas em virtude da necessidade de aulas em laboratório ou atividades em grupo, que ainda não podem ser substituídas pelos canais virtuais.
Está em jogo até que ponto o alto número de matrículas gera mais receita do que forma profissionais competentes. Segundo o mesmo levantamento, o crescimento no número de alunos em EAD em Engenharia se deu acentuadamente nas instituições privadas, que responderam em 2020 por cerca de 87% do ensino à distância em Engenharia. As faculdades pagas, por outro lado, viram o número de alunos nos cursos presenciais cair entre 2015 e 2020 de 748.185 para 505.487. A participação delas nesse universo diminui de 72,8% para 62,5%.
Para a presidente da Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge), Adriana Tonini, os cursos à distância não podem ser condenados prontamente. Eles apresentam como principal vantagem o fato de proporcionarem o acesso à educação para jovens que moram de lugares distantes dos grandes centros, onde estão concentrados a maior parte dos cursos. O uso de plataformas modernas também permite que os professores tirem dúvidas e os alunos façam suas tarefas com o auxílio do computador. O modelo se encaixa melhor ainda para estudantes mais maduros, acima dos 25 anos, com maior disciplina para o estudo. No entanto, há limitações que podem ser até comprometedoras dependendo de cada especialidade.
Ela ressalta que grande parte do aprendizado exige atividades em grupo ou em laboratório. São cada vez mais necessárias, inclusive, por conta das Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação, que preconizam o ensino por competências. Segundo Tonini, dependendo da especialização os cursos precisam no mínimo adotar um modelo híbrido, mas sempre com a necessidade de elaboração de um trabalho final. Áreas como a Engenharia Ambiental ou de Produção têm menor uso de laboratório e se adaptariam melhor ao ensino à distância, o que não ocorre por exemplo com a Engenharia Mecânica, segundo ela.
“Não sou contra a educação à distância. É uma forma de levar o ensino a todos os lugares. Vivemos num país continental, com muitas desigualdades. Temos que proporcionar mais oportunidades, mas desde que o ensino seja dado com competência e qualidade”, ressalta a presidente da Abenge.
O fato é que as normas atuais permitem o registro junto ao MEC de cursos totalmente on-line, independentemente da especialização. Não se trata de permitir aulas eletivas, complementares ou até substituir o ensino presencial de disciplinas básicas teóricas por ensino à distância. O sistema já permite graduações totalmente virtuais. Para o chefe da Divisão Técnica de Formação Profissional (DFP) do Clube de Engenharia, José Brant de Campos, a regulamentação desse modelo no Brasil acabou sendo muito liberalizante. Com isso, o que deveria ter um caráter de complementaridade acabou sendo usado para substituir totalmente o estudo presencial.

Para ele, quando surgiu nos Estados Unidos e na Inglaterra, o ensino à distância tinha como objetivo dar novos instrumentos para as universidades, enriquecendo a capacidade de transmissão do conhecimento. No Brasil, estaria sendo desvirtuado para a oferta de cursos de graduação de Engenharia 100% na modalidade remota. Sem as aulas presenciais, os estudantes acabam não tendo atividades em laboratório, troca de conhecimentos e experiências com colegas e outros professores e também deixam de realizar trabalhos e projetos em grupo. Para as Engenharias, a modalidade 100% remota de ensino limita bastante a formação de profissionais qualificados.
“A visão da DFP é de que esse modelo de EAD que vem sendo aplicado no Brasil não é adequado para o ensino da Engenharia. A formação exige a experiência prática e o laboratório é o ambiente ideal e indispensável para se exercitar o conhecimento teórico. Acredito que com a troca do governo federal, o momento é propício para uma revisão da legislação que rege esses cursos“, defende Brant de Campos.
Regras mais rígidas para as instituições de ensino de Engenharia podem inclusive aumentar a carga horária de disciplinas básicas, depois da flexibilização trazida pelas novas Diretrizes Nacionais Curriculares (DNC), de 2019, que causaram muita insatisfação. Muitos setores do meio acadêmico e do sistema Confea/Crea também já discutem a instituição de um exame de certificação, semelhante ao que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) realiza para os egressos dos cursos de Direito.
Como os cursos à distância em Engenharia podem estar dispensando práticas e conhecimentos indispensáveis, os alunos que se matriculam neles correm o risco de se decepcionarem ao tentar entrar no mercado de trabalho. Os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Creas) são obrigados a reconhecer cursos autorizados pelo MEC, mas os formandos podem não conseguir as atribuições esperadas ao se registrarem.
A conselheira do Confea Carmen Lúcia Petraglia não é favorável a um exame nos moldes da OAB, mas defende uma fiscalização e regulamentação mais criteriosas por parte do MEC com relação às graduações em geral, sobretudo dos cursos que dispõe de ensino à distância. Para ela, não deve ser permitida a formação em Engenharia totalmente on-line, mas um modelo híbrido poderia ser alinhavado com a garantia de uma carga horária mínima presencial.
“Não há como impedir os avanços tecnológicos. Talvez no futuro possamos até realizar aulas de laboratório virtuais, mas hoje isso não é possível. Por isso, é preciso haver uma melhor regulamentação e fiscalização do ensino à distância“, afirma a conselheira, que defende uma maior participação do Confea e dos Creas nas discussões travadas no âmbito do MEC.