Estudo arqueológico revela passado escondido de São Cristóvão

Estudo arqueológico revela passado escondido de São Cristóvão

Equipe contou com a participação do geólogo Renato Ramos, conselheiro do Clube de Engenharia do Brasill

Em bairro imperial do Rio de Janeiro são encontrados fragmentos de louças e outros objetos, por conta de licenciamento de projeto residencial

Muitos projetos públicos e privados no Brasil acabam embaraçados ao se depararem em seu pleno andamento com vestígios de sítios arqueológicos. A descoberta pode interromper em parte ou totalmente as obras, causando sérios prejuízos. Mas o problema pode ser resolvido de uma forma bastante eficiente e vantajosa até para a cultura e a ciência do país. É quando a pesquisa ocorre antes do início das construções. Foi o caso do Sítio Arqueológico Ferro-Carris, em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Um levantamento no terreno de antiga garagem de bondes dos tempos do Império revelou segredos sobre usos ainda anteriores do local e vai permitir a realização de um projeto residencial sem esse tipo de obstáculo. 

No âmbito do processo de licenciamento ambiental para a construção de um empreendimento pelo programa Minha Casa Minha Vida no terreno de 8 mil metros quadrados, a construtora Tenda começou a buscar a autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para a obra, tendo em vista o histórico de ocupação do local. O espaço situado entre o Largo da Cancela e as ruas Dom Meinrado, Sabino Vieira e Chaves Freitas chegou a ser ocupado mais recentemente pela empresa de telefonia Oi, mas pesquisa prévia já mostrava ter funcionado ali no século XIX uma fábrica de tijolos, um estabelecimento de aluguel de carros movido a tração animal (Cocheira da Cancela) e, a partir de 1869, a oficina/garagem de bondes, que veio a se denominar Ferro-Carris de São Christóvão. 

A construtora contratou os serviços da Stratus Arqueologia & Patrimônio Cultural para a realização do estudo. Já na primeira etapa de escavações foram encontrados objetos e fragmentos surpreendentes. Ao contrário do que se podia imaginar, havia sob o terreno pedaços de louças e outros utensílios domésticos, o que levanta a suspeita de que famílias que moravam nas proximidades usaram o local na época como área de descarte. Também foram descobertos muitos ossos de animais, bem como ferraduras. Em parte isso se explica pela função que o lugar teve de garagem e aluguel de carros de tração animal. No entanto, percebeu-se que também havia vestígios de matadouro que funcionou anteriormente.

A incrível diversidade de relíquias nesse sítio arqueológico obrigou a pesquisa a ser aprofundada, a fim de concluir todos os estudos necessários antes da construção do empreendimento imobiliário. Novas descobertas foram feitas nessa segunda fase, como trilhos de bonde e o antigo calçamento de pedras, no estilo pé-de-moleque. Importantes vestígios da antiga ocupação do bairro foram encontrados, sendo que ao todo 8 mil fragmentos foram recolhidos e enviados para guarda no Laboratório de Arqueologia Brasileira. O material será catalogado e ficará à disposição de pesquisadores, podendo servir de base para estudos sobre modos de vida dos habitantes de diferentes classes sociais da época do Império. Por outro lado, o material de origem animal  também será de grande valia para pesquisas científicas sobre as condições de vida, doenças e o tratamento que era dados aos bichos.

“A pesquisa não revelou qualquer dado que impeça o empreendimento, mas trouxe à tona uma enorme riqueza de objetos que potencializam diversos estudos a serem feitos. Ela terá muitos desdobramentos acadêmicos”, explicou o arqueólogo Diogo de Cerqueira.

Consultora do projeto e professora da UERJ, a arqueóloga Sílvia Peixoto ressalta a grande contribuição que estudos como esse, custeados pela inciativa privada, dão às instituições acadêmicas. Na medida em que todo esse acervo, fruto das escavações, vai sendo formado, muitos trabalhos acadêmicos, desde TCCs de graduação a dissertações e teses, que exigiriam verbas maiores para pesquisa de campo, podem ser simplificadas com o acesso a essas descobertas. Na própria universidade em que trabalha, parte do material já começa a ser analisado, como estudo sobre o contexto alimentar da época e futuramente sobre as condições de vida dos animais de carga.

“A arqueologia no Brasil ainda não é muito popular, mas essa realidade pode ser mudada. Além de ampliarmos os conhecimentos que temos, podemos divulgar mais as descobertas. Podem resultar em livros de alcance do público em geral, gerando grande apelo e fascínio no público”, destaca Sílvia.

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A importância das descobertas levou ao aprofundamento da pesquisa

O processo junto ao IPHAN ainda não foi concluído, mas a instituição já aprovou os relatórios parciais e de Educação Patrimonial do Programa de Gestão do Patrimônio Arqueológico (PGPA), referentes ao empreendimento, restando a entrega de alguns documentos finais. Mas o processo deve ser rápido. A Tenda espera fazer o lançamento do projeto ainda no primeiro trimestre do ano que vem, com previsão de vendas de 442 unidades, com área de lazer completa. Estuda-se a instalação nesse ambiente de alguma referência às descobertas arqueológicas. Uma das sugestões é o uso das pedras, que poderiam compor um paisagismo com um canteiro, por exemplo. Tudo dependerá da autorização do IPHAN e da viabilidade técnica.

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Renato Ramos, Silvia Peixoto e Diogo de Cerqueira

O trabalho de investigação prévia da situação arqueológica tem dois objetivos: o primeiro é o atendimento às normas legais para garantir o correto licenciamento do empreendimento, evitando surpresas que possam atrasar ou inviabilizar a obra no futuro. O segundo é a garantia da preservação da memória do local, protegendo bens históricos ou arqueológicos eventualmente existentes no terreno. Nesse processo, o mais importante tem sido a convergência de interesses entre a empresa e o IPHAN, já que ambos compartilham o mesmo propósito: assegurar a melhor ocupação da área e a correta identificação e destinação dos achados. Por isso, é fundamental que as decisões considerem esse binômio entre desenvolvimento e preservação, de modo que a área de valor histórico possa ser legalmente ocupada e, ao mesmo tempo, ter sua memória reforçada”, comentou Alexandre Millen, diretor da Regional RJ da Tenda.

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