Político que foi conselheiro da entidade deixa herança de luta por justiça social no país
O Brasil perdeu recentemente um de seus cidadãos mais íntegros. Despediu-se da vida, aos 93 anos, o engenheiro e político Roberto Saturnino Braga, que na sua carreira ocupou o cargo de prefeito do Rio de Janeiro e exerceu mandatos de senador, bem como de conselheiro do Clube de Engenharia. Por sua retidão e espírito público e sua dedicação a causas nacionais, vem recebendo homenagens de diversas associações e personalidades. A data de sua morte, que coincide com a da Revolução de 1930, em 3 de outubro, será sempre lembrada no âmbito da entidade em que atuou.
Além de manifestações de pesar nas mídias do Clube, o falecimento de Saturnino Braga mereceu homenagens no almoço que reúne os sócios e em reunião do Conselho Diretor, com a presença da filha Maria Adelia. O presidente do Clube, Francis Bogossian, destacou que o conselheiro vitalício merece ser lembrado perpetuamente pela entidade.
“A contribuição de Saturnino Braga para o país foi monumental, tendo em vista sua atuação no BNDES (antigo BNDE), sua luta pela democratização do país e por sua coragem à frente da Prefeitura do Rio, época em que enfrentou extremas dificuldades. Esta data, em que também se comemora a Revolução de 1930, será marcada pela despedida de um honrado engenheiro brasileiro, cujo legado não deve ser esquecido”, afirmou Francis Bogossian.
Saturnino Braga sempre prezou pelo respeito à ética e foi um raro exemplo de quem não se deixou inebriar pelo poder nem se desviou de seus propósitos. Por tantas qualidades, foi lembrado por pessoas que conviveram com ele e puderam testemunhar seu valor. O conselheiro vitalício do Clube Guaraci Corrêa Porto ressaltou as virtudes humanas do engenheiro, que sempre se notabilizou pela simplicidade e cortesia, e por sua sensibilidade para com os problemas sociais do país.
Foram traços que se revelaram desde os tempos em que ele trabalhou no BNDE, mas também nos cargos públicos que ocupou e também em sua atuação no Clube, presenciando as atividades e dando diversas palestras. Guaraci destacou a coragem de Saturnino à frente da Prefeitura do Rio, período em que enfrentou grandes dificuldades.
“Nunca houve acusação que lançasse qualquer laivo de dúvida quanto à honestidade do então prefeito. Até teus adversários políticos reconheciam a lisura de seus atos e decisões. Tanto que sua imagem de homem probo permitiu que fosse eleito para outros carros políticos, inclusive vereador pelo município do Rio e posteriormente senador pelo estado”, lembrou Guaraci.
O conselheiro Luiz Edmundo da Costa Leite, que foi secretário de Obras na gestão de Saturnino como prefeito do Rio, também destacou o caráter e a ética do político e engenheiro. Alguns episódios evidenciaram isso claramente, como sua correção ao ter sido grato ao economista Roberto Campos por ter recomendado seu ingresso no então BNDE após aprovação em concurso, mas com restrições por ter feito parte da juventude comunista. Em 1956, posições políticas como essa, por incrível que pareça nos dias de hoje, sujavam a ficha de um candidato.
Mas altivez teve mesmo com relação à sua relação com o empresário Roberto Marinho, à frente das Organizações Globo. Por ter presidido a famosa CPI da Time-Life, em 1966, enquanto deputado, declarou ser ilegal o contrato da emissora com o grupo americano, o que nunca teria sido perdoado pela TV e demais veículos de comunicação. Mesmo tendo sido massacrado pelo noticiário deles, não impediu que a construtora que pertencia à família Marinho, a São Marcos, obtivesse licença em sua gestão para a construção de um hotel na Praia de Copacabana, antes previsto para ser um prédio residencial.
“Eu espero que todos tenham essa a visão de uma pessoa que deixou um legado realmente. Ele deixou um legado de honradez, de seriedade e de coragem. Todo o episódio da falência do Rio foi devido à coragem que ele teve, independentemente do que poderia resultar aquela declaração, idenficando os problemas que a cidade vivia”, declarou Luiz Edmundo.
Funcionário aposentado do BNDES, o conselheiro José Eduardo Pessoa de Andrade também testemunhou a magnanimidade de caráter de Saturnino, que mesmo depois de ter deixado o banco, continuou dando apoio ao desenvolvimento da instituição. Além de ter deixado um legado por seu trabalho desempenhado no lugar, sempre que procurado ajudava os integrantes da casa.
“Tivemos uma reunião com ele quando eu era vice-presidente da Associação dos Funcionários do BNDES. Ele teve uma enorme disposição em nos atender, mesmo sendo jovens dirigentes, e simples técnicos do banco. Foi uma influência positiva”, contou José Eduardo.
Saturnino também recebeu uma homenagem do ex-presidente do Clube Márcio Girão. Ele ressaltou que o político nunca abandonou na vida pública sua visão humanitária. “Como homem público, Saturnino merece todos os elogios, porque foi um homem que lutou a vida inteira e continuará lutando, através das nossas memórias, por um país mais justo e igualitário”, afirmou Girão.
Saturnino se formou em Engenharia pela antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1954 e dois anos depois se associou ao Clube. Ele exerceu por três vezes o mandato de conselheiro da entidade (de 1991 a 1994; de 1995 a 1998 e de 2010 a 2013) e foi chefe da Divisão Técnica de Ciência e Tecnologia (DCTEC) entre 2009 e 2011.
Vindo de uma família de políticos, Saturnino ingressou no BNDE em 1956, onde se especializou me engenharia econômica. Seus estudos, incluíram formação na Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), sob supervisão de Celso Furtado, e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Ele se elegeu deputado federal pela primeira vez em 1962, pelo PSB.
Apesar de não ter tido o mandato cassado logo após o golpe de 1964, em virtude de seu posicionamento político, Saturnino teve sua candidatura à reeleição impugnada. Ele teve que retornar às atividades no BNDE e só voltou à vida política em 1974, quando se elegeu senador pelo Estado do Rio, pelo MDB. Sua vitória inusitada se deveu em parte ao fato de o candidato inicial do partido, Affonso Celso Ribeiro de Castro, ter sofrido um derrame antes da campanha e do início de uma insatisfação popular com relação ao governo militar e a Arena, partido que o representava.
Mesmo tendo ajudado a fundar o MDB, com o fim do bipartidarismo em 1979, Saturnino migrou para o PDT, de Leonel Brizola. Pelo partido trabalhista, se reelegeu senador em 1982 e se tornou em 1985 o primeiro prefeito eleito do Rio de Janeiro, com 40% dos votos válidos. Sua gestão à frente da prefeitura a partir do ano seguinte foi conturbada. Pegou um poder municipal quebrado e foi proibido de contrair novos empréstimos pelo Banco Central, o que o obrigou a declarar a falência do Rio.
A decisão de Saturnino, apesar de ter sido corajosa e transparente, foi motivo de muitas críticas, principalmente na imprensa. Mas acabou incomodando também seu partido e seu líder Brizola, com quem rompeu. Depois de se filiar ao PSB e deixar a prefeitura, ele voltou à política em 1992, ao se eleger vereador pelo município do Rio. Em 1994, concorreu ao Senado e ficou em quinto lugar com 774 mil votos. Voltou ao Senado, elegendo-se para a Casa em 1998, com o apoio de uma aliança de partidos de esquerda.
Por sua postura coerente, enfrentou novamente dirigentes partidários com a entrada do grupo político de Anthony Garotinho no PSB. Por seu contra a candidatura do ex-governador do Rio à Presidência, se transferiu para o PT, partido pelo qual terminou seu mandato. O presidente Lula o homenageou em 2004, dando-lhe o grau de Grande-Oficial Especial da Ordem do Mérito Militar. No entanto, o partido optou por não apoiar sua reeleição em 2006, ano em que anunciou sua saída da política.
Saturnino Braga foi autor de 23 livros ao longo da vida, entre contos, memórias e ensaios. Em 2000, recebeu o prêmio Malba Tahan, concedido pela Academia Carioca de Letras, por “Contos do Rio”. Entra para a história como um brasileiro que lutou incansavelmente por um país mais justo.
