Nossa indústria química está sob ameaça de destruição?  — Parte 2

Nossa indústria química está sob ameaça de destruição?  — Parte 2

Nossa indústria química está sob ameaça de destruição?  — Parte 2
André Rebouças

O texto a seguir, escrito pelo engenheiro químico e conselheiro do Clube de Engenharia, José Eduardo Pessoa de Andrade, dá continuidade ao artigo do autor publicado na edição anterior de Clube de Engenharia em Revista sobre as perspectivas da indústria química brasileira, que pode ser lido neste link. O atual trecho trata da queda do faturamento desse segmento nos últimos anos e da possibilidade de recuperação com a política de neoindustrialização do governo. Na próxima edição, será publicada a terceira parte do trabalho, que aborda o tema “Corrigir os rumos para o futuro”.   

Como vai a indústria química no Brasil?

Por José Eduardo Pessoa de Andrade

Com início a partir de 2010 e encerramento em 2023, foi considerada a evolução do faturamento líquido com variação anual (CAGR ) de 1,9% a.a. Também foi incluída na tabela, a variação anual (CAGR1) em US$ corrente, no período 1995/2023, uma série com 29 anos, que atenua a posição particular que possa ter ocorrido em um ou em poucos desses anos. Nesta última série, com 29 anos, a taxa de crescimento anual (CAGR) foi de 5,2% a.a.

O valor em US$ bilhão corrente na série brasileira da Tabela 4 foi escolhido pelo fato da confiança na moeda norte-americana ainda dominar o comércio internacional, pelo controle da baixa inflação nos EUA e por ser também dominante nas transações financeiras internacionais. As comparações com a realidade da indústria química mundial podem ser feitas para futuros aprendizados. Os valores da série histórica em R$ correntes são mais influenciados pela inflação anual no Brasil, maiores do que os valores em US$ correntes, e principalmente pela instabilidade da taxa de câmbio R$/US$.

Tabela 5 – Evolução efetiva dos valores do faturamento líquido total da indústria química brasileira, com utilização apenas dos dados dos anos inicial e final da série de 14 anos, com valores (CAGR)  em US$ corrente

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A análise da evolução do faturamento líquido total da indústria química brasileira no período 2010/2023 indica resultados preocupantes. A série com prazo de 14 anos teve sua taxa de crescimento anual (CAGR) reduzida para 1,9% a.a., ou seja, nestes últimos 14 anos a taxa de crescimento do faturamento líquido caiu em relação ao que poderia ocorrer com a série completa de 29 anos. Para os valores efetivos, a indústria química ficou praticamente estagnada nesses 14 anos, observar a Tabela 5. Se a taxa de crescimento nos primeiros 16 anos da série completa, de 1995 a 2010, permanecesse nos 14 anos seguintes, de 2010 a 2023, o faturamento líquido total em 2023 alcançaria US$ 263,5 bilhões, 57% superior, equivalente a US$ 96,1 bilhões, ao que foi efetivamente realizado. 

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Figura 2 – Evolução do faturamento líquido da indústria química no Brasil

Lembrar que esses dados não são de anos particulares ou excepcionais, e sim da ocorrência em períodos de vários anos. Não adianta só olhar o passado, mas adiantaria melhorar e desenvolver a capacidade de organizar um efetivo futuro com um planejamento apropriado. Teremos que compreender os pontos fracos e fortes associados à indústria química no Brasil para aperfeiçoar seu futuro. Talvez essa reflexão pudesse também, sem pretensões de tudo controlar, ser validada para outros setores da indústria em nosso país.

A participação da indústria química brasileira no PIB total do Brasil, em 2022, foi de 3,4%2 . Em relação à indústria de transformação em geral, a participação da indústria química foi, em 2021, de 11,2%, como a 3ª maior entre todos os setores industriais3. Só foi superada por dois outros setores: produtos derivados de petróleo, coque e biocombustíveis; e alimentos e bebidas4. São indicações claras da importância da indústria química brasileira.

O segmento dos produtos químicos de uso industrial representou, na série histórica de 2010/2023, cerca de 49% do faturamento médio total da indústria química. Neste segmento, de uso industrial, os produtos petroquímicos constituem cerca de 49%. Na consolidação, os produtos petroquímicos representaram cerca de 32% do faturamento líquido total da indústria química. As vendas da indústria petroquímica, sozinha, representaram 1,1% do PIB total do Brasil. Cabe o registro de que os investimentos na petroquímica brasileira foram muito pequenos nesse período. 

O setor petroquímico, particularmente relevante para as necessidades socioeconômicas no mundo atual, atravessa período de muitas críticas, principalmente por seus impactos ambientais. Entretanto, os planos globais de investimentos têm ocorrido assumindo a correção e o controle das consequências ambientais geradas pela indústria e seus produtos.

No Brasil, com as vendas quase estagnadas da indústria química, suas consequências foram refletidas na balança comercial de produtos químicos. Os dados da evolução da exportação, da importação e do déficit comercial são mostrados na Figura 3. A série histórica dos produtos da indústria química no Brasil foi, infelizmente, caracterizada pela ocorrência permanente de elevado déficit comercial. 

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Figura 3 – Evolução do comércio exterior da indústria química no Brasil

Os investimentos realizados nas décadas de 1960 a 1980 ocorreram num período em que as ideias de desenvolvimento econômico prevaleciam no Brasil. O resultado foi a estruturação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) que propuseram a implantação de várias indústrias de base. Tiveram resultado efetivo e para concretizá-lo, foi organizada a participação conjunta do Estado e do setor privado. A indústria química esteve entre os principais setores que conseguiram implantar seus planos.

A partir do final do século XX e nas duas décadas iniciais do século XXI as ideias de desenvolvimento foram menosprezadas e a produção industrial reduziu sua participação relativa no PIB. O atual Governo Federal lançou, no início deste ano, a “Nova Indústria Brasil (NIB), a política de neoindustrialização a ser implementada pelo governo federal nos próximos dez anos. A NIB foi elaborada por meio de um amplo diálogo nos grupos de trabalho do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI)5.

Este presente texto está focado na indústria química. Destaco a relevância da realização do recente seminário “A importância da indústria química para a sociedade e a transição para a química verde”, no dia 7 de maio, em Brasília, organizado pela Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) e pelo jornal Folha de São Paulo. Participaram autoridades do atual governo federal, como o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço, Geraldo Alckmin, e o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, e outros executivos do MDIC. Participaram também executivos e especialistas representantes do setor privado, de outras instituições e entidades, como a Abiquim, CNI – Confederação Nacional da Indústria, Fundação Getúlio Vargas, Consultoria S&P Global Commodity Insights, Frente Parlamentar da Química, Confederação Nacional do Ramo Químico (CNQ) da CUT e a Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.

Há anos que a indústria química permaneceu sem participar de amplo debate. Esse seminário é um exemplo de mudança que pode ocorrer para o avanço da indústria. Contou com a participação diversificada de profissionais e entidades envolvidas e interessadas na indústria química no Brasil. Entretanto, há necessidade de ampliação da organização de debates incluindo representantes da área acadêmica, das instituições de pesquisa e de outras entidades capazes de formular propostas para a retomada da importância efetiva e do fortalecimento da indústria química para a sociedade brasileira.


 1 O CAGR, dos nossos colegas profissionais que gostam de usar a língua inglesa, representa o “Compound Annual Growth Rate”, a Taxa de Crescimento Anual Composta.
 2 Nota: Admite-se que colabora em média com cerca de 35% do faturamento líquido total.
 3 Produtos químicos: inclusive farmoquímicos e farmacêuticos.
4 Abiquim.  Nota: De 1992 a 1994 a química ocupou a 1ª posição; de 1995 a 2004 ficou em 2º; de 2005 a 2007 em 3º; de 2008 a 2013 em 4º; em 2014 subiu novamente para o 3º e permaneceu neste lugar até 2021. Fonte: IBGE – PIA Empresas Unidade de Investigação: Unidade local industrial (base 2021).
 5 Nova indústria Brasil: Plano de Ação para a neoindustrialização; 2024-2026 /Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). — Brasília: CNDI, MDIC, 2024, Introdução – p.5.

Sobre o Autor

José Eduardo Pessoa de Andrade

José Eduardo Pessoa de Andrade

Bio: Foi Chefe da DTEQ - Divisão Técnica de Engenharia Química do Clube de Engenharia. É Professor colaborador voluntário do Departamento de Engenharia Química da Escola de Química da UFRJ/ Engenheiro Químico e M.Sc. em Engenharia de Produção

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