Especialistas debateram soluções para o abandono de áreas preservadas na cidade em evento do Clube
O Rio de Janeiro é considerado Patrimônio Mundial pela Unesco desde 2012. No entanto, em vez de o título ter estimulado a preservação de suas características urbanas, o que tem sido visto é a degradação de áreas históricas que contribuíram para esse reconhecimento internacional. O desabamento recente de um casarão na Rua Senador Pompeu, no Centro, que causou inclusive uma morte, chamou a atenção da sociedade para esse abandono. Para discutir os problemas e propor soluções, o Clube de Engenharia do Brasil reuniu especialistas, que defenderam um maior rigor na aplicação da legislação vigente, bem como a realização de investimentos e atenção aos aspectos sociais da questão.

O evento, organizado pela Divisão Técnica de Urbanismo e Planejamento Regional (DUR), teve como título “Patrimonio em Ruínas: O Desabamento da Memória do Centro do Rio”, e contou com a mediação da arquiteta e urbanista Kátia Farah, chefe da DTE. Foi uma oportunidade para que estudantes e profissionais da área aprofundassem seus conhecimentos sobre a legislação e as políticas públicas que tratam do tema como sobre a riqueza desses bens na paisagem carioca.
O professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Claudio Lima Carlos apresentou um histórico da legislação urbanística do Centro do Rio, que, apesar de seus edifícios altos e modernos e de ter sofrido até com a proibição de construções residenciais durante décadas, vem recebendo incentivos para a moradia. Mas tanto os prédios comerciais atualmente ocupados quanto os novos residenciais precisam, segundo ele, se harmonizar com o conjunto urbanístico histórico e estimular a convivência das famílias de diferentes padrões de renda no espaço.
Na região do Centro, com seus mais de 400 anos de história, há diferentes Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs), como a do Corredor Cultura, e a SAGAS, que englobaos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. No entanto, são esses imóveis, que apesar de sua beleza arquitetônica, mais sofrem com a degradação. O abandono agrava os problemas de segurança da região, tornando a ocupação ainda mais difícil. São problemas que poderiam ser combatidos com o estímulo ao uso misto dos casarões, com seu potencial para uso comercial no térreo e residencial no andar superior, mas falta maior estímulo a esse tipo de ocupação.

Segundo ele, a realidade do Centro não tende a mudar enquanto o foco dos novos empreendimentos continuar sendo a aquisição para investidores, de olho nas altas taxas dos aluguéis por temporada, e com estruturas que desestimulem as pessoas a circularem pelo entorno.
“A Carta de Petrópolis, aprovada em 1987, já recomendava o uso misto nos sítios históricos urbanos. Além da diversificação da ocupação, com habitação de interesse social, mesclada com habitação de alto padrão, de médio padrão, isso que grandes cidades do mundo estão fazendo, como Londres, por exemplo”, ressaltou Cláudio Lima Carlos.
A arquiteta e urbanista Noemia Barradas, que coordena a Comissão de Patrimônio Cultural e Paisagem do IAB/RJ, apresentou diversos exemplos de mau uso de prédios históricos e de abandono na região central da cidade. Muitas vezes profissionais voluntários e membros do meio acadêmico fazem projetos de recuperação para bens em situação mais emergencial, mas faltam recursos para as obras. Há casos em que os proprietários preferem até que os prédios fiquem em ruínas para depois construir um edifício novo, mas há também bens do poder público que estão em processo de degradação.

“Temos uma quantidade enorme de imóveis em mau estado de conservação e a maioria dos colegas infelizmente não sabe trabalhar, tem uma visão limitada, equivocada. Temos como avançar em ações de formação de uma forma correta e transformadora para a cidade, com a preservação do patrimônio e da paisagem”, destacou Noemia Barradas.
Representando o grupo SOS Patrimônio, Marconi Andrade enfatizou o descaso também com monumentos não só no Centro como em outras áreas da cidade. Não faltam exemplos de bens deteriorados, como antigos chafarizes, estátuas e até a antiga estação de trem de São Cristóvão, que virou depósito para camelôs. O grupo mantém página no Facebook onde faz denúncias, o que tem ajudado a evitar mais depredações, mas faltam recursos para a restauração desse patrimônio.
“Eu me sinto como um morador de Gaza. Eu estou vendo tudo ser destruído, pessoas morrendo e ninguém faz nada. É isso que está acontecendo com o patrimônio do Rio”, desabafou Marconi Andrade.
Para tentar reverter o quadro de abandono do Centro, a Prefeitura do Rio lançou recentemente o programa Reviver Centro Patrimônio Pró-APAC, voltado para a recuperação de imóveis. A ideia é viabilizar a reforma das edificações tombadas por meio de parcerias com o setor privado. Os bens em más condições podem vir a ser desapropriados e leiloados. Quem os arrematar pode receber subsídios para a recuperação. No entanto, especialistas criticam a iniciativa por ser considerada extremamente punitiva para uma população muitas vezes vulnerável, que não tem recursos para o restauro e pode acabar sendo expulsa de suas habitações. A falta de uma melhor definição do uso dos imóveis a serem leiloados, com foco no residencial ou misto, também é outro ponto polêmico. A DTE deve realizar novos eventos para aprofundar o debate sobre o tema.