Programa de submarinos é estratégico para a defesa do território marítimo

Programa de submarinos é estratégico para a defesa do território marítimo

Lançamento do submarino Tonelero. Crédito: Marinha do Brasil
Programa de submarinos é estratégico para a defesa do território marítimo
PROSUB no Horizonte Brasileiro

País pode ser pioneiro no domínio da tecnologia da propulsão nuclear entre países que fazem apenas uso pacífico dessa fonte energética

Com um litoral com quase 11 mil quilômetros de extensão e um território marítimo de aproximadamente 5,7 milhões de quilômetros quadrados, o Brasil ainda tem muito o que avançar na defesa desse patrimônio. Para garantir a segurança e a soberania sobre essa gigantesca costa e de toda essa região submersa, uma arma estratégica é o submarino a propulsão nuclear. É um projeto da Marinha do Brasil, que vem sendo desenvolvido há décadas, e que ganhou novo impulso com sua inclusão no novo PAC. Trata-se de uma iniciativa que ganha ainda mais relevância após a aprovação da ampliação da plataforma marítima pela ONU e devido à necessidade de exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial.

O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) é considerado uma das iniciativas mais complexas em termos científicos e tecnológicos do país. Ele prevê a  concepção, construção, operação e manutenção de submarinos, envolvendo não só órgãos militares como setores civis, como engenharia, metalurgia, automação e tecnologia nuclear. Contribui também para o seu desenvolvimento a atuação da empresa pública Amazul, que participa ainda de outras iniciativas na área nuclear.

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Projeto do submarino nuclear Álvaro Alberto. Crédito: Marinha do Brasil

O PROSUB prevê a construção de quatro submarinos convencionais com propulsão diesel-elétrica e um submarino com propulsão nuclear. Embora conte com parceria estratégica com a França e de já terem sido entregues as quatro unidades desse primeiro grupo, é justamente na embarcação movida a combustível atômico que se concentram os maiores desafios. Isso em grande parte porque a tecnologia de propulsão nuclear naval não é compartilhada nem transferida pelas nações que a dominam, o que exige o desenvolvimento próprio pelo Brasil de todos os meios tecnológicos do processo.

No âmbito da construção de submarinos convencionais, o Riachuelo (S40), o Humaitá (S41) e o Tonelero (S42)  já entraram em operação, sendo que este último teve sua cerimônia de transferência para o Setor Operativo da Força Naval no último dia 26 de novembro. Já o Almirante Karam (S43) teve seu batismo e lançamento ao mar na mesma ocasião, enquanto suas operações estão previstas para começar em 2026. No entanto, a principal meta do programa é a entrega do equipamento que dependerá de um reator nuclear para seu funcionamento, que receberá o nome de Álvaro Alberto, em homenagem ao Almirante fundador do CNPq e um dos precursores do programa nuclear brasileiro. 

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Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), na Ilha da Madeira, em Itaguaí. Crédito: Marinha do Brasil

As unidades vêm sendo construídas no Complexo Naval de Itaguaí (RJ), com cerca de 750 mil m², composto pela Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), o Estaleiro de Construção (ESC), o Estaleiro de Manutenção (ESM), a Superintendência de Manutenção de Sistemas Submarinos (CMS-SUB), o Departamento de Treinamento de Simuladores (CIAMA-Itaguaí) e a Base de Submarinos da Ilha da Madeira (BSIM). 

O submarino nuclear também terá parte de sua estrutura feita na cidade fluminense, mas uma outra etapa de gigante envergadura é conduzida pelo Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (LABGENE), localizado no Centro Industrial Nuclear de Aramar (CINA), em Iperó (SP).  A próxima etapa prevista é a chamada “criticalização” do reator, passo fundamental para testar e validar a planta nuclear. Nessa fase, são feitos os testes para que o reator nuclear comece a operar de forma autossustentada. É importante frisar que a unidade naval se caracteriza pela capacidade de operar por longos períodos sem reabastecer, e dispensando a necessidade de emergir para ventilação. Ao contrário do que muitos podem pensar, o submarino não é equipado com armas nucleares, mas usará apenas essa fonte de energia para seu funcionamento. 

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Vista aérea do complexo de Aramar. Crédito: Dean Calma (IAEA)/Creative Commons

A própria Constituição Federal proíbe a fabricação de armas nucleares no país, em virtude de seu Artigo 21 estipular que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos”. Apesar disso, o projeto recebe a atenção de muitos países e não deixa de ser fiscalizado por agências internacionais. Com a conclusão do projeto, que só deve ocorrer na próxima década, o Brasil não só se tornará um pioneiro entre os países que não possuem armas nucleares a ter esse tipo de equipamento, como dotará a nação de um poder de vigilância e defesa de seus mares muito maior. É importante ressaltar que é no mar que está uma das principais riquezas brasileiras, o petróleo extraído por suas plataformas. Nessa região, estão 95% do petróleo e 85% do gás natural consumidos no Brasil, além de concentrar o transporte de 95% das exportações e ser base para atividades como pesca, turismo, exploração de recursos e comunicação por cabos submarinos.

O investimento que o governo federal tem feito no programa ao longo dos anos acaba sendo muitas vezes incompreendido por aqueles que só enxergam o ganho no poderio bélico. Por meio do processo de transferência tecnológica, o PROSUB vem sendo responsável por uma valiosa capacitação que já beneficiou centenas de engenheiros e técnicos. Um exemplo disso está na construção do casco resistente do submarino nuclear, que está dando ao país uma capacidade técnica inédita em termos de soldagem e usinagem de componentes críticos, além de metalurgia de precisão. Além desse aprendizado, espera-se que diversos setores, sobretudo civis, se beneficiem dos avanços tecnológicos que estão sendo alcançados, num processo conhecido como “transbordamento”. Áreas como telecomunicações, energia nuclear, petróleo e gás, e engenharia naval civil são as mais diretamente envolvidas. 

Segundo Luis Manuel Costa Mendez, mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança e Especialista em Altos Estudos de Política e Estratégia, o programa pode levar o país a exportar submarinos.

“A exportação desses submarinos para países aliados ou com demandas semelhantes em defesa contribuiria para preservar a experiência acumulada, garantindo a sustentabilidade da infraestrutura e do conhecimento técnico. Nesse contexto, ampliar a presença brasileira no mercado internacional de produtos e serviços de alta tecnologia — por meio de novos acordos comerciais e da promoção das capacidades industriais do PROSUB — representa um movimento estratégico. Além disso, é essencial revisar e simplificar as regulamentações que hoje dificultam a comercialização de tecnologias de defesa com potencial de uso dual, facilitando sua transição para o mercado civil. O conhecimento adquirido pela ICN em construção naval e engenharia de precisão pode ser aproveitado para atrair investimentos estrangeiros e estabelecer parcerias em projetos civis de grande porte, impulsionando o crescimento da Indústria Naval Brasileira”, declarou Mendez em artigo recente.

Apesar de sua importância e dos benefícios que tende a trazer para o país, o PROSUB ainda vive sob a ameaça dos cortes orçamentários e anda a passos lentos por conta da falta de recursos. Nos últimos anos, os investimentos no programa se limitaram a cerca de R$ 2 bilhões por ano e para que a meta de conclusão da unidade nuclear seja cumprida em meados da próxima década esse montante deveria aumentar pelo menos em mais R$ 1 billhão anuais. Já os ganhos que o país terá em termos de autonomia e desenvolvimento científico e tecnológico são incalculáveis.

Histórico

O Programa Nuclear do Brasil teve início nos anos de 1950, quando da visita do Presidente do CNPQ, Álvaro da Mota e Silva Alberto, aos EUA, ocasião em que procurou adquirir equipamentos de pesquisas, como um Cíclotron e obter tecnologia nuclear então disponível por aquele país, mas sem qualquer sucesso. Na ocasião, Álvaro Alberto soube da existência, na Alemanha, de ultracentrífugas desenvolvidas por aquele país e decidiu comprá-las, já com imensas dificuldades devido às obstruções estadunidenses. Depois de algum esforço, finalmente, conseguiu transportá-las para o Brasil num navio cargueiro e escondê-las no Instituto de Tecnologia – IPT, da Universidade de São Paulo, sendo estas a base para o desenvolvimento autônomo do enriquecimento do denominado Programa Paralelo da Marinha. 

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Centrífuga importada pelo Almirante Álvaro Alberto. Crédito: Comunicação MAST

Alguns anos depois, no contexto do Programa Átomos para a Paz, lançado pelo Presidente Eisenhower, o Brasil recebeu duas instalações de pesquisas: o reator do Instituto de Energia Nuclear – IEA, atual Instituto de Pesquisas de Energia Nuclear – IPEN, localizado no Campus da Universidade de São Paulo e o Reator Triga Mark-1 do Instituto de Pesquisas Radioativas – IPR, atual Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear –  CDTN, localizado em Belo Horizonte/MG. 

Por outro lado, no dia 26 de junho de 1975, foi assinado o Acordo Nuclear Brasil X Alemanha, que este ano completou 50 anos, à época considerado o “acordo do século”, tanto por seu valor, quanto por sua abrangência, pois cobria os seguintes aspectos:

  • Oito reatores nucleares de potência de 1200 MW, dos quais dois, Angra-2 e Angra-3 a serem contratados para iniciar as construções em seguida;
  • O fornecimento de tecnologia do ciclo completo do combustível nuclear, incluindo:

a produção do concentrado de urânio (yellow cake), 

a conversão deste pó em gás (UF6), 

o enriquecimento isotópico deste gás para aumentar o percentual do isótopo 235 de 0,7% para cerca de 3,5% com relação ao isótopo 238, que não sofre a fissão nuclear, fazendo uso da tecnologia da ultracentrifugação, 

a produção de pastilhas de combustível (UO2), 

a montagem de elementos combustíveis a serem colocados nos núcleos dos reatores para a produção de eletricidade

e o reprocessamento dos combustíveis usados nas usinas para a retirada do urânio residual e do plutônio, para futuro reuso;

  • A construção de uma enorme fábrica capaz de produzir todos os componentes pesados do circuito primários dos reatores após Angra~3;

  • E a prospecção de urânio em território nacional, em áreas até então não prospectadas, por meio de uma empresa mista dos dois países.

No Brasil, o programa com a Alemanha começou a fazer água. Primeiro a transferência da tecnologia por ultracentrifugação foi barrada pelos sócios da empresa detentora de tal tecnologia, a Urenco, uma sociedade entre holandeses, alemães e ingleses, tendo sido proposta sua substituição por outra, em estágio piloto em um instituto de pesquisas, mas que, até então, não havia enriquecido qualquer grama de urânio. Nessa ocasião, as construções de Angra-2 e 3 já estavam muito atrasadas, por questões de licenciamento de suas fundações e a disparada do custo dos empréstimos de financiamento no exterior. Na mesma ocasião, o governo brasileiro já dispunha de um diagnóstico, dado por entidades militares e civis quanto à necessidade de se empreender um esforço nacional na busca do desenvolvimento de tecnologia de enriquecimento, gerando o que foi denominado de Programa Nuclear Paralelo, conduzido, basicamente pela Marinha e com aprovação secreta da Comissão Nacional de Energia Nuclear-CNEN.

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Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), no complexo militar de Aramar, em Iperó (SP). Crédito: Vladimir Platonow / Agência Brasil

O Programa autônomo do Brasil foi um sucesso e tornado público, em 1997, no Governo Sarney, que o inaugurou com a presença do Presidente da Argentina Raúl Alfonsín, quando foram iniciadas negociações de cooperação entre os dois país, para o uso da energia nuclear para fins pacíficos, resultando na criação da Agência Brasileira-Argentina de Controle de Salvaguardas-ABACC, prevendo inspeções mútuas dos dois países e da AIEA. No ano seguinte, a Constituição de 1988 introduziu em seu texto que a energia nuclear, no país, só seria admitida para fins pacíficos, com aprovação do Congresso Nacional. Sua continuidade se deu com o projeto para a construção do Submarino Nuclear Álvaro Alberto de ataque, desenvolvido pela Marinha do Brasil e que se encontra em desenvolvimento no Centro de Desenvolvimento Nuclear, em Aramar/SP, com a construção de um protótipo em terra, com todas as características do submarino, para testar sua viabilidade e onde estão implantadas todas as etapas do ciclo do combustível, para a sua produção com um enriquecimento de 20%.

Foram iniciativas que hoje servem de base para o desenvolvimento do primeiro submarino a propulsão nuclear do Brasil, que está inserido no PROSUB. O Programa de Desenvolvimento de Submarinos, que inclui embarcações convencionais, deslanchou com a assinatura de uma parceria estratégica com a França em 2009. No entanto, é bastante tributário da visão do Almirante Othon, que insistiu no método da ultra centrifugação para o enriquecimento do urânio. 

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