Eloan Pinheiro questiona priorização dos resultados financeiros em detrimento dos benefícios sociais nas decisões sobre produção de medicamentos e insumos
Até que ponto o reconhecimento de patentes sobre os medicamentos serve de justificativa para impedir o acesso da população aos tratamentos? Em que medida a dependência do país da importação de insumos para a fabricação de remédios e vacinas coloca a vida dos brasileiros em risco? Esses são questionamentos que raramente são feitos, mas por serem fundamentais, entraram na pauta do programa Humanidades na Engenharia. A priorização do lucro em relação ao direito à vida foi abordada pela química Eloan Pinheiro, que falou de sua experiência e apresentou propostas para o desenvolvimento do setor.
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“Saúde não é comércio. Todos deveriam ter acesso à saúde, a medicamentos, a vacinas para termos uma sociedade mais saudável, mais participativa, mais interferente nas questões econômicas, políticas e sociais”, afirmou Eloan, durante a palestra intitulada “A Química a Serviço da Vida”.
Eloan tem vasta experiência tanto na iniciativa privada quanto na saúde pública, que inclui sua atuação junto à Fundação Oswaldo Cruz. São décadas de vivência que permitiram ter testemunhado avanços alcançados pelo país em termos de políticas públicas como retrocessos.
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É valiosa sua contribuição para o tratamento da Aids no Brasil, que conseguiu evitar milhares de internações e mortes. Mas o acesso aos medicamentos, segundo ela, poderia ser mais barato para o governo. Mesmo com a possiblidade de se aplicar licença compulsória, o país ainda paga mais caro pelo tratamento. Um exemplo é o Atazanavir, que sai o dobro aos cofres públicos brasileiros.
É um quadro que se repete em tratamentos para outras doenças em que os pacientes precisam até pagar do próprio bolso para se curar, como muitos antibióticos. A situação é resultado das enormes vantagens obtidas pelos grandes laboratórios farmacêuticos, que se reúnem em conglomerados chamados também de big pharmas. e que conseguiram a inclusão da proteção da propriedade intelectual em acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC). Essas cláusulas deixam o país numa posição vulnerável, com risco de ter seu comércio exterior taxado em caso de desrespeito às cobranças que enriquecem os laboratórios.
“As patentes trouxeram preços altos, monopólio e punição para aqueles que produzissem sem autorização. As empresas perceberam o quanto elas poderiam ser poderosas e mais ainda colocaram patentes na OMC”, criticou Eloan.
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Entre avanços e retrocessos, ativistas e profissionais da saúde pública viram o país adotar um programa de tratamento da Aids considerado modelo, por garantir acesso gratuito a medicamentos, bem como a criação de programa de remédios genéricos, que possibilitou a compra de produtos sem marca a preços mais baixos. Mas, além da camisa de força das patentes, o setor sofreu com substituição da produção local dos insumos da indústria nacional por importados principalmente da Ásia. Em situações de crise, como a pandemia de Covid, a dependência se evidencia e coloca o abastecimento em risco.
O conselheiro Carlos Ferreira, que é um dos coordenadores do Humanidades, ressaltou que o fato de a maioria dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs) serem importados representa um problema de segurança nacional e deveria ser tratado com mais atenção por parte dos gestores e da sociedade.
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Eloan elenca algumas propostas que podem reverter o quadro de desmantelamento na indústria farmacêutica nacional e para garantir o acesso de todos aos tratamentos. Entre as ideias, está a instituição de nova legislação que priorize a produção de insumos localmente, com desonerações e prioridade para os produtos nacionais e de melhor qualidade nas compras governamentais. Outro item é a criação de um Centro de Desenvolvimento Tecnológico estatal com participação do setor privado para o desenvolvimento de pesquisas. Outra proposta é a garantia de produção no país de medicamentos vitais que foram negligenciados, como os do tratamento da Aids.
Para a vice-presidente do Clube Maria Alice Ibañez Duarte, a questão exige uma mobilização de entidades do campo científico.
“Existes iniciativas muito interessantes, mas acho que elas não se conectam de forma a produzir uma resultante de impacto ou mudança. Apoio uma ação conjunta para levarmos as propostas à frente e implementar práticas mais viáveis hoje em dia, como o saneamento básico, que evita a proliferação de doenças”, destacou Maria Alice.