Serra Bela Adormecida no município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas. Crédito: Creative Commons
Brasil, Nação soberana
Programa Humanidades na Engenharia traz geóloga Cisnea Menezes Basílio para falar sobre a importância dos sítios naturais sagrados
Nas últimas décadas, muito se tem falado sobre a importância da preservação da biodiversidade da Amazônia e de sua floresta. No entanto, a riqueza da região abrange muito mais do que sua flora e fauna vivas. Além de sua formação geológica própria, esse território é rico em sítios arqueológicos que testemunham a riqueza cultural e até científica milenar dos povos originários. Para falar sobre a importância da preservação dessa herança, o programa Humanidades na Engenharia recebeu a geóloga Cisnea Menezes Basílio, que abordou não só suas pesquisas no âmbito da Universidade Federal do Amazonas (UFMA) como sua cosmovisão como descendente desses povos.
O evento intitulado “Importância cultural, biológica e geológica dos Sítios Naturais Sagrados” marcou a 22ª edição do programa, que procura aliar os conhecimentos da Engenharia com outras áreas, sobretudo das Humanidades. Cisnea focou sua palestra nos exemplos estudados da região do Alto Rio Negro, mas seus ensinamentos permitem compreender melhor a importância das culturas de mais de 180 povos amazônicos, com suas mais de 300 línguas.
Cisnea Basílio foi entrevistada pelos conselheiros Carlos Ferreira e Maria Alice Ibañez
Segundo ela, para entender o conhecimento acumulados por esses povos, é preciso se despir de preconceitos e perceber que os indígenas não dissociavam o conhecimento da natureza, que para o homem moderno e ocidental é de domínio exclusivo das Ciências Naturais, da dimensão metafísica ou sagrada. Trata-se de uma cosmovisão em que o ser humano não tem como impulso o domínio do seu meio mas procura conviver com ele em harmonia, respeitando todas as suas forças.
Nesse contexto, vão sendo estudados por pesquisadores os chamados sítios naturais sagrados, como a Serra do Curicuriari, cuja formação rochosa e seu desenho são cultuados. Ou a região de Iauaretê, que na língua tupi significa “Cachoeira da Onça”, banhada pelos rios Uaupés e Papuri, no Oeste do Amazonas, hoje já preservada pelo Iphan, como patrimônio natural e imaterial.
Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri. Crédito: Iphan
“Quando falamos de biodiversidade, associamos logo a todos os seres vivos, as plantas, todo o ecossistema que habitamos. Mas acabamos não conseguindo esclarecer muito o que é geodiversidade”, ressaltou Cisnea.
Mas conforme a sociedade vai dando maior atenção à essa diversidade de conhecimentos, que também passaram a ser protegidos e incentivados pelas políticas púbicas, aumenta a clareza com relação à sua importância. São aprendizados fundamentais para a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico da região, tendo em vista a importância de se implementar um turismo responsável, bem como cultivos que respeitem as condições naturais. Técnicas de enriquecimento do solo e de manejo desenvolvidas pelos povos originários podem contribuir com esse processo.
Técnica do matapi. Crédito:Reprodução do YouTube
Durante sua palestra, ela apresentou exemplos dessas técnicas, que são cada vez mais dominadas através das descobertas arqueológicas, que encontram instrumentos e inscrições dos antepassados. O matapi, técnica para captura de peixe, é uma delas.
“Entender essa cosmologia indígena nos permite identificar, entender e compreender como funciona essa inter-relação entre humanos e natureza nesses territórios. A conexão entre os saberes ancestrais, essa ciência indígena, e os conhecimentos biocientíficos e geocientíficos nos permitirão desenvolver práticas sustentáveis, como a bioconservação e a geoconservação”, concluiu Cisnea.
À esquerda, sítio da Ponta das Lajes, em Manaus; à direita, sítio do Forte de São Francisco Xavier, em Tabatinga. Crédito: Divulgação/Iphan
O conselheiro do Clube de Engenharia do Brasil Carlos Ferreira destacou o fato de que o desafio a ser enfrentado para o resgate dessa ciência indígena é gigantesco diante também do ataque que esses povos sofreram desde o início da colonização. “Precisamos trabalhar em um projeto de recuperação desse conhecimento indígena ancestral para aplicação em nossas vidas”, afirmou Ferreira.
A coordenadora do programa, a conselheira Maria Alice Ibañez Duarte, também ressaltou a difícil tarefa de valorização dessa ancestralidade, diante não só do processo histórico como dos retrocessos vividos no campo político no país, que atacam as políticas preservacionistas. “Temos que partir para uma ação prática em respeito aos povos originários, com o cuidado com as áreas que eles ocupam e isso está sendo ameaçado diuturnamente. Nós só vemos retrocessos nessa área pelo nosso Congresso”, disse Maria Alice.
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