Em 25 de julho deste ano, o governo federal emitiu três medidas provisórias que alteram aspectos essenciais da indústria mineral do país. Antes disso, em março, o Ministério de Minas e Energia havia emitido portaria que iniciava a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), confirmada com decretos emitidos em agosto. O chamado “Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira”, anunciado pelo presidente Michel Temer, trouxe a necessidade de a sociedade discutir o setor, tendo em vista o potencial do país e a necessidade de se pensar em soluções para a crise econômica. Com esse objetivo, o Clube de Engenharia recebeu, no dia 5 de setembro, o especialista Gilberto Calaes, que abordou o tema “Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira”.
Gilberto Calaes é doutor pela UFRJ em Geologia Regional e Econômica e diretor e consultor da Consultoria de Empreendimentos Ltda. (ConDet). Técnico em mineração e economista, com pós-graduação em Economia Mineral e especialização em Economia da Pesquisa, atua há mais de 40 anos na indústria mineral em entidades públicas e privadas. Além disso, é autor do livro “Planejamento Estratégico, Competitividade e Sustentabilidade na Indústria Mineral: Dois Casos de Não Metálicos no Rio de Janeiro” (2005).
A palestra de Calaes, segundo Maria Glícia da Nóbrega, diretora de Atividades Institucionais do Clube de Engenharia, se insere em uma proposta mais ampla da entidade de criar grupos de trabalho para discutir setores ligados ao desenvolvimento social e econômico do Brasil. A ideia é que o Clube possa emitir análises e propostas que fundamentem políticas púbicas. Sebastião Soares, primeiro vice-presidente do Clube, moderador do evento, lembrou dos esforços da entidade em discutir questões de urgência nacional. “O setor mineral está submetido a mudanças muito profundas neste momento, com as medidas provisórias que influenciam sua na revitalização. Vivemos mudanças, e não está claro o que acontecerá com a Renca”, disse ele.
Novo marco, velho debate
Gilberto Calaes tratou inicialmente de aspectos regulatórios gerais do setor de mineração, trazendo pontos da Constituição de 1988, o Código de Mineração de 1967 e a proposta de novo marco regulatório, feita em 2013. “A discussão atual é antiga. No final dos anos 1990 e início dos anos 2000 houve grande debate no setor sobre reformas regulatórias, inclusive a criação de uma agência e aperfeiçoamento do Código de Mineração. Na ocasião havia um projeto praticamente pronto, que refletia as discussões da sociedade, das quais o Clube de Engenharia participou com um grupo de trabalho que ofereceu subsídios e propostas”, registrou. O economista disse que o debate prosseguiu entre 2003 e 2013, mas somente nesse ano o governo de Dilma Rousseff realizou a proposta de um novo marco regulatório para o setor. “A proposta foi recebida com estranheza pelo setor. O projeto acabou, de lá para cá, ficando em discussão no Congresso Nacional, em comissões como a de Minas e Energia e várias audiências públicas. No ano passado, a questão foi retomada pelo novo governo”, disse.
O Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, segundo Calaes, é centrado em diferentes frentes de mudanças regulatórias. A Medida Provisória (MP) 789 altera a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM, Leis nº 7990/1989 e nº 8.001/1990), aumentando ou diminuindo as alíquotas de imposto sobre a exploração de alguns minerais. A MP 790 altera o Código de Mineração, em diversas questões, entre elas incorporando conceitos e normas internacionais de classificação de recursos e reservas e planos de Fechamento de Mina e de Segurança de Barragens. Já a MP 791 extingue o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e cria a Agência Nacional de Mineração. Segundo Calaes, as MPs têm força de lei desde a edição e vigoram por até 120 dias, enquanto tramitam no Congresso Nacional, que pode rejeitá-las. O especialista destacou que, até agora, o Congresso já propôs quase 500 emendas às MPs, mostrando que existem muitas ressalvas às mudanças.
“O aspecto positivo das MPs diz respeito à melhoria do clima para investimento. Esperava-se há muito tempo que certas decisões para o setor fossem tomadas, que houvesse melhoria da lei mineral, ajustamento da contribuição financeira, que se criasse a Agência Nacional de Mineração. Foi uma espera prolongada que criou instabilidade no meio investidor de maneira geral. Muitas empresas passaram a retardar investimentos e ampliação ou melhoria de empreendimentos. Com isso, retardou-se a geração de benefícios para a sociedade brasileira, com geração de empregos e aumento da arrecadação tributária”, avalia Calaes.
Preocupação com a desnacionalização.
Outras mudanças regulatórias paralelas às MPs são as feitas pela Lei nº 9.314/1996, que nunca foi regulamentada e que, entre outras mudanças ao Código de Mineração, incentiva investimentos na indústria mineral e libera a exploração de recursos minerais em faixas de fronteira do país a empresas estrangeiras. “A preocupação com a desnacionalização do setor é natural. O importante é que essa integração se faça sem perda de soberania, porque quanto mais uma economia se integra, mais ela se amplia e mais benefícios podem ser gerados, desde que isso ocorra de forma bem estruturada, que preserve sempre os interesses nacionais. Não há que se temer a participação de capital estrangeiro desde que ocorra com regulações que reflitam o interesse nacional”, diz Calaes.
Sobre a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (RENCA), o palestrante destacou que existe muito desconhecimento sobre o tema. “O Decreto 9.142, de 22 de agosto, extingue a RENCA e, em um de seus artigos, diz que isso não afasta a aplicação de legislação específica sobre proteção da vegetação nativa, mencionando ainda as unidades de conservação, terras indígenas e faixas de fronteira”, afirmou.
Existem outros desafios de caráter regulatório que precisam ser melhor discutidos junto à sociedade. São eles: questões ambientais (a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, proposta pelo PL 3.794/2004, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional), questões relacionadas a barragens e tributação do setor.
A lembrança do maior desastre ambiental do país, ocorrido em novembro de 2015 na cidade de Mariana (MG) por responsabilidade da mineradora Samarco, também traz preocupação para a sociedade ao se falar de mudanças nas políticas para o setor. Sobre isso, Gilberto Calaes afirma que é necessário melhorar a regulação, fortalecer a fiscalização e o uso de soluções tecnológicas. “É preciso, primeiro, afinar a regulação, para que as normas, requisitos e procedimentos preventivos sejam mais rigorosos. Em seguida, as empresas devem ser estimuladas a buscar soluções tecnológicas apropriadas. Com relação à regulação, é necessário também que haja um processo de acompanhamento da autoridade nacional, no caso o DNPM — que, com as MPs, passa a ser Agência Nacional de Mineração —, que deve ser devidamente equipado, inclusive com recursos humanos, para que possa exercer a plenitude da regulação. Em síntese, tem de haver melhoria na regulação, fortalecimento dos órgãos responsáveis por fiscalização e melhoria das tecnologias por parte das empresas para que se possa garantir a prevenção de fatos como esse”, avalia o especialista.
Indicadores de 2016 da indústria mineral brasileira mostram que o setor corresponde a 4% do PIB nacional, com cerca de 180 mil postos de trabalho diretos e produção estimada em 24 bilhões de dólares ao ano. Segundo o governo federal, o objetivo do Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira é alavancar a participação para 6% do PIB. Nos relatórios do Instituto Frazer, correspondentes a 2015 e 2016, o Brasil figura em posições baixas em termos de competitividade do setor, em 54º lugar no índice de “melhores práticas” e 61º no índice de atratividade a investimento.
O evento foi promovido pela presidência do Clube de Engenharia com apoio da Divisão Técnica de Recursos Minerais (DRM).
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