Com extenso currículo no setor de petróleo, o geólogo Luciano Seixas Chagas conhece profundamente a área de Carcará, vendida no final de 2016 a empresa estatal norueguesa Statoil por US$ 2,5 bilhões. Entre muitas outras ações foi um dos responsáveis pelo mapeamento para as análises volumétricas e econômicas da área, do bloco e do portfólio. Baseado na bagagem acumulada questiona as justificativas do presidente da empresa, Pedro Parente, sobre a polêmica venda. Por ter vivenciado e acompanhado de muito perto a compra da participação da Barra Energia em Carcará e analisado mais de 50 negócios para a montagem do portfólio defende com segurança sua posição e avaliação crítica. “Conheço bem Carcará. Sei o que estou dizendo”, afirma em longa entrevista concedida à publicação virtual PetroNotícias, que o Portal do Clube de Engenharia divulga a seguir.
Geólogo que avaliou carcará contesta presidente da Petrobrás e diz que área foi vendida a preço de banana
Por Daniel Fraiha
Fonte: PetroNotícias
A venda de Carcará já vai longe, anunciada em julho do ano passado e concluída em novembro, mas a negociação ainda reverbera bastante no setor de petróleo brasileiro. Na última semana, o próprio presidente da Petrobrás, Pedro Parente, trouxe à tona novamente o assunto, quando deu uma entrevista a uma rádio, falando que a alta pressão na área foi uma das razões para a venda, já que isso geraria custos extras com equipamentos. No entanto, o argumento foi duramente criticado por geólogos e o Petronotícias buscou ouvir outras versões sobre a questão. Diante disso, Luciano Seixas Chagas, membro da Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo), aposentado pela Petrobrás após 31 anos de atividade na empresa, consultor atuante e ex-diretor da Barra Energia – uma das sócias da Petrobrás no bloco BM-S-8, onde fica Carcará –, dá sua visão sobre a área. Chagas contesta as alegações de Parente, coloca em dúvida suas decisões e avalia que a venda foi feita “a preço de banana”, ressaltando que foi um dos responsáveis pelo mapeamento para as análises volumétricas e econômicas da área, do bloco e do portfólio da Barra Energia. “Eu participei da compra da participação da Barra Energia em Carcará e analisei mais de 50 negócios na época, para a montagem do portfólio. Então conheço bem Carcará. Sei o que estou dizendo”, afirma.
De acordo com o geólogo, a alta pressão alegada por Parente trará mais resultados positivos do que negativos para os donos do bloco, já que, apesar de demandar equipamentos mais caros – “mas de tecnologia já absolutamente dominada” –, a área terá uma produtividade muito maior do que as já encontradas no resto do pré-sal. “Carcará vai ter uma vazão limitada pelo diâmetro do poço, já que a pressão é muito alta. Então vai alcançar 50 mil barris por dia por poço, como já foi mostrado nos testes. Isso fácil, fácil”, destaca.
Esse e outros fatores elencados por Chagas na entrevista a seguir fazem com que o valor do bloco, na visão do geólogo, seja muito maior do que o apresentado. Ele ressalta que as estimativas divulgadas pelas parceiras da estatal no bloco, Queiroz Galvão e Barra Energia, dão conta de que a área teria 2 bilhões de barris recuperáveis, mas que a Petrobrás anunciou uma estimativa de 0,8 a 1,3 bilhão de barris recuperáveis quando divulgou a venda para a Statoil. Ele calcula que os preços pela participação no bloco deveriam ser de no mínimo US$ 5 por barril, podendo atingir facilmente US$ 8 por barril, o que avaliaria a área em algo entre US$ 10 bilhões e US$ 16 bilhões (US$ 6,6 bilhões a US$ 10,56 bilhões pela participação de 66% da Petrobrás) – levando em conta a estimativa das parceiras no bloco (de 2 bilhões de barris), que contém ainda um outro prospecto – Guanxuma –, considerado também muito promissor.
“Estão doando dinheiro do País, dos acionistas majoritários e minoritários. Eu não sou contra a licitação de ativos. Não acho também que deva ser tudo do Estado. Ganho a vida hoje fazendo consultorias na área e quanto maior a quantidade de negócios ocorrendo, melhor será para mim – pelo menos potencialmente. Mas os asset’s não podem ser vendidos a preço de banana como vem ocorrendo. (…) Havia muitas alternativas melhores. Do jeito que foi feito, parece coisa de gestor burro ou mal intencionado. E você acha que o Pedro Parente é burro? Com certeza burro ele não é. Não sei com que bandeira ou intuito ele tomou essa decisão, nem estou chamando ele de corrupto, mas que acho muito esquisito eu acho”, afirma Chagas.
Como avalia as alegações do presidente da Petrobrás, Pedro Parente, de que a alta pressão em Carcará foi um dos motivos para a venda da área, já que precisariam de equipamentos diferentes dos que a empresa costuma usar?
É verdade que precisariam de equipamentos diferentes, mas de tecnologia já absolutamente dominada em termos de pressão elevada. Teriam que gastar mais, certamente, com equipamento, mas não em desenvolvimento tecnológico. Ou seja, não pagariam por P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). O fato de não ter CO2 e H2S em Carcará permite o uso dos equipamentos de produção e de escoamento comuns, para alta pressão, pois não seriam necessários tratamentos especiais anticorrosão como os usados nas demais áreas.
Ou seja, se por um lado a pressão elevada é ruim, por outro é muito bom. Tem até mais coisas melhores do que as piores em relação aos outros campos do pré-sal. Carcará é especial.
Tem outra mentira que o Parente disse. Ele disse que tirou Carcará porque esse campo era diferente dos outros, mas ele também vendeu Iara, para a Total, sendo que este campo tem as mesmas características da maioria do pré-sal. E vendeu também por preço de banana. Isso é coerente? É verdade?
Qual a sua avaliação sobre as reservas de Carcará?
Carcará tem cerca de 2 bilhões de barris de petróleo recuperáveis, segundo estimativas divulgados pela Queiroz Galvão e também pela Barra Energia. A Petrobrás do Parente usa um número bem menor, de 800 milhões a 1,3 bilhão de barris…
De onde eles tiraram esse número?
Quando não se tem contato óleo-água encontrado, considera-se para efeito de cubagem (de cálculo de volume) a última profundidade do reservatório encontrada com óleo. Quando se faz essa estimativa, chama-se isso de contato most-likely (mais provável), ou seja, no mínimo isso. Então, o que venderam é líquido e certo, e não consideraram o que tem abaixo dessa cota, pois não foi detectada a presença de água em Carcará. Ou seja, lá não tem contato definido pelos 3 poços perfurados, que só encontraram petróleo. Para fazer um bom negócio, precisavam ao menos delimitar toda a acumulação com a perfuração de pelo menos um poço no flanco da estrutura de Carcará ou próximo da última curva estrutural fechada.
Além disso, no bloco BM-S-8 há outros dois prospectos menores, com imagens sísmicas similares a de Carcará, sob o nome de Guanxuma, que podem conter metade do volume de Carcará, pelo menos. Essa área vai ter a primeira perfuração ainda esse ano, por obrigações contratuais com a ANP.
Qual seria então o preço justo pela participação da Petrobrás no bloco BM-S-8, onde fica Carcará?
Numa conta bem simplista, se você tem apenas um reservatório mapeado com uma boa imagem sísmica, pode colocar um preço médio de US$ 0,5/boe (barril de óleo equivalente – petróleo + gás). Com um poço perfurado e a descoberta, mais ainda não delimitada, o preço médio da área vai a pelo menos US$ 3 por barril. Com três poços perfurados, como em Carcará, esse preço é de pelos menos US$ 5 a até US$ 8 por barril. Mesmo o mercado não estando comprador, por US$ 5 o barril, qualquer um compraria a participação da Petrobrás. Se fosse levar em consideração os volumes estimados pelas parceiras, de 2 bilhões de barris, daria pelo menos US$ 10 bilhões pelo bloco (US$ 6,6 bilhões para a Petrobrás).
Isso levando em conta que riqueza enterrada não é dinheiro em caixa. Estamos falando de preço de exploração e produção e não de desenvolvimento da produção. Então, se a Petrobrás tivesse delimitado a área com mais dois poços, o preço iria para US$ 10 por barril. E se tivesse perfurado os poços de infraestrutura de produção, iria para o preço de barril de mercado, de cerca de US$ 40 por barril.
Quais as características que fazem Carcará ser uma área tão valiosa?
São diversos fatores, que vou enumerar a seguir:
1 – Área total ainda não delimitada;
2 – Continuidade da estrutura para norte fora do bloco vendido, comprovada pelo poço perfurado mais a norte;
3 – Contrato de concessão em vez de partilha, pois a área foi oferecida antes da mudança da lei;
4 – Coluna de hidrocarbonetos superior a 900m e com continuidade hidráulica, garantindo que há muito mais área com hidrocarbonetos do que a área fechada pelo último contorno estrutural (tem um componente estratigráfico), cuja área cubada garante volumes recuperáveis da ordem de 6 bilhões (boe), numa probabilidade estatística da ordem de 10% (P10). Além disso, a espessura das rochas exclusivamente microbiais (as mesmas que são as dos reservatórios de Lula e Libra) é superior a 450m, a maior do pré-sal. Também as rochas inicialmente denominadas de vulcânicas (não reservatórios), após análises petrográficas (análises de microscópio) criteriosas, mostraram que tais rochas são sedimentares, que foram metamorfoseadas (transformadas) por fluidos profundos, o que mudou as características minerais originais dos microbiais. Para os leigos, isto significa que tais rochas fechadas, em outros locais, podem encerrar volumes mui maiores de petróleo;
5 – Reservatórios têm excelentes porosidades de até 25%, com valores médios da ordem de 16%, superiores aos valores médios de 11% dos demais campos do pré-sal, inclusive Libra e Lula. Para os leigos, isso significa maiores volumes de petróleo por cada unidade de volume total (rocha + fluído);
6 – Continuidade dos reservatórios confirmada por um teste longo de produção (comprovador de volume) e por inúmeros testes a cabo coletores de pressão e/ou fluido petróleo (gráficos de pressão e dos gradientes dos fluidos), obtidos nos três poços perfurados e garantidores de uma área mínima contendo volumes provados, por continuidade de pressão, que ainda não são reservas por mera formalidade processual da ANP no Plano de Desenvolvimento;
7 – Petróleo sem o gás carbônico que desvaloriza o seu valor. Para se ter ideia, o percentual médio de CO2 no pré-sal é da ordem de 12%, podendo atingir até 75%, como no Campo de Júpiter. Em Carcará, é inferior a 0,2%. Também o petróleo de Carcará, diferente daqueles dos demais campos e acumulações, não tem gás sulfídrico H2S, que corrói as tubulações de produção e transporte. Por isso, estas têm que ser especiais e de grande custo em todo o projeto do pré-sal, exceto em Carcará. Também o petróleo de Carcará tem alta densidade API de 26 graus, ou seja, é leve e tem razão de solubilidade (para alguns, razão gás/óleo) da ordem de 2,173, que garante que, para cada barril de óleo produzido, será também produzido mais 45% de gás, o que dá um volume monumental, razão pela qual o gasoduto NTS deveria obrigatoriamente permanecer como propriedade da Petrobrás, se o seu gestor senhor Pullen conhecesse minimamente o que gerencia. A diretora do seu staff, a senhora Solange Guedes sabe disso, e duvido, desafio mesmo, que ela ou qualquer técnico consiga desmentir quaisquer das minhas afirmações. Como ela é engenheira de petróleo, sabe muito bem do que falo. Assim, o volume de gás na área, após cubado, será mui superior ao volume cubado do gás que é transportado pelo Gasbol – e que pagamos por ele.
8 – Os reservatórios de Carcará contêm petróleo com pressão 50% superior aos expectados e encontrados nas cercanias, com pressões normais ou quase. Também a área de Carcará e suas redondezas estão numa província petrolífera absolutamente diferente das demais, num alinhamento geológico norte-sul, com reservatórios selados por uma anormal espessura de sal mui superior a 2.000 metros, o que garante o melhor selo da área – e quiçá do mundo. Para os leigos, isto significa que quaisquer estruturas positivas mínimas na área desta nova e pouco prospectada província encerram substantivos volumes de hidrocarbonetos, e ainda em fase mui juvenil de prospecção, face ao excelente sistema petrolífero atuante e já fartamente conhecido do pré-sal. Também a pressão anormalmente alta dos reservatórios garantirá platôs maiores de produção que, economicamente, significa vazões elevadas, limitadas apenas – e infelizmente – pelas dimensões das tubulações e limitações volumétricas dos FPSOs, além dos consequentes e espetaculares retornos de grana, via antecipação natural de produção nesta ímpar e magistral província. Além disso, a pressão elevada evitará a compra de equipamentos de elevação de produção, o que barateará, em muito, os U$ 10 bilhões expectados pela equipe do gestor Pullen Parente. Os gastos certamente serão menores e os CAPEX’s muito inferiores aos inicialmente projetados.
9 – É obvio que dutos e equipamentos para reservatórios com pressão elevada são mais caros que os convencionais, ou seja, no projeto Carcará, falando-se exclusivamente de equipamentos, estes serão mais caros que os demais. Entretanto, a economia em número de equipamentos necessários em quaisquer fases da produção será muito superior aos maiores valores a serem dispendidos com os equipamentos mais caros. Isto sem falar que todos os equipamentos de alta pressão e também de temperatura são de tecnologia absolutamente dominada. E facilmente fabricados.
10 – Carcará vai ter uma vazão limitada pelo diâmetro do poço, já que a pressão é muito alta. Então vai alcançar 50 mil barris por dia por poço, como já foi mostrado nos testes. Isso fácil, fácil. Levando-se em conta que um FPSO médio armazena 150 mil barris por dia. Normalmente um FPSO no pré-sal é interligado a algo entre 5 e 7 poços de produção. Em Carcará, serão apenas 3 poços. Com essa economia, o Capex do projeto se barateia muito. Então eu me revolto. Não sei o que leva esses caras a fazerem isso.
O senhor participou de alguma etapa de trabalho relacionada à área? Como possui essas informações?
Sou membro da Federação Brasileira de Geólogos (Fegrageo), trabalhei na Petrobrás por 31 anos, me aposentei em 2004 e virei consultor na área. Fundei uma companhia chamada CGGIP (consultoria em geologia, geofísica e informática do petróleo) e prestei consultoria para diversas companhias onshore e offshore. Fui quase-sócio e consultor da Petroleum Geoscience Technology (PGT), que depois foi comprada pela Vale, há uns cinco anos, dando consultoria para diversas empresas e exclusivamente para Vale Óleo & Gás. Depois, participei da montagem da Barra Energia primeiramente com Renato Bertani (CEO), João Carlos de Lucca (diretor presidente), Abelardo de Sá e Brian Byrne, onde fui diretor estatutário, cuidando da área de exploração, onde fiquei de 2010 a 2014. Vendi minha participação como acionista da empresa em 2014 e 2015.
Eu participei da compra da participação da Barra Energia em Carcará e analisei mais de 50 negócios na época, para a montagem do portfólio da Barra Energia, e selecionamos Carcará e Atlanta dentre muitos outros ativos. O projeto, por ser de razoável porte, foi dividido com a Queiroz Galvão, concomitantemente. Então conheço bem Carcará. Sei o que estou dizendo. Lembro de todos os dados dessa área na minha cabeça, porque na época fui um dos que fez o mapeamento para as análises volumétricas e econômicas da área, do bloco e do portfólio.
E quando trabalhei na Petrobrás eu também elaborava os mapas usados para as cubagens de volumes, então já é uma área de conhecimento antiga para mim. Não comecei nisso agora. Fiz muitos mapas deste tipo para a Petrobrás, tanto para o mar, quanto para terra.
Qual seria o custo e o trabalho real de adequar as necessidades dos equipamentos de acordo com as variações de pressão?
É um cálculo difícil, que deve ser feito junto com especialistas de diferentes áreas de conhecimento. Então eu não teria como estimar exatamente. Mas com certeza o valor total que ainda precisaria ser investido pela Petrobrás em Carcará é menor do que os US$ 10 bilhões estimados pelo Parente. Provavelmente cerca de 30% a 40% a menos do que isso, face às características favoráveis da acumulação em termos de energia adicional nos seus reservatórios.
Ao que atribui a posição de Parente neste caso, já que essas evidências certamente estão à disposição dele na Petrobrás?
Acredito que ele e o governo queiram que tenham concorrentes fortes no Brasil para competir com Petrobrás, mas não podem fazer isso à custa do dinheiro dela e dos seus acionistas. Onde já se viu um gestor estimular o concorrente? Além disso, petróleo não é uma mina de ferro, não é laranja, nem uma simples commodity. É energia. A Petrobrás é uma empresa estratégica e o único controle do Estado sobre a energia que o País detém. Não se pode passar isso para empresas sem regulação forte e a preço de banana. Estão doando dinheiro do País, dos acionistas majoritários e minoritários. Hoje, a participação dos estrangeiros nas ações preferenciais da Petrobrás já responde por 30%. Então essas vendas a esses preços prejudicam o governo (51%), os brasileiros minoritários (19%) e os estrangeiros minoritários (30%), principalmente os fundos de energia dos Estados Unidos, como o Black Rock, que já dispõe de 5% das ações preferenciais da Petrobrás, que, quanto mais aviltada pelos próprios gestores, mais é comprada pelos investidores de fora.
Eu não sou contra a licitação de ativos. Não acho também que deva ser tudo do Estado. Ganho a vida hoje fazendo consultorias na área e quanto maior a quantidade de negócios ocorrendo, melhor será para mim – pelo menos potencialmente. Mas os asset’s não podem ser vendidos a preço de banana como vem ocorrendo. Eles poderiam vender, por exemplo, cerca de 20% de Carcará em troca do compromisso de perfuração dos poços de delimitação, produção e das facilidades de produção, com valores até mesmo condicionados aos resultados expectados versus os constatados. Ou seja, a empresa ia continuar majoritária, sem ter que gastar dinheiro nestas etapas, e manteria um ativo muito valorizado depois, a julgar pelos resultados atuais. E todo mundo ia querer comprar. Eu mesmo recomendaria para qualquer comprador, face ao potencial que tem. Poderia inclusive fazer condicionado aos resultados dos poços, repito. Havia muitas alternativas melhores.