Introdução
Em 3 de julho de 2019, o Clube de Engenharia realiza evento para homenagear o saudoso Conselheiro Francisco de Assis Silva Barreto. Ele foi membro do Conselho Diretor de 1998 até seu falecimento, em 2016. Também foi Presidente do Crea, membro da Sobena (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval) e teve uma vida intensa em seu campo profissional de origem, a engenharia naval, e depois no campo da TI, por ele abraçado em anos mais recentes.
Francisco de Assis, Chico de Assis, Chiquinho, o Cientista nos tempos de colégio, como muitos o chamavam, reunia uma atividade profissional e política intensas, além do gosto pela música, fotografia e cinema, tendo inclusive realizado um filme.
Um depoimento emocionante de seu colega de turma, o engenheiro naval Ildefonso Côrtes, diz muito sobre quem foi Francisco de Assis e pode ser lido abaixo.
Serviço:
Homenagem ao Conselheiro Francisco de Assis Silva Barreto
Dia 03/07, quarta-feira, às 18h
20º andar do Clube de Engenharia
Av. Rio Branco, 124 – Metrô Estação Carioca
Depoimentos
Ildefonso Côrtes
O poeta Manuel Bandeira, em um de seus versos nos disse:
“Morre-se duas vezes.
Primeiro na carne,
Depois no nome.”
Nós, aqui presentes, que viemos evocar o nome do Francisco e celebrá-lo, discordamos do poeta. Ao nos lembrarmos dele, de seu caráter, de suas ações, de sua fé enquanto vivo, ele renasce para nós. Assim, ele não terá a derradeira morte que o poeta vaticinava: a morte do nome.
Volto a 1964, antes da noite escura que se abateu sobre o Brasil nos idos de março. Éramos 600 no curso de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro após a duplicação das 300 vagas iniciais por determinação do Governo João Goulart. O Fundão, após longa execução de obras, nos aguardava.
Eu, Chico de Assis e uns poucos iríamos optar pela especialização em Engenharia Naval no terceiro ano do curso. Atividade nascente que Juscelino Kubitschek, com clarividência, anteviu para o futuro do Brasil. Queríamos participar do esforço pelo desenvolvimento nacional projetando, construindo e reparando navios no Brasil.
Em 1966, no Bloco C da Ilha do Fundão, iniciávamos o terceiro ano do curso, época em que Chico e eu nos aproximamos mais, desenvolvendo a amizade e a admiração por ele, amigo até o fim de sua vida, em 2016.
Sorriso aberto no corpo esguio, efusivo e alegre. A aparência frágil escondia convicções firmes, bem estruturadas. Simpático, alegre, cordial, temperamento aberto ao debate e ao convencimento. Em sua vocação de engenheiro, cabiam também sonhos, quimeras e utopias ao lado de uma inteligência racional. Técnico humanizado, um currículo de leituras densas deram-lhe uma cultura geral que sobressaía em seus relacionamentos. Sensível às artes, ao teatro, à fotografia. O cinema, em particular, o fascinava. Conhecia filmes, atores, diretores, de todos os tempos. Sobre isto discorria com entusiasmo e conhecimento. Fomos companheiros, entre tantos outros colegas, das sessões de meia-noite do Cinema Paissandu. Após a exibição, varávamos a madrugada em gostosas conversas sobre arte, política, cinema, regadas pelo chope generoso que nos aquecia o espírito.
O amor ao questionamento intelectual e ao conhecimento foi seu legado maior aos seus. As filhas Paola e Joanna formaram-se parcialmente na UFRJ, sua querida universidade, e no exterior. Graduadas e pós-graduadas.
Ao longo de nosso curso (1964-1968) a ação repressora se fez mais presente sobre a sociedade brasileira. Chico, fiel a seus princípios, não esmoreceu em sua militância. Atuava em muitos foros. Fora advertido sobre ameaças a sua integridade física. Havia sido detido numa dependência do DOPS no Rio de Janeiro. Por ação de um professor e parlamentar que lecionava na Universidade, Jurandyr Pires Ferreira, fomos visitá-lo na masmorra policial. Acompanhava-o Ivone, companheira de todas as horas. Acompanhou até seus últimos dias, quando tinha 72 anos.
Episódios de alta violência com invasões de estaleiros e escritórios de projeto ligados à engenharia naval o fizeram, com o recrudescimento das ameaças, decidir abandonar o Rio.
Com a colaboração de amigos, transferiu-se para o Amazonas, onde trabalhou no Estaleiro da ESTANAVE. Por um tempo, recuperou a paz que o Rio lhe negara.
Ao final da década de 80 e início de 90, a indústria naval assistia seu declínio. Os dois Planos nacionais de Construção Naval e a exportação de navios com financiamento do Banco do Brasil (CACEX) levaram os Estaleiros ao apogeu, construindo muitos navios para o Brasil e para o exterior. Após estes dois marcos de incentivo terem cessado, diminuíram as encomendas e o mercado de trabalho retraiu-se dramaticamente.
O mercado hostil afetou muitos de nós. Alternativamente, ele fez trabalhos avulsos de perícia, pequenas consultorias. Voltou aos bancos escolares, tendo estudado na PUC a tecnologia da informação que, imaginava, iria lhe abrir novos caminhos. Atuou, nesta fase, como professor em um curso profissionalizante, orientado pela UFRJ para jovens que se especializariam na construção de embarcações miúdas de madeira.
Acalentava um sonho antigo: possuir um barco e navegar. Muitos outros colegas compartilhavam esta recôndita paixão. O mar, o barco, a brisa marinha, as ondas. Este sonho ele não realizou. Mas outros, sim. Pela fé em sua crença, em seus sonhos de espírito idealista e generoso.
Viveu movido por grandes ideias e em prol delas dedicou seus esforços mais nobres.
Foi-se em 2016.
Eu, que convivi com ele e o admirava tanto, neste momento de lembrança e homenagem lhe diria:
Chico, você combateu o bom combate.
E guardou a fé.
Para sempre, sua memória estará conosco.
Carlos Monte
Convidado a relatar o que guardo na memória de meu saudoso amigo, o engenheiro Francisco de Assis Barreto, princípio referindo-me ao santo popular, autor da belíssima oração que leva o seu nome.
Nascido na cidade de Assis, batizado por sua mãe como Giovanni, viveu no limiar do século XII, recebeu posteriormente o epíteto de Francisco por sua admiração pela cultura francesa, nacionalidade com a qual sua família tinha ligações.
Passando de uma juventude faustosa e sem limites, depois enfrentando batalhas em defesa de suas convicções e em busca de glórias, só veio a realizar-se plenamente quando, movido por uma revelação, abandonou as marcas do seu passado e passou a adotar uma vida de orações, contemplação e dedicação aos pobres e aos enfermos.
Voltando ao nosso Francisco de Assis desconheço porque teria recebido esse honroso nome na pia batismal: se quem o escolheu, pai ou mãe, moveu-se por admiração pela figura do santo, por suas lições ou por ambas.
Meu contemporâneo no Colégio Militar e na Escola de Engenharia, aproximamo-nos ainda mais no nosso Clube de Engenharia e no CREA, nos quais ele, bem mais do que eu, dedicou-se às lutas cívicas e profissionais, que nos ajudaram a ambos a firmar nossas posições em defesa da Democracia e da Liberdade, no período mais difícil de nossas vidas.
Quero transmitir minha carinhosa saudação à sua Ivone, tentas vezes presente a seu lado nas reuniões realizadas em nosso Clube e a suas filhas, cujas vidas certamente terão ficado marcadas para sempre pelo exemplo de seu pai.
Luiz Alfredo Salomão
Chico de Assis, ou simplesmente Chiquinho, cativou o afeto de todos que o conheceram. Sabia como poucos valorizar as qualidades e ignorar os defeitos de seus interlocutores mais íntimos. Nos conhecemos na ENE, em 1964, mas seguimos especialidades diferentes.
Os laços com Chico de Assis se estreitaram no Clube de Engenharia, no final da década dos 70, quando me tornei diretor de Atividades Sociais, tendo como vice Sérgio Gonzaga, grande companheiro que conhecia bem o ambiente da instituição. Sérgio facilitou a aproximação de um conjunto de sócios, com destaque para Fred Novaes e posteriormente o Chico, que já conhecia da Escola. Constituímos um grupo amigo cujo trabalho rendia muitos resultados.
Francisco, com a ajuda do cineasta Fernando Duarte, em 1980/1, organizou e nossa Diretoria promoveu uma exposição maravilhosa com fotos de Marc Ferrez e Augusto Malta, tendo como foco os prédios da Avenida Rio Branco construídos no início do século passado. Foi um sucesso de público visitante e mais uma realização creditada ao nosso Departamento. Sérgio e Frederico se afastaram do Clube, enquanto eu e Chico nos encontrávamos esporadicamente em reuniões do Conselho ou da nossa Chapa de candidatos, em períodos de eleição.
Em 2009, Samuel Pinheiro Guimarães, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do governo Lula, me nomeou secretário-executivo. Depois de me ambientar e verificar que Samuel adorava trabalhar com engenheiros, decidi convidar dois colegas, por quem tinha respeito profissional e identidade política, para irem para Brasília: Telmo Lustosa e Francisco de Assis Barreto, este último para ser meu chefe de gabinete.
A SAE tinha proximidade com o Ministério da Defesa, porque participava da formulação da Estratégia Nacional de Defesa. Ex-aluno do Colégio Militar, Chico cultivava os generais que tinham sido seus contemporâneos. Nossa única divergência, leve, se devia a sua filiação ao PPS, que aderira aos neoliberais do PSDB. Concordávamos, no entanto, com certas restrições à forma de governar do PT, provocando ódios políticos que, depois, se materializaram de forma tão destrutiva. O que o Chico diria dos retrocessos políticos que ora vivemos?
Isolados na Capital, criamos um ambiente de convivência muito agradável e aprofundamos nossa amizade. Telmo levou a família para Brasília. Eu e Chico deixamos as esposas e filhas no Rio. Nas conversas fora do expediente, o Chico expressava o quanto se sentia feliz com sua família: Ivone, as filhas Paola e Joana, os netos, Antônio e Frederico, e sua sogra baiana.
De volta ao Rio, Chico de Assis assumiu funções de professor num programa da UFRJ, acho que para construtores navais não-engenheiros de Angra e Paraty. Isso deu mais um gás na sua vida.
Sentia-se rico e satisfeito, também, com o enorme e diversificado patrimônio de amigos que construiu ao longo da vida. Tive o privilégio de ser um deles. Chico nos deixou cedo demais, criando em mim um vácuo de saudades, preenchido, porém, por ótimas lembranças que tenho dele.
Elmar Pereira de Melo
Francisco de Assis Silva Barreto, em vida o aluno 939 do Colégio Militar do Rio de Janeiro, meu amigo Chico, ou Chiquinho simplesmente para os mais chegados, querido por todos aqueles que com ele conviveram em vida, por mim especialmente, seu contemporâneo de turma desde os distantes anos 1960, primeiro no Colégio Militar, depois na Escola Nacional de Engenharia, onde o Chico formou comigo, Júlio César de Miranda e Stênio Martins Gandra, presentes também nesta homenagem, uma irmandade quase de alunos amantes principalmente de jazz e cinema.
Era ali que melhor despontava o Chico artista, aquele mesmo que, com seu sorriso de lua cheia, irreverente, não pedia licença poética para fustigar a mentalidade bem-pensante , voltar-se com justificado inconformismo contra a indecência da vida que levavam os menos iguais entre os desiguais, os vagantes que ele via a perambular pelas ruas de um Rio de Janeiro que, ainda assim, fez questão sempre de amar e fotografar. Gente como o Chico não morre nem fica encantada, acreditem, simplesmente sai de cena e não volta mais. Deixa saudades.