Condições dessa relíquia carioca foram discutidas por especialistas em evento promovido pelo Clube
O Parque Estadual da Chacrinha, em Copacabana, é uma relíquia do Rio de Janeiro. Por seu valor cultural, turístico, histórico e ambiental foi tombado pelo Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural), mas suas condições de conservação requerem maior atenção. Com o objetivo de se debater a situação do local e propor medidas para melhorar suas condições de segurança, o Clube de Engenharia promoveu um evento no fim de agosto, reunindo especialistas. O encontro também foi propiciado para se comemorar o Dia do Patrimônio Histórico e a data de formação do próprio instituto.
O conselheiro do Clube e professor da UFRJ Renato Ramos deu sua palestra enfatizando a vistoria feita no parque em abril de 2021. Sua atenção maior se voltou sobre o jequitibá de manto, uma das espécies raras do local, mas que além de ser única, ganha destaque na paisagem. A árvore sofre com pragas e ocupa uma posição sui generis, pois cresceu sobre uma rocha e suas raízes penetraram as fendas para a obtenção de água e nutrientes.
A estabilidade da árvore e da rocha sobre a qual está fincada, bem como parte das encostas do parque, gera preocupação. Como foi frisado, em 2019 houve um deslizamento de terra, que ainda não recebeu obras para correção dos estragos e contenção de eventuais pontos de instabilidade.
“As mesmas fraturas que desencadearam esse deslizamento de 2019 são as fraturas onde o nosso amigo jequitibá está. Esse deslizamento alcançou até a base do talude, entrando inclusive na área urbanizada do parque”, ressaltou o geólogo.
Ao longo dos últimos séculos, a área que hoje corresponde ao Parque da Chacrinha já teve diversas ocupações e durante o período colonial serviu de base para o monitoramento militar da cidade pelos portugueses. Durante esse período o mais famoso alferes da história do Brasil, o Tiradentes, teria servido no local, o que aumenta ainda mais sua importância história. A área também chegou a ser habitada por uma comunidade, que foi removida no início dos anos 1970.
As contenções feitas há mais de dois séculos e que precisam de cuidados especiais, são semelhantes a técnica utilizada por agricultores do norte de Portugal desde a Idade Média. Por isso, foi de grande valia a palestra do engenheiro civil André Borges, que estuda esse legado. Segundo ele, os chamados socalcos foram introduzidos na região montanhosa da Península Ibérica por celtas e mantidos depois da ocupação pelos romanos, sendo responsáveis por uma agricultura familiar e sustentável que tem se mantém de geração em geração, graças à capacidade dessas rochas sobrepostas de darem sustentação ao solo, permitindo o escoamento da água da chuva.
“Os socalcos foram construídos para possibilitar a prática da agricultura em vertentes declivosas, de modo a evitar a erosão do solo e também a contribuir para a regularização hídrica das vertentes. Na atualidade, funciona ainda como interface entre a floresta e os pequenos aglomerados populacionais, sendo, portanto, essenciais na proteção das aldeias contra os fogos florestais por apresentarem uma descontinuidade horizontal na cobertura horizontal florestal. Ou seja: aquilo que os antigos faziam sempre deu certo. A gente não tem que reinventar a roda, inventar um outro tipo de sistema, pois o que está aí já foi experimentado por mais de mil anos”, explicou o engenheiro.
O evento também foi enriquecido com a contribuição da Arqueóloga e professora da UERJ, Camilla Agostini. Ela explicou seu trabalho de pesquisa no parque com o intuito de resgatar a história dos moradores da comunidade removida do local. Além de encontrar objetos que pertenceram a esses moradores, seu grupo procura levantar as histórias dessas famílias.
Ela propõe a colocação de placas indicativas para os visitantes. “A estrutura de visitação, com placas referenciadas pode ser pensada de muitas maneiras. Pode ser uma placa informativa, uma placa memorial. A proposta de uma trilha interpretativa tem uma proposta diferente de apresentar esses espaços para o público. Eu sugeriria a colocação de placas não de forma independente, mas a partir de um projeto que inclua como se quer trabalhar a divulgação, a ligação do público com os espaços, conduzindo a visita”, afirmou Camila.
O evento também contou com a participação da assessora do gabinete do vereador Reimont, presidente da Comissão de Cultura da Câmara Municipal, Sandra Kokudai. Ela falou sobre o projeto de lei que propõe a instalação de uma placa em homenagem a Tiradentes do parque. “É uma forma da própria população estar reconhecendo toda essa memória”, ressaltou Sandra.
O chefe da Divisão Técnica de Recursos Naturais Renováveis (DRNR) do Clube, Ibá dos Santos Silva, destacou a importância da preservação e conservação do parque.
“Queria destacar o valor de patrimônios do parque, incluindo o ambiental e o biológico. As rochas sob ação das chuvas são diluídas e fornecem micronutrientes às plantas. Ainda estão frias quando começa a esquentar e permanecem quentes quando o sol se põe, equilibrando a temperatura ambiental. Só que o parque ainda tem várias plataformas e um duto, que conduzia a água para a fonte dos soldados que foi destruída pelo deslizamento de terra que ocorreu em 2019, assim como duas plataformas também. Uma pena!”, disse Ibá
Assista o evento: