Projeto do Clube de Engenharia, Reconstrução do Brasil, em painel realizado na quarta-feira (17) contou com Luiz Gonzaga Belluzzo e Guilherme Estrella e conclui pela retomada de boas práticas do passado, adaptação ao presente e visão de futuro
A recuperação da capacidade de planejamento e de atuação junto ao mercado por parte do Estado é a chave para um novo modelo de desenvolvimento a ser adotado pelo país. Essa é a conclusão dos participantes do terceiro painel do evento “Um Projeto para Reconstrução do Brasil”, que está sendo promovido pelo Clube de Engenharia. O tema dessa etapa foi “Desenvolvimento Econômico-Industrial”, abordado pelos palestrantes Luiz Gonzaga Belluzzo (economista) e Guilherme Estrella (geólogo). Apesar da crise pela qual passa a nação e do processo de desmantelamento das estruturas estatais, os analistas observam promissoras oportunidades para a retomada do processo de crescimento econômico com maior justiça social.
Belluzzo, que já ocupou diversos cargos no poder público, entre eles o de secretário de Ciência e Tecnologia e de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, frisou em sua palestra a necessidade de superação da dicotomia entre Estado e mercado. Segundo ele, as duas esferas podem caminhar juntas como acontece nas grandes potências mundiais e como ocorreu em momentos de grande impulso no Brasil.
Apesar de êxitos na industrialização do país entre as décadas de 1950 e 70, o processo de retomada não deve, no entanto, repetir o passado. O economista deixou claro que em plena era da revolução da Indústria 4.0 não é viável copiar fórmulas antigas, mas a adoção de princípios basilares calcados em experiências bem-sucedidas pode ser um trunfo para o próximo governo, desde que se preocupe com o que ele chamou de “modernização das formas”. O Estado, portanto, não pode desprezar a importância da ciência e do conhecimento na fase atual.
Para o processo de recuperação econômica ganhar volume, de acordo com ele, o papel dos bancos públicos no financiamento da industrialização é fundamental. O setor energético, que precisaria voltar a ser estatal, também tem uma função de alavancar a economia, principalmente através do estímulo à indústria de transformação.
“Não haverá reindustrialização, se nós não tivermos as conexões, se nós não prestarmos atenção ao papel crucial que o conhecimento científico e a tecnologia têm. Nós temos universidades excelentes. O problema é que nós não conseguimos articular esse conhecimento valioso que produzimos”, afirmou Belluzzo, ressaltando a capacidade técnica do meio acadêmico.
Guilherme Estrella, que ocupou o cargo de diretor de Exploração e Produção da Petrobras no momento crucial da descoberta do pré-sal, também destacou a necessidade de retomada de visão de planejamento por parte do Estado para a construção de um novo modelo de desenvolvimento. Mas colocou pontos que complementaram a explanação anterior, como a importância da enorme massa de consumidores do país, que infelizmente vem sendo massacrada pelo achatamento salarial, precarização das condições de emprego e sobretudo pelo desemprego.
Apesar disso, ele traçou um cenário otimista para o Brasil na atual fase das disputas geopolíticas globais, em que as condições brasileiras podem ser favoráveis. Além do potencial do mercado interno, os recursos naturais estratégicos, a dimensão territorial e a capacidade de inovação são oportunidades que devem ser exploradas nesse novo contexto de multipolaridade mundial.
“Qualquer projeto de construção de um novo Brasil tem que levar em consideração prioritariamente a questão social. Não é possível continuarmos com esse padrão de distribuição de renda”, defendeu Estrella.
O evento contou com a mediação do conselheiro do Clube Carlos Ferreira, que fez ponderações e lançou perguntas aos palestrantes. Além de reforçar a necessidade de o próximo governo adotar uma política industrial mais desenvolvimentista, ele destacou o papel das Forças Armadas, como vetor de estímulo à expansão industrial e como poder dissuasório, necessário a uma política de desenvolvimento soberana.
“A briga pelo poder do sistema mundo e as hegemonias estão se propagando de maneira total e eu concordo plenamente de que a nova ordem será multipolar. Com essas sanções após a guerra da Ucrânia e esse contexto que vimos com a pandemia, houve um comprometimento muito grande das cadeias produtivas. Com isso, a globalização tende a não mais existir porque os países tendem a verticalizar suas produções e valorizar o mercado interno”, explicou Ferreira.
O presidente do Clube de Engenharia, Márcio Girão, abriu o evento e acrescentou pontos ao debate. Ele concordou com grande parte das teses levantadas, inclusive com a necessidade de atualização de políticas públicas voltadas para a industrialização, que preferiu chamar de novo “modelo” em vez de “forma”. No entanto, ressaltou a prioridade de avanço no sentido da concretização das propostas.
“Existem vários clichês que estão presentes em todos os programas de governo, mas a nossa missão é transformar esses pontos repetidos em realidade. É importante para isso a integração entre a academia e as empresas. Onde isso ocorreu no Brasil, deu certo”, destacou Girão.
O debate contou com a participação do público, que fez perguntas aos palestrantes. Foi uma oportunidade para os analistas explicarem melhor seus pontos de vista sobre aspectos mais políticos do desafio de impulso à industrialização. A coesão entre os diferentes grupos políticos e econômicos, a relação com os demais países em desenvolvimento e a articulação entre o Estado e o mercado foram desafios apontados a serem enfrentados.
O próximo encontro do projeto do Clube, marcado para 31/08, vai discutir a questão da “Soberania e Inserção Internacional”. As propostas apresentadas pelos palestrantes nesses quatro painéis serão reunidas em documento que será entregue aos candidatos à Presidência da República.
Assista à íntegra do debate: