5G: hegemonia geopolítica sobre o futuro do desenvolvimento tecnológico

Matéria com chamada de capa publicada no Jornal 615 do Clube de Engenharia, nas páginas 4 e 5 – Disputa e pressões sobre o Brasil, que trata da Hegemonia política sobre o futuro do desenvolvimento tecnológico. CLIQUE AQUI PARA LER O JORNAL 615 COMPLETO.

Guerra comercial entre EUA e China expõe atraso do 5G no Brasil e falta de estratégia nacional para a indústria de telecomunicações

A quinta geração da tecnologia de transmissão de dados via redes móveis (5G) é carregada de promessas de revolucionar o mercado de telecomunicações. A velocidade, até 20 vezes maior que o 4G, e a baixa latência, 10 vezes menor, permitirão, nos próximos anos, o florescimento ou melhoramento de produtos e serviços, como a Internet das Coisas, carros autônomos e mesmo cirurgias médicas a distância. O pano de fundo, no entanto, é complexo: uma corrida por hegemonia contrapõe EUA e China, que disputam mercados na implementação do 5G e desenham a fronteira de uma guerra comercial pautada pelas tecnologias digitais. O Brasil patina nessa arena: após seguidos adiamentos nos leilões para uso comercial do 5G, o país agora sofre pressões dos EUA para excluir de seu mercado a Huawei, gigante das telecomunicações chinesa e líder mundial do 5G.

Brasil pode perder com guerra comercial

Para Marcio Patusco, conselheiro do Clube de Engenharia e subchefe da Divisão Técnica Especializada de Ciência e Tecnologia (DCTEC), é preciso analisar o contexto geopolítico. Segundo ele, a guerra comercial travada entre EUA e China não se restringe ao 5G, mas avança para uma disputa na hegemonia global do desenvolvimento tecnológico.

“Evidencia-se isso ao se constatar dados da WIPO (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), entidade da ONU, onde a China vem se colocando na liderança mundial em número de registros de patentes, marcas registradas e design industrial (ver artigo no Jornal do Clube de Engenharia de março de 2019)”. A última edição da Fortune 500, ranking da revista de negócios americana que relaciona as maiores 500 empresas do mundo, trouxe pela primeira vez, em 2020, a China como o país com mais empresas elencadas, 124, contra 121 dos EUA.

“O 5G, por ter uma visibilidade que atinge quase toda a população mundial usuária de celulares, ganha destaque especial numa disputa geopolítica por manutenção de protagonismo tecnológico. Bloquear a participação de um determinado fornecedor por suspeitas de quebra de segurança, deveria, no mínimo, motivar investigações por parte da Organização Mundial do Comércio (OMC) no sentido da análise de sua veracidade. O interessante é que as acusações partem de um país desmascarado internacionalmente por denúncias de Edward Snowden por ter efetivamente espionado empresas e órgãos públicos de diversos outros países, incluindo o Brasil, com objetivos de obter vantagens econômicas e diplomáticas”, questiona Patusco, lembrando o escândalo revelado em 2013 pelo jornal inglês The Guardian e pelo estadunidense The Washington Post.

O bloqueio em questão refere-se à pressão que o governo dos EUA tem feito sobre outros países para que estes proíbam em seus mercados a chinesa Huawei, sob acusações de que ela realizaria espionagem a mando do governo chinês. Numa ofensiva para impedir que a empresa tenha seus equipamentos (como antenas) utilizados na implementação do 5G no Brasil, os EUA propuseram às autoridades brasileiras, em outubro, fundos para financiar a construção de infraestrutura da tecnologia por aqui.

Para Patusco, o banimento da Huawei teria implicações negativas para o mercado nacional. “Maiores custos, menor diversidade e atraso em implementação de novas facilidades podem ser citadas como perdas possíveis com a exclusão da Huawei. Obviamente isto acabará por ser repassado aos preços para o usuário final. A Huawei é a maior fornecedora mundial de equipamentos de redes de celular, detêm reconhecidamente o melhor time to market e os menores preços de equipamentos e sistemas. São fornecedores da maioria dos prestadores mundiais de celular, inclusive os da própria China que tem a maior rede mundial com cerca de 800 milhões de aparelhos, e também o Brasil, quarta rede mundial de celulares com cerca de 200 milhões de aparelhos”, avalia o conselheiro.

“O alinhamento com uma posição americana pode impactar nosso país no relacionamento com a China, seu maior parceiro comercial, além de poder configurar uma ação ineficaz pelo eventual encaminhamento que será dado à questão pelos democratas após a recente eleição americana. Portanto, não vemos com nitidez nenhuma vantagem adjacente que possa ser arguida para justificar
um alinhamento com os EUA no banimento de um fornecedor. Aliás esta é a posição que as operadoras de celular no Brasil também vêm expressando. Afinal, são elas que vão
pagar bilhões e bilhões de reais pelas frequências no leilão do 5G e que teriam que adquirir injustificadamente mais caro também os equipamentos de rede”, explica.

Atrasos no 5G brasileiro

A disputa entre EUA e China se soma a um atraso nos leilões das frequências do espectro eletromagnético em que operarão as antenas de 5G no Brasil. Em janeiro de 2020, o jornal do Clube de Engenharia noticiou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), apesar de ter regulamentado o uso das faixas de 2,3 GHz e 3,5 GHz em 2019, adiou seu leilão, que ocorreria no início de 2020, para 2021.

“Uma das frequências do leilão do 5G, a de 3,5 GHz, que em conjunto com as frequências de 700 MHz, 2,3 GHz e 26 GHz formam um espetacular leilão de blocos para a nova geração dos celulares, tem um problema ainda não resolvido pela Anatel. Esta faixa atualmente é ocupada pelas transmissões de TV aberta, se constituindo atualmente em cerca de 10 milhões de parabólicas espalhadas pelo país, que deverão, ou conviver, com a inclusão de filtros, com o celular, ou serem movidas para a faixa disponível da banda Ku de 12 GHz”, contextualiza Marcio Patusco.

As operadoras de celular e os radiodifusores de TV estão em lados opostos nesta discussão. Ambas as soluções apresentam vantagens e desvantagens, explica o conselheiro, sendo a colocação de filtros a indicada como mais adequada pela Anatel. “Foram realizados testes de laboratório e de campo durante o ano de 2020, que acabaram em parte impactados pela pandemia, e que finalmente esperam por uma decisão da agência. Daí a razão para os atrasos. Acredita-se que o leilão poderá ocorrer no primeiro semestre de 2021, com as primeiras instalações do 5G, trazendo todas as suas potencialidades de velocidade, latência e aplicações, se efetivando em finais desse mesmo ano ou no início de 2022”, aponta Patusco.

Falta estratégia para indústria nacional de telecomunicações

Se, por um lado, a guerra comercial e os atrasos no 5G expõem o Brasil, podendo trazer prejuízos no comércio exterior e na diplomacia, por outro, pode ser uma oportunidade de fomentar o desenvolvimento nacional de telecomunicações.

”A adoção de diversidade de fornecedores estimula a competição e sempre introduz alternativas de solução que mais se adequem a uma realidade nacional. Esta é uma oportunidade para o fomento de P&D e de desenvolvimento de uma cadeia produtiva nacional, que desde a privatização passou a ter uma componente diminuta no fornecimento de equipamentos e sistemas para o setor, num país que já foi exportador de eletroeletrônicos na década de 90, e que passou a importador com déficits seguidos na balança comercial, que atualmente beiram os 30 bilhões de dólares anuais. Cabe à Anatel e ao Ministério das Comunicações estabelecer os requisitos que apoiem essas iniciativas”, avalia Patusco.

“Na privatização ocorrida em 1998 não houve preocupação efetiva em se apoiar P&D nem a indústria local, que naqueles tempos era responsável por quase metade dos fornecimentos para equipar as diversas redes de telecomunicações existentes. A indústria local nas décadas de 70, 80 e 90 se constituía em importante núcleo de desenvolvimento de soluções adequadas à realidade nacional, tais como sinalização telefônica via satélite, orelhões, cartões indutivos, centrais de comutação, equipamentos de rádio e fibra ótica, entre outras. O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento - CPqD - da Telebrás, e suas incubadas, era considerado o maior centro de desenvolvimento fora do eixo EUA, Europa, Japão. Aos poucos as indústrias foram sendo desmanteladas e o surgimento de novas se deu de forma tímida”, relembra o conselheiro. Assim, principalmente a partir dos anos 2000, as aquisições de novos equipamentos e sistemas pelas prestadoras de serviços privadas migraram para o mercado internacional. “Os recursos públicos destinados a este desenvolvimento pós privatização — os fundos de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) e de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) — foram criados, mas seguidamente contingenciados para outras finalidades.”

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