“Nós não sabemos, não sabe a sociedade nem o Congresso, os termos da retomada das negociações, pois elas estão sendo levadas a cabo em segredo”, adverte o cientista político Roberto Amaral, que estava à frente do Ministério de Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004. Na ocasião, uma primeira versão de acordo para uso da base pelos americanos foi retirada do Congresso Nacional, após os termos acertados ainda na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso terem sido considerados “lesivos à soberania nacional” pela Câmara dos deputados ao aprovar parecer elaborado pelo deputado Waldir Pires. Coube ao chanceler Celso Amorim comunicar ao governo americano que o assunto estava encerrado.
Por isso, a volta dessa discussão preocupa Roberto Amaral. “Tememos todos, pois o precedente é grave. Os termos do acordo firmado no governo FHC eram antinacionais e lesivos à soberania nacional”.
Posição estratégica
A base está localizada na península de Alcântara, no Maranhão, e é operada pela Agência Espacial brasileira. Entre suas principais vantagens constam a facilidade do acesso aéreo e marítimo, a baixa densidade populacional e a proximidade da linha do Equador, que representa economia de combustível no lançamento de satélites. Diz Amaral que os EUA têm interesse apenas em usar a base como se fosse deles, e o nosso espaço para lançamentos comerciais ou militares deles. O que ganhamos com isso? questiona.”
Conjuntura mundial
A professora Nadine Borges, advogada que coordena a área de Relações Externas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que os termos apresentados na primeira tentativa de acordo com os EUA impunham várias proibições ao Brasil. E autorizavam o desembarque de contingentes militares na base, com acesso exclusivo às suas instalações. “A tecnologia e o conhecimento utilizados eram fechados, não poderiam ser conhecidos pelos brasileiros, e isso significaria alienar parte do nosso território”, diz Nadine.
Ela destaca, ainda, o contexto geopolítico global, lembrando que a localização da base é adequada também para o lançamento de mísseis. Outro problema, na avaliação da especialista, é a falta de divulgação das intenções governamentais. “Não sabemos os objetivos do governo brasileiro, não sabemos os termos da proposta, nem o que está sendo negociado”, afirma. “
“A confirmação de que há uma negociação decorreu de vazamentos na imprensa, o que é preocupante também.” Embora o acordo tenha que passar pelo Congresso Nacional, teme-se que tramite sem tempo para debates e a participação da sociedade.
Autonomia espacial
Roberto Amaral aponta a intenção deliberada dos EUA de impedir o Brasil de obter autonomia na área espacial. O ex-ministro se reporta a algumas, entre outras, das cláusulas críticas do acordo que se pretende ressuscitar: “Previa a possibilidade de veto político (sem necessidade de justificativa) dos EUA a lançamentos, brasileiros ou não, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (…); proibia nosso país de cooperar (entenda-se como tal aceitar ingresso de equipamentos, tecnologias, mão de obra ou recursos financeiros) com países não membros do regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (Missile Techonology Control Regime – MTCR – art. III, b); proibia o Brasil de incorporar ao seu patrimônio ‘quaisquer equipamentos ou tecnologias que tenham sido importados para apoiar atividades de lançamento’ (art. III, C); proibia o Brasil de utilizar recursos decorrentes dos lançamentos no desenvolvimento de seus próprios lançadores (art. III, E); obrigava o Brasil a assinar novos acordos de salvaguardas com outros países, de modo a obstaculizar a cooperação tecnológica (art. III, f); proibia os participantes norte-americanos de prestarem qualquer assistência aos representantes brasileiros no concernente ao projeto, desenvolvimento, produção, operação, manutenção, modificação, aprimoramento, modernização ou reparo de Veículos de Lançamento, Espaçonaves e/ou Equipamentos afins (art. v, 1).”