Big techs começam a disputar liderança em pesquisas sobre plataformas que permitem conexões entre múltiplas pessoas em ambiente virtual imersivo, o que pode mudar o cotidiano da humanidade 

O anúncio feito pelo Facebook em outubro de 2021 de que iria focar seus esforços no desenvolvimento de aplicativos e equipamentos voltados para o metaverso gerou grande alvoroço no mundo da tecnologia. A maior rede social do mundo mudou até seu nome para Meta, provocando fortes especulações com relação à nova aposta feita pelo CEO Mark Zuckerberg. Afinal, se suas projeções estiverem certas em poucos anos a maneira como a humanidade vai se relacionar no trabalho, no lazer, nos estudos e nas compras vai mudar radicalmente e um novo padrão de comunicação digital será dominante onde a realidade física perde importância.

O termo metaverso não é novo. Foi criado pelo escritor estadunidense de ficção científica Neal Stephenson na obra “Nevasca”, publicada em 1992. Já  no fim da década de 1990 se popularizou com a criação da plataforma comercial da Web Second Life, que trazia justamente essa possibilidade de interações num ambiente totalmente digital. O produto acabou perdendo força. No entanto, o desenvolvimento da realidade virtual e da realidade aumentada nos últimos anos trouxe mais sofisticação para as plataformas de metaverso, que começaram fazer sucesso no universo dos games e também do entretenimento. Além dos avanços tecnológicos, o isolamento social provocado pela pandemia antecipou mudanças detectadas pelo Facebook e resultaram na nova estratégia.

 

O metaverso já mobiliza uma gama muito ampla de pesquisadores e profissionais, inclusive no Brasil. Esse desenvolvimento tem dado impulso a uma economia criativa que exige cooperação entre áreas que não costumam sentar lado a lado nas carteiras das universidades, com suas divisões tradicionais entre Ciências Exatas, Biológicas e Humanas. Um sinal disso é a atuação do engenheiro Gerson Cunha como professor do Programa de Pós-Graduação em Mídias Criativas da Escola de Comunicação da UFRJ. Ele também é pesquisador do Laboratório Interdisciplinar de Métodos Computacionais de Engenharia (Lamce) da Coppe/UFRJ e tem ajudado nesta ponte necessária entre a tecnologia e a criação de conteúdo. 

O laboratório da Coppe possui Centro de Visualização capaz realizar projeções em 360 graus, cave 3D com rastreamento de movimento, tela holográfica e outros recursos voltados para a visualização científica. Suas aplicações servem para diversas áreas do conhecimento e também tangenciam as criações no metaverso.  

O interesse da Comunicação é por apoio técnico para a criação de projetos nas áreas de publicidade, cinema, games e entretenimento em geral. É um prenúncio de como áreas tradicionalmente opostas vão se integrar no futuro. Uma das novidades propostas no programa da ECO foi um projeto que permitia uma defesa de tese ou dissertação num ambiente virtual. Para a apresentação do projeto, aluno e integrantes da banca entraram nesse cenário em que houve a reunião. A viabilidade dessa iniciativa pode facilitar, por exemplo, programas de mestrado ou doutorado reúnam pessoas de diferente continentes para essa e outras atividades. 

“O potencial do metaverso é monstruoso. Isso está sendo possibilitado por placas cada vez mais poderosas e pelo avanço da velocidade da internet. Com o advento do 5G, as possibilidades se ampliam ainda mais”, afirma Cunha.

Tecnologia para infinitas possibilidades

Grande parte dos trabalhos que estão sendo desenvolvidos é para interações imersivas em filmes de 360 graus. Além de games, muitos artistas já fizeram shows projetados nesses universos paralelos, como a apresentação da cantora Ariana Grande no jogo Fortnite no ano passado, considerada um grande sucesso. Um marco nesse processo, foi a apresentação do rapper Travis Scott em abril de 2020 no mesmo game. O show foi visto ao vivo por 14 milhões de pessoas.  

No entanto, as possibilidades do metaverso são infinitas e incluem também aplicações para a engenharia, como manutenção de máquinas e planejamento de obras. Até que ponto isso fará parte do dia-a-dia das pessoas, na opinião do pesquisador, vai depender da evolução dos óculos 3D, que precisam aumentar a sensação de conforto, e “do efeito de marketing para que as pessoas se acostumem”. Afinal, muitas soluções fracassaram nos últimos anos, como a TV 3D, e o próprio Second Life se mostrou um fiasco. 

Para o professor Antônio Marcos Alberti, do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em poucos anos as interações no metaverso tendem a se tornar não só frequentes como podem ser predominantes e substituir o contato que temos hoje com o celular. Os mais jovens podem preferir até viver imersos nesse campo do que a realidade do mundo físico. Ele está escrevendo um livro sobre hiperconvergência e acredita que essa fusão entre várias realidades virtuais será comum, trazendo mais produtividade por um lado e deficiências para as pessoas, como perda de capacidade de foco e atenção. 

“Trocar o celular pelos óculos de realidade virtual ou usar os dois dispositivos ao mesmo tempo, viver conectado em várias realidades ao mesmo tempo, esse parecer ser o futuro”, explica Alberti. 

O pesquisador afirma que o desenvolvimento tecnológico está acelerando essas mudanças, mas acredita que a chegada de internet mais rápida, como o 5G, ainda não será suficiente para sustentar o avanço do metaverso. Como esse sistema não foi projetado para a duplicação do espaço físico, se o uso passar a ser muito intenso para esses encontros em ambiente virtual o funcionamento pode ser frustrante. Por isso, crescem as atenções para as pesquisas sobre o 6G, que no Brasil estão sendo realizadas em parceria entre o Inatel e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), envolvendo diversas universidades. 

“Estamos pelo primeira vez em pé de igualdade com projetos grandes de pesquisa no exterior”, garante o pesquisador.


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Desenvolvimento coletivo crescente

A mobilização de pessoas nesse desenvolvimento só tende a crescer. Para Alexandre Calil, cofundador da associação XRBR, que congrega empresas e profissionais produtores de mídias imersivas, parte dessa mudança já está acontecendo nas demandas recebidas por essa indústria nascente no Brasil. Segundo ele, até 2020 os projetos eram iniciativas isoladas, com o objetivo de chamar a atenção do público. Mais recentemente, em virtude da pandemia e do anúncio do Facebook, as empresas começaram a pensar em imersões que envolvam seus próprios funcionários, como reuniões virtuais no metaverso, por exemplo. 

“As demandas das empresas eram voltadas para fora e agora estão mais dirigidas ao público interno. Deu um gás novo para o mercado. São treinamentos de funcionários, reuniões, produção de conteúdo voltado para a indústria”, conta Calil. 

A associação criada em 2017 já reúne cerca de 50 empresas brasileiras que produzem conteúdo de realidade virtual, aumentada e mista. São experiências imersivas que podem se caracterizar metaverso na medida em que os participantes se agrupam nesse ambiente virtual. O objetivo da entidade foi trocar conhecimento e experiência e principalmente elevar o padrão das produções, com vista à adoção de um código de ética. A preocupação com a realização de projetos que não causem danos físicos e psicológicos aos usuários é um dos temas em pauta. 

“Com a entrada do Facebook no metaverso, essa preocupação aumentou devido a críticas que sofreu por questões ligadas à privacidade. Já há estudos sobre os efeitos sobre a saúde sendo feitos. É uma indústria que pensa em termos globais e estamos construindo um código de ética com base no que o mundo está discutindo. Mas nossa troca de experiências já gera mais qualidade e melhorias para as pessoas”, afirma Calil. 

Se de fato o metaverso virar uma amplificação das atuais redes sociais, todas as discussões que já são travadas em torno da dependência gerada por essas mídias e o controle que exercem sobre os usuários ganharão ainda mais importância. Pois já há muita polêmica sobre a propagação de fake news, teses negacionistas, manipulação política e incentivo à intolerância nessas plataformas, que pode aumentar. A preocupação sobre os efeitos psicológicos e neurológicos do uso intenso dos dispositivos também existe. 

Paralelamente às discussões sobre qualidade e ética nessas produções, cresce o interesse comercial com relação a essa realidade paralela. O processo de avanço do metaverso gera possibilidades de negócios para o varejo, que pode passar a vender produtos através desses ambientes, mas também para a venda de objetos virtuais.  

Consumo via realidade virtual

A coordenadora do Mestrado em Economia Criativa da ESPM-RIO, Isabella Perrotta, aponta que antes mesmo da pandemia, as principais consultorias de marketing do mundo, como a WGSN  e Euromonitor, já avaliavam que a década atual já seria a do consumo via realidade virtual. É um cenário em que ao mesmo tempo em que as pessoas estão procurando se informar cada vez mais sobre as empresas e os produtos também se preocupam cada vez mais com a sua imagem. 

“O metaverso vai ao encontro de uma mentalidade em que o intangível é mais importante que o tangível. O parecer fica mais importante e supera a falta do ter”, explica a professora. 

A lógica é que se as pessoas vão fazer reuniões de trabalho ou de negócios no ambiente virtual precisam portanto se apresentar bem. Não basta criar um avatar simpático, as roupas virtuais precisam transmitir status. As empresas também deverão investir no design das salas e dos móveis. Parece inacreditável, mas já é real. A marca de luxo Gucci vendeu uma bolsa virtual por mais de US$ 4,1 mil para usuário da empresa de games Roblox. O detalhe é que a equivalente física sai por US$ 3,4 mil. Há outros exemplos também impressionantes, como o leilão de um iate arrematado por US$ 650 mil para ser usado no game The Sandbox, ou de um terreno virtual na plataforma Decentraland vendido por US$ 2,4 milhões. 

Sem dúvida, o metaverso promete movimentar somas muito altas e o domínio tecnológico desse espaço já gera uma guerra entre as chamadas big techs. Segundo o especialista em tecnologia e inovação Arthur Igreja, “existe uma corrida por dominância, protocolos, ambientes, e a engenharia é muito rica em histórias”. Ele acredita, entretanto, que deve predominar com o tempo um caminho de cooperação e convergência. 

“Já aconteceu isso em padrões de redes industriais, com a internet e seus vários protocolos. No surgimento de uma nova tecnologia o que acontece, tradicionalmente, é isso. Vários players tentando defender o seu”, explica Igreja. 

De fato, empresas como Microsoft, Google e o próprio Facebook (Meta) já se reuniram na XR Association para a discussão de padrões para a realidade virtual e outras tecnologias semelhantes. Para as pequenas empresas brasileiras, navegar nesse mar da inovação do metaverso é lidar, portanto, com constantes mudanças e necessidade de adaptações. Flavio Mayerhofer, da Studio XR, tem obtido boas oportunidades com a nova tendência, que espera ter vindo para ficar. A empresa trabalha em ambiente próprio de metaverso há seis anos e há dois vem realizando trabalhos para empresas e eventos, com o 3Dpara.de. Recentemente participou do festival montado por empresa de telefonia no centro cultural Laura Alvim, em Ipanema, onde os visitantes “viajavam” num drone sobre o Arpoador. 

“Hoje em dia temos uma salada de tecnologias que são embarcadas e que mudam o tempo todo. Mas o que vale é o know-how, é o conceito, é como sabemos viabilizar essas coisas acontecerem”, diz Mayerhofer. 

Nessa corrida por espaço no metaverso, quem se antecipa tende a levar vantagem.


Ilustrações: Pixabay e Studio XR

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