Por Sérgio Magalhães, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB. Artigo publicado originalmente no Jornal O Globo de 7 de novembro de 2015.
Está em mãos da presidente Dilma Rousseff asfaltar, ou não, a Estrada dos Malfeitos. A estrada também pode ser alargada e estendida. Ou não.
A essência é: o país quer, ou não quer, projetar o seu espaço?
É verdade que o Brasil convive com o “imprevisto” desde Pedro Álvares Cabral. Dom João e sua Corte chegaram aqui, fugidos de Napoleão, no improviso. O Império foi fundado num impulso do príncipe às margens do Ipiranga. A República foi proclamada em um susto do velho marechal. A capital foi para Brasília por arroubo do candidato JK em comício em Goiás.
Nada disso, de fato, foi imprevisto. Tudo foi longamente pensado; as providências é que são postergadas até o último momento. Aí, improvisa-se.
Mas, com 205 milhões de brasileiros, grande economia, 20 metrópoles — não dá para ignorar a nossa complexidade. Ainda que o país não seja chegado ao planejamento, os tempos atuais são férteis em demonstrar que a imprevidência e o improviso são parteiros para todo tipo de rebento malfeito.
Veja-se a Petrobras. Desde 1998 dispõe de um “regime licitatório diferenciado” que lhe permite encomendar suas refinarias sem projeto. Em 2011, ante a premência da Copa do Mundo e a falta de projetos não providenciados, o governo adotou um procedimento assemelhado. Criou o “Regime Diferenciado de Contratações” (RDC) e a “Contratação Integrada” (como o nome diz, “contrata integradamente projeto e obra”). Assim, entregou aos empreiteiros o projeto e a construção dos estádios. Aproveitou para incluir nesse regime as obras das Olimpíadas, do PAC e do SUS — onde a falta de projetos era conhecida. Nós hoje sabemos o resultado, seja no custo dos estádios, nas obras atrasadas ou no mostrado pela Operação Lava-Jato.
A Contratação Integrada-RDC admite licitar a obra com base em informações técnicas precárias, insuficientes para definir custos, prazos e qualidade. Isso só seria aceitável em condições especialíssimas. Como regra universalmente aceita, o projeto completo é indispensável. Tratando-se de obra pública, é o mínimo capaz de oferecer a necessária transparência na contratação da empreiteira.
Há semanas, o governo editou nova MP ampliando o RDC para obras de segurança pública. Mas, no improviso, talvez, o Congresso estendeu a sua aplicação a todas as obras de mobilidade, de infraestrutura e de educação, ciência e tecnologia. Ou seja, para as obras públicas no Brasil, federais, estaduais e municipais.
Você acha que o trânsito vai melhorar? Que os rios serão despoluídos? Que a violência urbana diminuirá? Que as safras serão escoadas com mais facilidade? Que teremos mais pesquisa e inovação? Que os custos diminuirão?
Esta Medida Provisória, assim estendida, se encontra à sanção da presidente.
É certo que, nas últimas décadas, o Brasil desestruturou seus sistemas de planejamento, urbano e territorial, e de gerenciamento de projetos e de obras, públicos e privados. Quando voltou a possibilidade de investimentos no país, não buscou recuperar e fortalecer esses sistemas. Ao contrário: a premência e o improviso, bem como o interesse comercial das empreiteiras e o pragmatismo de resultados imediatos da administração pública, promoveram a sua contrafação: a Contratação Integrada-RDC.
Se, no âmbito federal, tal regime já demonstrou suas imensas possibilidades negativas, imagine-se estendido para os estados e os municípios, onde os serviços de acompanhamento e fiscalização são mais frágeis. Encomendando-se a construção de pontes sem projeto, escolas sem projeto, saneamento sem projeto, metrôs sem projeto, presídios, edifícios administrativos, tudo, enfim, não é exagero afirmar-se que a sociedade, que paga, pagará duplamente com alto preço e baixa qualidade (sem projeto = mal feito e bem pago).
É o momento para aperfeiçoar a Lei de Licitações (8.666/93), ao invés de sepultá-la pelo RDC. Precisamos sair da armadilha do improviso e do premente.
Querem asfaltar a estrada. Veta, Dilma!, é o que pede a previdência. Sanciona, Dilma!, é o que diz o malfeito.
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* Sérgio Magalhães é arquiteto e doutor em Urbanismo (UFRJ/FAU-Prourb), professor do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU-UFRJ. Foi secretário municipal de Habitação do Rio de Janeiro (1993-2000) e secretário de Estado de Projetos Especiais do Rio de Janeiro (2001-2002). Recebeu o Prêmio FAD-2012, em Barcelona, concedido à PCRJ pelo Programa Favela-Bairro; recebeu do SAL-2013, em Bogotá, o “Prêmio América de Arquitetura”. É presidente do IAB – Direção Nacional.