Crime organizado: da política de preços à venda de refinarias

Foto: Petrobrás

Por Cláudio da Costa Oliveira, economista aposentado da Petrobrás
Fonte: Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

O INÍCIO

Pedro Parente assumiu a presidência da Petrobras em junho de 2016 (com R$ 100 bilhões em caixa) prometendo “recuperar” financeiramente a companhia.

Em setembro lançou o Plano de Negócio e Gestão - PNG 2017-2021.

Nele, Parente introduziu a métrica de alavancagem: dívida liquida/ebitda ajustado, totalmente inadequada e extemporânea. O Plano estabelecia para o indicador uma meta de 2,5 a ser alcançada em 2018.

Primeiramente, é importante saber que o indicador Ebitda (sigla em inglês) não é padronizado, o que impede comparativo entre empresas. Por isso nenhuma grande petroleira apresenta este indicador em suas publicações oficiais. Por outro lado a métrica é falsa e leva a conclusões erradas quando a empresa está em fase de investimento e a dívida feita ainda não está gerando o caixa esperado para os projetos (caso da Petrobras).

Nenhuma grande petroleira utiliza esta métrica. Para avaliar o grau de endividamento é sempre utilizado o indicador debty/equity, que é a divisão da dívida liquida pelo somatório da dívida liquida com o patrimônio liquido:

Debty/equity = dívida liquida / dívida liquida + patrimônio liquido

Neste caso, se a empresa é uma petroleira é necessário que ela registre adequadamente em seu patrimônio seus direitos de produção em reservas. Para isso é preciso fazer a delimitação das jazidas para definir o volume das reservas.

O pré-sal foi descoberto em 2006 e até hoje não foi feita delimitação de nenhuma de suas áreas.

A definição das reservas do pré-sal faria com que o direito legal de preferência que a Petrobras tem na exploração dessas reservas tivesse de ser valorado e registrado em seu patrimônio. Isso faria com que o patrimônio da companhia aumentasse substancialmente, aumentando proporcionalmente o valor patrimonial de suas ações. Por outro lado, o indicador debty/equity mostraria uma empresa muito pouco endividada.

É por isso que a Petrobras atrasa a delimitação das jazidas. Isto vai contra o interesse daqueles que querem vende-la e hoje administram a companhia.

Desta forma a métrica divida liquida/ebitda ajustado só serve para confundir e levar à falsa necessidade de venda de ativos e redução de dividas.

PARIDADE INTERNACIONAL OU PARIDADE DE IMPORTAÇÃO+LUCRO?

Em 14 de outubro de 2016, Parente lançou seu segundo plano para destruição da Petrobras; uma nova política de preços:

“Essa política a ser praticada pela Companhia terá como princípios:
1) O preço de paridade internacional
2) Uma margem para remuneração dos riscos inerentes a operação.
3) Nivel de participação no mercado
4) Preço nunca abaixo da paridade internacional
A política que será posta em prática prevê avaliações para revisões de preços pelo menos uma vez por mês”

Aí começou a enganação do povo brasileiro. Para se resguardar, em Fatos e Dados de 14 de outubro de 2016 a empresa informou:

“A nova política de preços terá como base dois fatores a paridade com o mercado internacional – também conhecido como PPI e que inclui custos como fretes de navios, custos internos de transporte e taxas portuárias – mais uma margem que será praticada para remunerar riscos inerentes à operação, como, por exemplo, volatilidade da taxa de câmbio e dos preços sobre estadas em portos e lucro, além de tributos. A diretoria executiva definiu que não praticaremos preços abaixo desta paridade internacional.”

Portanto, na realidade, o que eles chamavam de “Paridade Internacional” era, de fato, “Paridade de Importação + Lucro”. Ou seja, o mesmo que custo de importação + Lucro.

Então fica a pergunta: nessas condições para que serve a Petrobras?

Podemos fechá-la (objetivo final) e passar a importar os derivados que os preços no mercado interno permaneceriam os mesmos.

Qual a importância de sermos autossuficientes em produção de petróleo e derivados?

De que importa a Petrobras ser líder mundial em exploração e produção em águas profundas e ultra profundas?

Que benefício nos trará a descoberta do pre-sal?

Um artigo recente salienta:

“A obtusa, patética e obscura direção da Petrobras, ao contrário do padrão mundial de administração de grandes petroleiras, NÃO SÃO PESSOAS DO MUNDO DO PETRÓLEO, são apenas financistas e criou uma nova doutrina econômica única no mundo: uma grande empresa AJUDA A CONCORRÊNCIA a assumir sua fatia do mercado onde ela é dominante. VAMOS ABRIR PARA A CONCORRÊNCIA, é coisa inédita para uma empresa de capital aberto.

Se eu tenho um mercado, QUE É UM VALOR – mercado vale mais que ativo físico – por que vou cedê-lo a um concorrente? Porque É MELHOR TER CONCORRÊNCIA. Mas melhor para quem ? Não é para quem vai perder o mercado, mas a direção da PETROBRAS acha que ceder mercado é bom, gostoso, faz bem a saúde, é bonito. A PETROBRAS é dona do mercado e gentilmente entrega para a SHELL de graça, por ideologia neoliberal. É LINDO.(Andre Mota de Araujo, 2019).

Sendo uma empresa estatal, o patrimônio da Petrobras pertence ao povo brasileiro. Seus administradores têm a obrigação de cuidar deste patrimônio com mais atenção do que cuidam de seus próprios patrimônios.

Fica uma pergunta ao leitor: se a empresa fosse sua, você adotaria esse tipo de política de preços?

Por onde anda o MPF?

Mas uma empresa como a Petrobras não pode ser destruída com facilidade, mesmo com seus dirigentes se esforçando para isso.

Não existia, e ainda não existe, estrutura de logística para importar todo o consumo brasileiro. Faltam terminais para importação e pátios de estocagem.

Nunca houve qualquer transparência sobre a forma como os preços estavam sendo calculados. Todos acreditaram que o princípio estabelecido “Nivel de participação no mercado” significava trabalhar no sentido da Petrobras manter o seu “market share”, com baixa ociosidade das refinarias.

Mas os fatos mostraram que era exatamente o inverso que ocorria. A empresa perdia mercado para os importadores, o que só seria possível se os preços estivessem muito acima dos de “Paridade de importação”. Só aí que a “ficha caiu”. Na verdade Parente não trabalhava pela manutenção do mercado da Petrobras, ele trabalhava para desenvolver o mercado brasileiro para refinarias estrangeiras (principalmente americanas) e os “traders” internacionais.

Assim sendo a ociosidade das refinarias da Petrobras aumentou rapidamente, como demonstra o gráfico a seguir:


(Coutinho, F., 2019)

Parente mantinha o discurso da existência de problemas financeiros e de que a companhia estava em processo de recuperação financeira.

APERFEIÇOANDO PARA ENTREGAR

O aumento da ociosidade nas refinarias causava aumento correspondente na exportação de óleo cru.

Mas os importadores e as refinarias estrangeiras ainda não estavam satisfeitos. O modelo podia ser melhorado. O câmbio e o preço do petróleo oscilavam com muita frequência. A correção mensal de preços estabelecida na nova política dificultava os negócios.

Então, em 30 de junho de 2017, Parente resolveu o problema implantando nova política de preços:

“Nossa Diretoria Executiva aprovou, ontem, a revisão da política de preços de diesel e gasolina comercializados em nossas refinarias, visando aumentar a frequência de ajustes nos preços que passará a vigorar na próxima segunda-feira, dia 3 de julho” (...) "A revisão da política aprovada permitirá maior aderência dos preços do mercado doméstico ao mercado internacional no curto prazo e possibilitará a companhia a competir de maneira mais ágil e eficiente”

Ao mesmo tempo, o G1-Economia informava:

“A Petrobras revisou nesta sexta-feira (30) a política de preços do diesel e da gasolina, dando certa liberdade para que a área de marketing e comercialização da empresa reajuste a cotação na refinaria de forma mais frequente, inclusive diariamente, em busca de competitividade e COM O OBJETIVO PRINCIPAL DE RECUPERAR RECEITA E PARTICIPAÇÃO DE MERCADO.”

A nova política que dizia ter o objetivo de “recuperar a participação de mercado” animou os importadores de derivados que neste mesmo mês de julho criaram a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis – ABICOM, formada por 9 empresas, a maioria empresas internacionais.

Em fevereiro de 2018, a ABICOM envia oficio ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade solicitando abertura de investigação para detectar possíveis práticas de anti concorrência pela Petrobras.

O Cade é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que tem como objetivo orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos do poder econômico, exercendo papel tutelador, da prevenção e da repressão do mesmo.

Mas qual seria a prática anti-concorrência da Petrobras ?

Desde 1997 o mercado brasileiro de petróleo e derivados é aberto á livre concorrência. Exploração, produção, refino e distribuição estão abertos a quem quiser e tiver competência para competir.

Qualquer empresa decente defende suas conquistas e seus direitos até a última instância.

Mas é isso que faz a Petrobras?

Não. Segundo informação do Valor Econômico :

“A companhia nega a acusação e aponta que o crescimento das importações por agentes comprova que a estatal não impõe obstáculos à atuação dos abastecedores”

A Petrobras aceita as imposições do Cade sem nenhuma atuação de autodefesa diante das acusações absurdas.

Em algum momento, acho que após a greve dos caminhoneiros (maio/2018), o site da Petrobras substituiu o termo “Preço de paridade internacional” por “Preço de paridade de importação” com a explicação:

"Preços para a Gasolina e o Diesel
Os preços para a gasolina e o diesel vendidos às distribuidoras tem como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo. A paridade é necessária porque o mercado brasileiro de combustíveis é aberto à livre concorrência, dando às distribuidoras a alternativa de importar os produtos. Além disso, o preço considera uma margem que cobre os riscos (como volatilidade do câmbio e dos preços)". (Fonte: cópia do site Petrobras)

Notem que a adição do lucro, que existia na explicação de 2016, sumiu.

De qualquer forma nunca foi apresentada qualquer memória de cálculo para sabermos exatamente como os preços são calculados.

O fato é que consumidor brasileiro sabe que os preços dos derivados estão muito acima de sua capacidade de pagamento e não deveria e nem precisaria ser assim.

A política de preços da Petrobras penaliza os consumidores brasileiros, que tem de pagar preços mais elevados do que deveriam.

Penaliza a própria Petrobras que perde mercado e renda, ficando com suas refinarias na ociosidade.

Prejudica a economia brasileira que se torna menos competitiva.

Só beneficia os “traders” internacionais e as refinarias estrangeiras para onde transferimos empregos e renda.

Em 2019 o Brasil exportou 1,3 milhões de barris dia de petróleo cru (44% da produção) e importou 600 mil barris dia de derivados.

Estamos vendendo óleo cru e importando derivados enquanto nossas refinarias ficam na ociosidade.

DRIBLANDO A LEI PARA VENDER REFINARIAS

Em 06 de junho de 2019 o STF decidiu:

“que o governo pode vender empresas subsidiárias de estatais sem necessidade de lei específica e sem realização de licitação. Para a alienação do controle acionário de empresas matrizes ou sociedades de economia mista, diferentemente, é preciso autorização do Legisltivo e processo licitatório.”

A votação havia começado na semana anterior e já dava para prever qual seria a decisão do Supremo.

O advogado-geral da União, André Mendonça, afirmou “o país agradece a decisão que hoje foi tomada” (...) ”o atual modelo endividou as estatais, que têm de desinvestir para que foquem naquilo que dá lucro”.

O advogado-geral mostrou que não entende nada de empresas, projetos de investimentos e balanços contábeis.

As refinarias não são subsidiárias pois fazem parte da empresa matriz. Portanto pela determinação do STF só podem ser vendidas com autorização do Legislativo e em processo licitatório.

Mas “autorização do Legislativo” e “processo licitatório” é tudo que a atual administração da companhia não quer. Aliás a imprensa já vem anunciando quais serão os prováveis compradores das refinarias que já teriam sido escolhidos.

Por nova solicitação da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis – ABICAM em abril de 2019, o Cade abriu inquérito contra a Petrobras para avaliar se a empresa estaria utilizando o monopólio no refino para ter vantagem na determinação dos preços.

Novamente, como no caso do estabelecimento da política de preços em que a empresa atuou contra os seus interesses favorecendo seus concorrentes, sem existir nenhuma exigência ou sequer solicitação, a Petrobras por vontade própria, em 04 de junho de 2019 (dois dias antes da deliberação do STF), propõe ao Cade acordo para venda de refinarias, como vemos na reportagem a seguir (link).

PORTANTO, A VENDA DAS REFINARIAS NÃO FOI UM EXIGÊNCIA DO CADE, MAS UMA PROPOSTA DA PRÓPRIA PETROBRAS COM O PROPÓSITO DE ENVOLVER O ÓRGÃO NO PROCESSO.

Segundo o mesmo a artigo do Estadão:

“Um acordo com o Cade facilitaria o trabalho do governo nesse sentido (privatizar), já que partiria de um órgão regulador a exigência da venda de ativos, cabendo à estatal cumprir a determinação. Isso evitaria discussões sobre o processo de desinvestimento”.

Logo em sequência, como se tudo estivesse combinado e planejado, em 11 de junho o Cade aprovou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) prevendo a venda de 8 das 13 unidades de refino da Petrobras até 2021.

No dia seguinte, 12 de junho, a direção da Petrobras assinou o TCC.

Todo o processo foi finalizado numa rapidez inusitada.

Um estudo muito bem elaborado retrata a situação:

“O parque de refino brasileiro conta com apenas 17 refinarias, sendo 13 unidades da Petrobrás, que respondem por 98,2% da capacidade total do País.

Em um contexto de monopólios regionais de atividades que são monopólio da União, não se considera adequada a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, de 11 de junho de 2019, de homologar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com a Petrobrás, no qual a estatal se comprometeu a alienar oito de suas treze refinarias e seus terminais e dutos associados.

Nesse TCC, estranhamente, reconhece-se que o inquérito administrativo não imputou uma conduta ilícita por parte da Petrobras.

A Conselheira Paula Azevedo, voto vencido, afirmou que 'não há nos autos do presente processo qualquer conduta – entendida aqui no sentido de comportamento ou ação – imputada à Petrobras que seria passível de tipificação como uma infração à ordem econômica'.

O que o Cade tratou como potencialmente anticompetitivo foi a estrutura do mercado de refino no País.

No entanto, a competência do Cade, nos termos do art. 173, § 4º, da Constituição Federal, é para a repressão do abuso do poder econômico, não para a repressão do poder econômico em si.

O mercado de atividades de transporte e refino, que são monopólios da União, deve ser regulado, ainda mais no caso do Brasil, onde os monopólios naturais e regionais, como ressaltou o BNDES, são evidentes.

Na produção, venda, transporte e exportação de minério de ferro, por exemplo, a Vale S.A. também tem grande poder econômico. Caberia, então, a mesma drástica e estrutural intervenção do Cade, de modo a negociar uma alienação de ativos que reduzisse a atuação da empresa privada?

Na realidade, a Petrobrás celebrou um TCC que firma remédios agressivos, de magnitudes inéditas e que retiram dela metade do atual parque de refino para entregar a concorrentes. Essa decisão dos administradores da Petrobrás, é, no mínimo, curiosa.” (Homero Pontes e Paulo Cezar Ribeiro Lima, 2019)

A bem da verdade a Vale já sofreu diversos processos por práticas de abuso do poder econômico, inclusive com a participação do Cade.

A diferença é que a Vale, como qualquer empresa faria, sempre defendeu suas posições até a última instância.

Na Petrobras, estranhamente a direção da empresa, desde 2016, trabalha em defesa dos concorrentes.

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