Retomada do controle público e estatal pode dar lugar a privatizações desastrosas

A previsão é do professor Gilberto Bercovici, que deu palestra no âmbito da Divisão de Petróleo e Gás (DPG)

Enquanto o país assiste a um processo avassalador de privatização de estatais, surgem vozes que procuram se contrapor a esse movimento de total desmantelamento da estrutura empresarial pública. É o caso do professor de Direito da USP Gilberto Bercovici, que deu uma palestra dentro do ciclo de Energia promovido pela Divisão de Petróleo e Gás (DPG). O especialista defendeu a adoção pelo país do princípio da soberania econômica e expôs a necessidade de retomada do controle nacional e estatal sobre determinados setores estratégicos. Ele criticou processos de transferência de serviços e recursos ao arrepio de preceitos legais e constitucionais.

O título da palestra de Bercovici praticamente coincide o do seu mais recente livro “Nacionalização: necessidade e possibilidades” (editora Contracorrente). Na exposição, ele defendeu o resgate do conceito de soberania econômica, que não só está de acordo com as normas legais vigentes no país como vai ao encontro de princípios do direito internacional. A proposta é que o Estado tenha controle sobre suas políticas econômicas e possa operar atividades estratégicas, como exploração mineral e de petróleo e geração de energia, que são fundamentais para o funcionamento de toda a economia como um todo.

“Todo processo de privatização é uma expropriação de bens que deveriam integrar o patrimônio público dos cidadãos e é decidida por uma autoridade política que exerce o poder temporariamente. Ele vende o que pertence a todos nós e não nos consulta com relação a isso”

Ele criticou o modelo de concessão à iniciativa privada na exploração de petróleo e gás adotado pelo governo brasileiro a partir de 1997. Segundo ele, a legislação que previu esse tipo de permissão é inconstitucional, pois viola o preceito constitucional de que os recursos minerais do subsolo são bens da União, concedendo essa propriedade às petrolíferas privadas. Ainda hoje esse sistema vigora junto com o da partilha, que mantém a propriedade como sendo do Estado.

Bercovi também se colocou contra outras privatizações realizadas no fim do século passado, como o da Vale, que desfez o controle e a fiscalização estatal sobre a extração de minério de ferro, com graves consequências que resultaram nas tragédias de Mariana e Brumadinho. Segundo ele, a partir de 2016 passou a haver uma processo muito mais agressivo de transferência de bens públicos para a iniciativa privada.

“Todo processo de privatização é uma expropriação de bens que deveriam integrar o patrimônio público dos cidadãos e é decidida por uma autoridade política que exerce o poder temporariamente. Ele vende o que pertence a todos nós e não nos consulta com relação a isso”, disse o professor.

Retomada estatal: decepção com o modelo privado

Bercovi rebateu o argumento sempre empregado a favor das privatizações de que o setor privado obrigatoriamente executa as atividades com mais eficiência do que o Estado e apresentou exemplos de reestatizações que estão sendo feitas tanto na Europa quanto na América Latina em virtude da decepção com o modelo privado. Segundo ele, a legislação já trata no Brasil desse processo que pode ocorrer via encampação, recompra, desapropriação ou retomada de um serviço público pelo Estado após o prazo de vigência de um contrato.

“O fundamento da nacionalização é a soberania do Estado. É um ato pelo qual o Estado exerce sua soberania. O Estado, num ato de soberania econômica, um ato de autodeterminação econômica, ele decide e tem a liberdade de ter o seu próprio sistema econômico e social e decide o que ele deve controlar e o que deve deixar ao setor privado”, afirmou Bercovici.

Os participantes fizeram perguntas ao palestrante, que pôde aprofundar alguns aspectos da palestra. O chefe de Divisão de Engenharia Química (DTEQ), José Eduardo de Andrade, colocou a questão do controle social sobre as atividades econômicas e serviços públicos e do modelo híbrido de parceria entre o estado e a iniciativa privada. Bercovi concordou com a necessidade de dar maio poder ao cidadão, mas lamentou que as concessões tenham sido seguidas de criação de agências reguladoras praticamente impotentes. Segundo ele, apesar do interesse dos governos em parcerias, o capital privado pouco teria se mexido para firmar acordos.

O chefe da DPG, Rubin Diehl Filho, elogiou a palestra e colocou a possibilidade de desdobramentos sobre o tema em futuros eventos da Divisão, que continua sua articulação para promover o ciclo que trata de energia, com ênfase no petróleo e gás.


Inscreva-se gratuitamente pelo Sympla para a próxima palestra do ciclo promovido pela DPG.

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