Calor elevado, como verificado no Rio neste verão, aumenta riscos de acidentes com trens, mas frio intenso também é motivo de perigo
O calor registrado no Rio de Janeiro em fevereiro foi bem acima da média histórica, que já é bastante alta nesse mês de verão. O fenômeno colocou em prova a resistência não só dos moradores. Até os trilhos dos trens foram afetados pela onda de altas temperaturas. Numa tarde de sol forte, um trem descarrilou próximo a Magé, no ramal de Guapimirim da SuperVia, aparentemente em virtude da dilatação dos trilhos que causou um efeito conhecido como flambagem. As dilatações e contrações do aço, diante das variações extremas de temperatura, são bastante conhecidas e exigem estudos e projetos de engenharia adequados ao histórico dos lugares, sejam quentes ou frios.

As variações de temperatura já normalmente podem alterar o volume de certos materiais. O calor é responsável pela dilatação, devido à maior energia cinética que movimenta as moléculas. Por outro lado, o frio contrai muitos sólidos, por causa do efeito contrário. No caso do acidente na Baixada Fluminense, os trilhos estavam a uma temperatura de 71 graus Celsius, o que afetou até o alinhamento deles, que de retos ficaram serpenteados.

Considerando que as variações de temperatura ao longo do dia são normais, os projetos ferroviários de implantação de via permanente já preveem mecanismos para mitigar os problemas decorrentes da dilatação linear dos trilhos. Como recursos utilizados pela engenharia para fazer frente ao problema, há o coeficiente de dilatação do aço utilizado, prevenindo risco de desalinhamento de trilhos de uma linha, além da instalação de juntas de expansão, alívio de tensões dos trilhos na montagem inicial e periodicamente durante a vida útil da linha ou mesmo a instalação de talas de junção, que devem ser colocadas a cada mil metros.
O calor excessivo também pode afetar a resistência dos trilhos. Ou seja: sob a pressão da dilatação e mais maleável, a estrutura do material do aço pode sofrer variações por conta de deslocamentos laterais da linha. Entretanto, boas práticas de manutenção tomadas preventivamente são primordiais para evitar que se chegue aos riscos de descarrilamentos devido a flambagem da via permanente, tais como controle com correções geométricas imediatas de desalinhamento, desnivelamento de via, controle da bitola da via e superelevação, verificação rigorosa com relação ao sistema de fixação dos trilhos composto de placas de apoio, palmilhas elásticas e as fixações propriamente ditas que é conveniente que seja do modelo elásticas, com controle permanente do torque correto de aperto.
“O trabalho de manutenção também exige a utilização de dormentes em bom estado para atender as suas finalidades quer sejam de madeira ou concreto e por último o lastro de pedra britada que correta pressão de lastro, nível da camada sob dormente correta que permita uma boa drenagem evitando laqueamento, comatação e falta de sustentação devido a ausência socaria do lastro”, explica o engenheiro aposentado do MetrôRio Ernesto Roberto de Oliveira.
Conforme explicado, até as pedras no caminho podem atrapalhar a dilatação e contração dos trilhos. O laqueamento, que é popularmente conhecido pela camada de tinta sobre móveis, pode se dar pelo acúmulo de fuligem produzida pelo atrito entre as britas. Sem a limpeza, dificultam a drenagem da água da chuva e prejudicam o bom funcionamento das ferrovias.

Com relação à SuperVia e outras ferrovias de tráfego de passageiros, que tendem a enfrentar o problema cotidianamente, procura-se reduzir a velocidade das composições quando as temperaturas estão muito altas. Em ramais mais movimentados, há até um monitoramento mais frequente das vias férreas para se evitar acidentes. Estima-se que quando a atmosfera está registrando 40 graus Celsius, a temperatura nos trilhos pode chegar até a 60 graus, o que já é preocupante.
A engenharia, entretanto, tem feito esforços para minimizar o problema do calor. Trilhos feitos com material mais resistente e baixos coeficientes de dilatação podem ser fixados mais rigidamente nos dormentes. Eles são preparados, portanto, para não se deformarem com facilidade.
Além disso, novas tecnologias vêm sendo empregadas para evitar interrupções na circulação de trens por conta das variações de temperatura. A engenharia também vem evoluindo no sentido da adoção de sensores que auxiliam o monitoramento das alterações nos materiais ou que acompanham em tempo real a distância entre os trilhos. Aparelhos de ultrassom e de radiografia, por sua vez, podem apontar a presença de fissuras e defeitos, em geral, facilitando a manutenção e a segurança das vias.
Mas não é só com o calor que os trilhos de ferrovias sofrem. O frio extremo também gera problemas para a circulação dos trens. A contração alta do metal pode gerar uma separação entre as peças, o que tende a provocar acidentes. O efeito também é conhecido como “pull-apart”. O gelo, por sua vez, é outro obstáculo e até pode obstruir a passagem das composições, o que precisa ser evitado. As baixíssimas temperaturas eventualmente desaparafusam as peças ou causa rachaduras.

Em Chicago, nos Estados Unidos, a companhia que administra os trens locais adotou um método que causou estranheza por praticamente pôr fogo nos componentes. Isso porque através de um sistema de aquecimento a gás, ela acende chamas quando as temperaturas caem muito, em torno de 50 graus Celsius negativos e na Europa, como exemplo na Itália, costuma-se pintar as bases (patins) e almas dos trilhos com tinta branca especiais que propiciam uma redução da variação de temperatura dos trilhos na ordem de até mais o menos 10 graus Celsius.