Filme “Ainda Estou Aqui” reacende debate sobre desaparecidos na ditadura

Filme “Ainda Estou Aqui” reacende debate sobre desaparecidos na ditadura

Academia consagrou filme comoveu o Brasil e o mundo. Crédito: Divulgação
Filme “Ainda Estou Aqui” reacende debate sobre desaparecidos na ditadura
A Luta das Mulheres

Obra de Walter Salles ganha inédito Oscar de Melhor Filme Internacional ao retratar drama da família de Rubens Paiva, mas caso do engenheiro morto não foi isolado

O cinema nacional proporcionou ao país uma experiência que até então só era vista no mundo do esporte, em especial do futebol. Na noite do último dia 2 de março, o povo colou os olhos nas TVs e vibrou com a cerimônia de entrega do Oscar, em Los Angeles, nos Estados Unidos, que acabou consagrando o filme “Ainda Estou Aqui“, como Melhor Filme Internacional. O resultado inédito para a sétima arte brasileira já foi um feito incontestável, que deve gerar desdobramentos para as futuras produções e a cultura em geral, mas o sucesso da obra está acarretando consequências políticas. Chamou a atenção para o assassinato e desaparecimento do engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar. Levantamento mostra que a violência do regime levou à morte ou desaparecimento de pelo menos 19 outros engenheiros ou estudantes de engenharia e de geologia, tragédias que devem ser sempre lembradas para que o país não reviva época tão tenebrosa.

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Engenheiros estavam entre os mortos

O Clube de Engenharia do Brasil, entidade que apoiou o movimento das Diretas Já em prol da redemocratização do país, tem em seu Estatuto a defesa da Democracia como um dos seus princípios fundamentais. Tanto que participou do ato “Ocupa Rubens Paiva: Tortura Nunca Mais“, realizado no último dia 27 de março, na Praça Lamartine Babo, na Tijuca. O local fica em frente à antiga sede do DOI-CODI, onde não só o engenheiro foi torturado e morto como outros 52 presos políticos. A manifestação contou com o apoio também do Senge-RJ (Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro) e da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros).

Rubens Paiva, que foi preso e morto em janeiro de 1971, se formou em Engenharia pela Universidade Mackenzie, de São Paulo, em 1954. Conforme mostrou matéria da edição anterior de Clube de Engenharia em Revista, desde o período da faculdade ele se dividiu entre a profissão e a atividade política. Foi eleito deputado federal em 1962, mas não completou o mandato por ter sido cassado após o golpe de 1964. Após um curto período de exílio na Europa, retornou ao Brasil, tendo decidido atuar novamente na construção civil. Deixou São Paulo e partiu para o Rio de Janeiro com a família, período muito bem retrato no filme do diretor Walter Salles, em que o ator Selton Mello vive Rubens Paiva e Fernanda Torres interpreta sua esposa, Eunice.

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Drama da família de Rubens Paiva superou diferenças de orientação política do público

A repercussão do filme gerou uma série de outras manifestações e reportagens da mídia sobre o caso. Inevitavelmente, atingiu em cheio o STF (Supremo Tribunal Federal) onde estão recursos do MPF (Ministério Público Federal) contra decisões de tribunais que encerram o andamento de processos penais contra acusados pela morte de Rubens Paiva e outros opositores do regime militar. É que a Justiça havia adotado o entendimento de que os casos são abrangidos pela Lei da Anistia, (Lei 6.683/1979) que perdoou os crimes políticos e conexos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, o que anularia as acusações. Já o MPF argumenta que crimes de sequestro e cárcere privado, assassinato e ocultação de cadáver são graves violações dos direitos humanos e crimes permanentes, sem estarem ao abrigo dessa lei. O STF já anunciou que vai analisar os recursos em breve.

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Walter Salles laureado com o Oscar. Crédito: Divulgação

A repercussão do filme tende também a incentivar o aprofundamento das investigações de outros casos. Mesmo que os criminosos não sejam efetivamente punidos, tendo em vista que grande parte deles já morreu ou está em idade muito avançada, o conhecimento da verdade por parte da sociedade e dos familiares não deixa de ser uma reparação pelos males causados. Entre os mortos e desaparecidos no período, estão engenheiros como o baiano Jorge Leal Gonçalves Pereira, que trabalhava na Refinaria de Mataripe, então da Petrobras, como engenheiro eletricista, até abril de 1964. Seu martírio no DOI-CODI foi testemunhado pela também presa Cecília Coimbra, que hoje faz parte da Diretoria Colegiada do Grupo Tortura Nunca Mais, entidade que ajudou a fundar.

“Esse filme proporcionou um momento muito importante que estamos atravessando. O clamor internacional nos tem ajudado muito. O Grupo Tortura Nunca Mais, que existe há 40 anos, mesmo pressionando para os diferentes governos federais, os arquivos do DOI-CODI, dos Centros de Informações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sequer foram abertos. Embora muitos digam que eles foram queimados, sabemos que eles existem. Não interessa ainda aos remanecentes do terrorismo de Estado implantado no Brasil naquele período de ditadura empresarial-militar, pois ainda estão na ativa, vivos e até são forças políticas, financeiras e econômicas que apoiaram as torturas e o terror do Estado”, disse Cecília.

Cecília alerta também para a falta de informação da sociedade sobre o período por culpa até do sistema educacional, que ainda não incluiu devidamente nos currículos ensinamentos sobre a história desse período.

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Fernanda Torres interpretou Eunice Paiva no cinema

“Esse filme foi importantíssimo para mostrar o que foi o terror de Estado, o que é uma ditatura, enquanto tantas pessoas hoje pedem a volta dela. Quem sofreu com ela e esteve efetivamente nos porões da ditadura empresarial-militar não podemos concordar com isso. O filme mostra esse horror de uma forma afetiva e delicada e é cada vez mais importante falar sobre um passado ainda presente nos dias de hoje”,ressaltou Cecília.

Veja abaixo a lista dos outros engenheiros e estudantes de engenharia e de geologia mortos ou desaparecidos durante a ditadura:

Alexandre Vannuchi Leme – Estudante de Geologia da Universidade de São Paulo (USP), foi expulso do curso em 1968 e desapareceu nas mãos das forças de segurança em outubro de 1973.
Gilberto Olimpio Maria – Estudou engenharia na Universidade de Praga na Tchecoslováquia. Foi morto no Araguaia em dezembro de 1973 e seu corpo nunca foi encontrado.
Honestino Guimarães – Estudante de Geologia da Universidade de Brasília (UnB), assassinado sob tortura em março de 1973.
Issami Nakamura Okano – Aluno de Química da USP, foi assistente de Laboratório no Departamento de Engenharia Química dessa Universidade. Preso em São Paulo por agentes do DOPS, foi levado para a “Casa da Morte” em Petrópolis, onde foi torturado, morto e desaparecido em maio de 1974.
Iuri Xavier Pereira -– Estudou na Escola Técnica Nacional e, quando se preparava para o vestibular de Engenharia Eletrônica, foi impedido pelas bruscas e violentas mudanças ocorridas no Brasil com o golpe militar de 1964. Foi executado por agentes do DOPS em junho de 1972.
Jorge Leal Gonçalves Pereira – Engenheiro Eletricista, ex-empregado da Petrobras, trabalhou na Refinaria do Mataripe, de onde foi demitido após o golpe de 1964. Morto sob tortura no DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita, no Rio, em outubro de 1970..
Lúcio Petit da Silva – Formado no curso superior no Instituto Eletrotécnico de Engenharia. Como engenheiro, trabalhou na Light, Engevix e mais tarde na Companhia Nativa em Campinas. Trabalhou na construção da Usina Boa Esperança. Guerrrilheiro no Araguaia, foi visto pela última vez em 14 de janeiro de 1974 após um tiroteio com soldados do Exército.
Jaime Petit da Silva – Ingressou no Instituto Eletrotécnico de Engenharia da Faculdade Federal de Itajubá, mas foi forçado a abandonar o curso. Morto no Araguaia por soldados do Exército em dezembro de 1972 e enterrado na floresta.
João Carlos Cavalcanti Reis – Estudante do 5° ano Engenharia Mecânica da Universidade Mackenzie, foi morto sob tortura por agentes do DOI-CODI paulistano em outubro de 1972.
Mário de Souza Prata – Estudante de Engenharia na UFRJ, natural do Rio de Janeiro.de Cantagalo (RJ), foi assassinado por agentes de segurança em abril de 1971. O Diretório Central dos Estudantes da UFRJ leva o seu nome.
Olavo Hansen – Ingressou na Escola Politécnica da USP, onde frequentou até o 2º ano do curso de Engenharia de Minas. Foi preso no dia 1º de maio de 1970, sendo morto sob tortura nas dependências do DOPS paulistano.
Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão) -– Chegou ao Rio em 1958, tendo estudado na Escola Técnica Nacional e, em 1960, Viajou mudou-se para a Checoslováquia, tendo, em Praga, onde estudou Engenharia Mecânica, tendo se especializado em mineração. Foi uma das principais figuras da Guerrilha do Araguaia, tendo sido assassinado por um mateiro a serviço do Exército. Seu corpo foi decapitado e deixado na floresta. estudado Engenharia de Minas.
Paulo Costa Ribeiro Bastos – Ingressou na Faculdade de Engenharia da UFRJ, terminando seu curso em 1970. Trabalhava como Engenheiro Hidráulico no Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). Foi preso em julho de 1972 na Zona Sul do Rio de Janeiro e desaparecido naquele ano.
Raul Amaro Nin Ferreira – Formado em Engenharia Mecânica pela PUC/RJ, em 1967, foi preso, torturado e assassinado por agentes do DOI-CODI do Rio de Janeiro em agosto de 1971.
Reinaldo Silveira Pimenta – Cursava Cursava o 3º ano de Engenharia na Universidade do Estado da Guanabara (hoje UERJ), foi jogado da janela de seu apartamento em Copacabana por agentes da repressão em junho de 1969..
Ronaldo Mouth Queiroz – Estudante de Geologia da USP, assassinado por uma força-tarefa do
DOPS e, abril de 1973.
Ruy Frazão Frasão Soares – Faculdade de Engenharia para o Engenho do MeioEstudante de engenharia da Universidade Federal de Pernanbuco, mas abandonou o curso em 1965 já perseguido pela ditadura. Foi visto pela última vez em Petrolina (PE) no dia 27 de maio de 1974, quando foi espancado e detido por policiais a serviço do DOI-CODI.

Roberto Rascardo Rodrigues -– Brasileiro, estudante do 2° ano de Engenharia da Universidade Nacional de Buenos Aires, morto e desaparecido pela ditadura militar argentina em fevereiro de 1977.
Túlio Roberto Cardoso Quintiliano – Engenheiro civil formado em 1969 pela PUC/RJ, seguiu para o Chile em 1969 perseguido pela ditadura. Foi detido após o golpe militar chileno em setembro de 1973 e logo depois desaparecido..

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