Economista que defendeu o desenvolvimentismo continua atual e pode inspirar neoindustrialização
Num momento em que o Brasil busca retomar seu desenvolvimento econômico através da neoindustrialização e do estímulo à inovação e à tecnologia, o pensamento do economista Celso Furtado (1920-2004) pode servir de bússola para esse novo rumo. Suas ideias e sua visão, que apontavam para uma competição desigual entre países ricos e pobres, continuam bastante atuais, segundo a economista e professora Ceci Juruá, que deu palestra no Clube de Engenharia. Um legado que não pode ser desperdiçado.

Ela participou do programa Humanidades na Engenharia de junho, em que expôs o quanto as ideias do economista foram duramente combatidas por segmentos poderosos da elite. Afinal, o caminho do desenvolvimento proposto por Celso Furtado não foi o mais fácil, de alinhamento automático aos Estados Unidos, mantendo o Brasil como perpétuo exportador de produtos primários e importador de bens de capital e outros produtos de alto valor agregado. Seu programa era combater a enorme desvantagem que o país tem no comércio internacional com relação aos mais desenvolvidos, através do investimento em tecnologias próprias, com forte indução do Estado, o que também não combina com o domínio exercido pelas empresas transnacionais e pelas nacionais que apenas produzem com equipamentos e máquinas importadas e já obsoletos no Primeiro Mundo.
Como a palestrante mostrou, desde jovem Furtado sempre apontou para esse jogo desigual e desvantajoso para países como o Brasil e outros subdesenvolvidos. Nessa luta, esteve ao lado de outros economistas que criticaram o modelo imposto aos países do Sul Global, que criava assim uma dependência com relação aos mais industrializados. O bastião desse movimento foi a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), da qual ele participou, e foi inicialmente liderada pelo economista argentino Raúl Prebisch.
O que eles denunciavam é que os países mais pobres podiam até ser grandes produtores de commodities, mas ficariam sempre em desequilíbrio econômico por conta das obrigações, como pagamentos de juros por empréstimos, royalties e principalmente pelas remessas de lucros. Estariam sempre mais atrasados também tecnologicamente se apenas seguissem as regras do jogo, impostas pelos mais ricos.

Entretanto, apesar de sua excelente qualidade e da repercussão que teve desde o início da publicação dos primeiros livros, sua obra acabou até proibida no Brasil no período do obscurantismo da ditadura civil-militar. Nos chamados “anos de chumbo”, Furtado teve que se exilar e foi durante muito tempo tratado até como pessoa maldita. Não podia nem ser citado em sala de aula, conforme Ceci contou por experiência própria.
“Seu exílio como de outros intelectuais e cientistas representou um empobrecimento e um atraso para o país”, afirmou Ceci.
Mas o retorno ao Brasil e a redemocratização possibilitaram a oportunidade de um aprofundamento das ideias e observações de Furtado, que chegou a ser ministro da Cultura no governo Sarney. Ele testemunhou a estagnação dos anos 1980, considerada a década perdida, e os descaminhos econômicos dos anos 1990, marcados pelas privatizações.



Sua obra extremamente prolixa teve três fases, em que destrincha todas as razões do subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano, a partir do modelo de colonização, até a adoção de uma industrialização por substituição de importações, passando pelo milagre econômico da ditatura, muito à custa de um alto endividamento. De grande erudição, Furtado foi um brilhante analista da vida política e também da cultura.
“Na verdade, como se deu a industrialização brasileira, nós jamais poderíamos ser um país desenvolvido. Continuaremos sempre dependentes e subordinados às empresas que ocupam o centro da economia mundial. Só teremos desenvolvimento quando formos capazes de resolver nossos grandes problemas, como o desemprego e a fome”, ressaltou Ceci.
A ex-vice-presidente do Clube e coordenadora do programa, Maria Alice Ibañez Duarte, destacou a atualidade do pensamento de Furtado. “Ele pode ser um norte para nós. Pode ser uma fonte de inspiração nesse momento em que finalmente estamos respirando democracia e temos a chance de implementar um desenvolvimento econômico mais inclusivo”, disse Maria Alice.
O conselheiro e também coordenador Carlos Ferreira concordou com a necessidade de resgate da obra desse pensador, mas afirmou que hoje o esforço que o país precisa fazer para vencer os obstáculos para o desenvolvimento são ainda maiores. Muitas indústrias foram aniquiladas nas últimas décadas.
O programa também contou com a participação do conselheiro e atual diretor Alberto Balassiano, que ressaltou os avanços políticos trazidos pela Constituição de 1988, mas lamentou os retrocessos sofridos no campo econômico. “Até 80, tivemos um crescimento significativo. A parte política evoluiu, mas a econômica não. China cresceu e aprendeu até com o Brasil porque manteve um controle do Estado e a absorção da tecnologia. Na China entrou capital estrangeiro, mas houve a absorção da tecnologia”, avaliou Balassiano.
Assista aqui ao programa: