Presidente americano lança instabilidade em mercados e no comércio global com o objetivo de reduzir déficit comercial e estimular indústria doméstica
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vem tentando por meio de uma política tarifária sobre importações restritiva combater o déficit comercial do seu país. Diante do peso que a maior economia do mundo tem, essas medidas vêm causando forte impacto nos mercados e incertezas no comércio global, sobretudo pelas constantes reviravoltas na linha adotada. Além de influenciarem a atividade econômica em todo o planeta e provocarem instabilidade, os rumos desse plano vão influenciar também o tabuleiro geopolítico, atraindo ainda mais a atenção do mundo para a Casa Branca.
Apesar de vir prometendo taxar o comércio com países que julga estarem “enriquecendo às nossas custas” desde a campanha presidencial no ano passado, foi o último dia 2 de abril o escolhido para ser o chamado “Dia da Libertação”. O discurso é de vitimização dos americanos, que estariam sendo explorados por relações comerciais desleais. O tom populista sobe para fazer uso de tática já comum no campo político, que é apontar para supostos inimigos externos como forma de angariar adesão do público interno.

O Canadá e o México foram logo atingidos com tarifas de 25% e estariam sendo punidos por serem supostamente coniventes até com o tráfico. Mas a China virou logo o principal alvo e os produtos chineses chegaram a ser taxados em até 245%. Numa acordo posterior com duração de 90 dias, os produtos do país asiático passaram a pagar 30% e em contrapartida sobre os americanos recai taxa de 10%.
O Brasil, país com o qual os Estados Unidos têm superávit, não foi tão afetado, mas recebeu taxação de 10% sobre seus produtos. A medida afeta setores como o de aço e alumínio, agrícola, biocombustíveis, entre outros. Por outro lado, há quem aposte em compensação para o país, que pode ficar em vantagem com relação a rivais americanos no comércio com a China.

A Casa Branca e órgãos do governo americano têm feito negociações em separado com o mundo todo em busca de tarifas recíprocas. Mas efetivamente só Reino Unido e China firmaram acordos comerciais, sendo que o segundo foi apenas temporário. Na prática, as medidas de Trump sofreram diversos recuos e sob alguns aspectos foram feitas até com certo amadorismo. Numa tabela inicial, foram parar as Ilhas Heard e McDonald, habitadas apenas por pinguins, perto da Antártida, que passaram a ser taxadas, apesar de não terem sequer habitantes.
Como previsto pela teoria econômica, medidas protecionistas unilaterais acabam provocando retaliações por parte dos parceiros comerciais. Foi o que fizeram de cara China e Canadá, por exemplo, enquanto muitos países estudam que medidas tomar. De imediato, o tarifaço provocou uma corrida antecipada por importações nos Estados Unidos, o que resultou até contabilização de uma queda do PIB americano no primeiro trimestre. A curto prazo, tendem a afetar as próprias exportações.
Conforme vêm alertando economistas de diversas instituições e orientações políticas, o risco é de as medidas virarem “um tiro pé”. Ou seja: em vez de combaterem o déficit da balança de bens e serviços, que em 2024 fechou em US$ 918,4 bilhões, a guerra tarifária pode prejudicar as vendas das empresas americanas para o exterior. Em alguns países, sobretudo no Canadá, há campanhas de boicote a tudo que é fabricado no país do Tim Sam, algo inédito na história entre esses antigos aliados. Muitos europeus vão na mesma linha.
Analistas econômicos também têm advertido quanto aos efeitos inflacionários das medidas. Afinal, estão sendo taxados além de produtos acabados, itens que são fundamentais em diversas cadeias produtivas. Desde que o tarifaço foi lançado, diversas empresas de grande porte dos Estados Unidos, inclusive big techs, têm visto suas ações oscilarem nas bolsas, devido ao impacto que sofreram. Foram justamente empresas de tecnologia que pressionaram a Casa Branca por recuos para se evitar o pior.
Em visita recente ao Brasil, o economista e professor Jeffrey Sachs declarou que “As justificativas de Trump para essas tarifas eram economicamente analfabetas”. Sua aposta é de que não devem durar muito tempo.
“Por exemplo, a ideia equivocada de que o déficit comercial dos EUA era resultado das práticas injustas de outros países, quando, na realidade, o déficit comercial americano resulta de uma baixa taxa de poupança da população americana e de grandes déficits orçamentários, que levam a altos níveis de consumo e, consequentemente, à importação de muitos produtos”, avaliou Sachs, em entrevista a O Globo. “Então, o diagnóstico de Trump era falso — e levou a uma política equivocada. Ele deu outras justificativas, como punir a China, reindustrializar os EUA etc. Nenhuma delas se sustenta. Quando Trump lançou essa política tarifária, especialmente as chamadas tarifas recíprocas, os mercados ao redor do mundo despencaram. E os EUA caíram ainda mais que os outros”, acrescentou.
Um dos problemas do plano de Trump é que as importações feitas pelos Estados Unidos são de empresas americanas que mantêm fábricas na Ásia ou fabricam seus produtos nessa região. O exemplo mais notório é o da Apple, cujo carro-chefe, o iPhone, é produzido na China. A matriz ainda fica com grande parte do lucro, devido a diversos fatores que agregam valor a esse celular, mas fazê-lo completamente em solo americano sairia muito mais caro.

Outro obstáculo é a possível falta de mão de obra para novas indústrias e para a ampliação das plantas existentes. Com o governo adotando medidas ostensivamente antimigratórias, essa carência tende a se agravar.
A ideia de iniciar um processo de reshoring, ou seja, na mão inversa do offshoring trazer de volta as indústrias para os Estados Unidos, também é vista com ceticismo por representantes do empresariado americano. Associações empresariais têm procurado o Congresso americano e o governo para reverem a política tarifárias e darem maior previsibilidade, pois mesmo que substituições possam ser feitas, não seriam viáveis da noite para o dia. Alertam para o encarecimento dos produtos.
“Acreditamos que os fabricantes de equipamentos americanos podem superar praticamente qualquer um, mas precisamos de igualdade de condições e precisamos de certeza, então os últimos meses foram um pouco desafiadores para o setor”, disse Kip Eideberg, da Associação de Fabricantes de Equipamentos.
O recado de Trump tem sido o de que pode haver danos iniciais, mas que sua política vai levar a uma nova era de grande prosperidade para os Estados Unidos. O poder de pressão da maior potência mundial é alto e não se pode negar que desse processo consiga obter vantagens, mas até o momento os acordos parecem emperrados e o processo não tem sido fácil. Cerca de 150 países estariam em negociação comercial, mas o próprio prazo dado parece curto demais para uma solução. Também afetado por queda de credibilidade por conta de seu alto déficit fiscal, os Estados Unidos perderam o grau máximo da agência de classifcação de risco Moody’s e todos esses fatores negativos derrubam a cotação do dólar internacionalmente.

Nesse cenário, aumentam os riscos de inflação alta e até recessão. Tanto a volatilidade provocada nos mercados quanto os ricos trazidos para o comércio mundial não alimentam, por outro lado, esperanças de que outros países levem uma expressiva vantagem nesse processo. Como alertou o presidente chinês Xi Jinping desde o início da crise: “Não há vencedores em guerras tarifárias”.