Desigualdade social dificulta universalização da internet no Brasil

Acesso à rede com conexão de qualidade ainda é restrita aos mais ricos, segundo estudo

Uma pesquisa realizada em parceria entre a consultoria PricewaterhouseCoopers  (PwC) e o Instituto Locomotiva revelou  uma enorme disparidade no Brasil no acesso da população à internet. De acordo com o estudo, a rede de computadores já chegou a 81% dos habitantes com 10 anos ou mais de idade no país. No entanto, apenas 20% têm acesso a uma conexão de qualidade. Esse resultado reflete a histórica desigualdade social e econômica e tende a agravá-la, tendo em vista a importância cada vez maior dessa tecnologia para a formação educacional e profissional de crianças e jovens. 

O estudo, intitulado “O Abismo Digital no Brasil”, evidenciou que as diferenças no acesso à internet acompanham as discrepâncias de renda. Enquanto 100% das pessoas da classe A se conectam à rede, somente 64% dos que estão no grupo DE conseguem navegar com frequência. Pertencem a esse estrato da população de mais baixa renda 60% dos desconectados do Brasil. 

Segundo a pesquisa, 98% das escolas privadas têm acesso à internet, conexão que só chega a 78% das públicas. Esse resultado não entra no mérito da qualidade do acesso nem do uso pedagógico que a tecnologia proporciona, apesar de também expor uma desigualdade, que tem sido ainda mais cruel devido ao fato de nos últimos dois anos os alunos terem que contar com sua conexão de casa para estudar, em virtude da pandemia. 

Além dos casos em que as famílias estão completamente desconectadas, há também o fato de 13,5 milhões de domicílios apresentam conexão lenta, via modem ou chip, sendo que 90% deles estão nas classes CDE. Com isso, é árdua a tarefa do estudante que precisa assistir a uma aula online, por exemplo.  Tendo em vista que grande parte deles só conta com a pequena tela do celular, o que se impõe a essa parcela da população é um enorme sacrifício. De fato, 58% dos usuários de internet do país só possuem os aparelhos móveis para se conectar, sem terem uma tela de computador para isso.

“A desigualdade de acesso à internet que destacamos no nosso estudo não só reflete a disparidade socioeconômica do país como ajuda a reforçá-la. As consequências serão vistas no futuro em mais informalidade do mercado de trabalho, redução do índice de produtividade do país, que já é considerado baixo, atraso no desenvolvimento humano e profissional da próxima geração e redução do acesso a serviços públicos”, alertam os autores do estudo.

Os dados dessa pesquisa de certa forma corroboram a aferição que vem sendo feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br). Na TIC Domicílios 2020, por exemplo, constatou-se que 83% das residências tinham acesso à internet no país, contra índice de cerca de 50% em 2014. Por outro lado, enquanto a Classe A acessa a rede tanto pelo celular quanto pelo computador em sua totalidade, nas classes DE a navegação por notebook ou desktop só atinge 13% dos lares.

“Olhando essa séria longa, que já tem 16 anos, vemos a evolução de quanto o Brasil vem se conectando. O responsável pelo salto é o dispositivo, a entrada do celular cada vez mais barato e fácil de mexer. É usado por praticamente 100% dos usuários, mas dois terços navegam apenas por ele. Esse fato tem impacto sobre o tipo de uso da internet, que fica limitado, restringindo o desenvolvimento das habilidades digitais. Através do celular, conseguem mandar mensagem, realizar buscas, mas realizar transações, atividades profissionais, comércio eletrônico, serviços públicos, ficam mais complicados”, explica Fábio Storino, coordenador da pesquisa TIC Domicílios.

O NIC.br criou junto com o Centro de Informação para a Educação Brasileira (CIEB) uma plataforma para a consulta às características de acesso por parte das escolas públicas à rede. Através do chamado Diagnóstico da Conectividade na Educação (conectividadenaeducacao.nic.br), é possível mapear a situação por estados e municípios. Através dessa ferramenta, por exemplo, constata-se que as 1.563 escolas da Rede Municipal da cidade do Rio de Janeiro têm em quase sua totalidade (97,7%) acesso à internet, mas apenas 549 (35,12%) disponibilizam a utilização aos alunos. Também vale ressaltar que das 1.034 que possuem medidor de velocidade, apenas 173 apresentavam velocidade alta de download (acima de 50 Mbits/s).  

Para Paulo Kuester Neto, analista de projetos do NIC.br, apesar das dificuldades de acesso das escolas à internet, principalmente nas áreas mais pobres, houve uma série de avanços no país em termos de diagnóstico da realidade, o que tende a canalizar os recursos de forma mais efetiva daqui para frente. Segundo ele, dois fatores podem contribuir em muito para a universalização tão almejada. Um deles é a criação do GAPE (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas), que vai supervisionar a aplicação dos recursos de contrapartida pelo leilão do 5G na faixa dos 26 GHz. A previsão é de arrecadação de R$ 3,1 bilhões através desse processo. 

Outro fator é a efetivação do PIEC (Programa de Inovação Educação Conectada), que visa não só a disponibilização da infraestrutura como a aplicação pedagógica para os estudantes, que evitaria erros do passado, quando houve distribuição de equipamentos sem o devido aproveitamento. O setor educacional também pode se beneficiar com os recursos previstos na Lei 14.172, que prevê a disponibilização de R$ 3,5 bilhões para o acesso das escolas, professores e alunos à internet. Outra fonte relevante é o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), no montante de R$ 1,5 bilhão, que também está sendo direcionado à educação pela Anatel. Já o Programa Internet Brasil, orçado em R$ 140 milhões, vai distribuir chips e pacotes de dados gratuitos para estudantes de baixa renda.

“A pandemia tornou mais evidente o custo social de termos alunos desconectados, mas não se trata apenas de levar infraestrutura, com rede e computadores. É preciso promover a formação dos professores para a prática do dia-a-dia nas salas de aula e com recursos educacionais  adequados”, afirma Kuester Neto.

foto por rawpixel.com - br.freepik.com

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