Introdução
Por Adão Villaverde
Os efeitos e retornos do domínio da produção dos dispositivos semicondutores na geopolítica mundial aumentam cada vez mais, sendo hoje impactantes positivamente para países que detêm expertise no tema. São os casos daqueles que foram nominados de Tigres Asiáticos e outros, que se localizam na região habitualmente nominada entre especialistas nessa tecnologia de Pacífico do Leste (Taiwan, Coreia do Sul, China, Malásia, Singapura, Vietnã e Japão, entre outros).
A tecnologia de sua manufatura é fundamental, tanto do ponto de vista dos negócios, quanto das autonomias científico-técnicas dos países, além de serem estratégicas no campo da defesa, da segurança e da geopolítica de suas nações.
A conjuntura mundial dos semicondutores alterou-se significativamente no último período, sobretudo por injunção de fatores que podem assim ser elencados expeditamente: aumento da demanda, a tragédia do período pandêmico, a guerra na Ucrânia e a crise climática, cujas decorrências levaram à falta de chips no mercado. Amplificando a necessidade da desconcentração da fabricação destes dispositivos que se realiza quase que numa única região, a do já mencionado Pacífico do Leste.
Tudo isto forçou rearranjos nas cadeias produtivas globais e no setor em particular, onde os investimentos passaram a ser mais consistentes e resilientes, de modo a pressionarem para desenvolver uma manufatura mundial desconcentrada, fundamentalmente com mais segurança jurídica e mesmo do ponto de vista político.
O setor tem amplo mercado de aplicações, que se divide aproximadamente em três partes mais ou menos iguais, que são as áreas de (i) redes e comunicações; de (ii) processamento de dados; e a que envolve as (iii) áreas industriais, bens de consumos eletrônicos, automotivo e governos.
Sua ordem de grandeza global projeta em torno de US$ 721 bilhões para 2025, afetando em torno de US$ 40 trilhões da economia global, com uma previsão de ir para uma casa de mais US$ 1,5 trilhão, até o fim da década.
É por isso que neste momento de desconcentração das manufaturas desta região, onde se localiza mais de 80% delas, os investimentos de alguns países para disputarem estes deslocamentos, são espantosos, sobretudo pelo que o mercado do setor projeta para o final da década. Cenário, que Chris Miller mostra no seu livro em 2023, “Chip War”, traduzido como “Guerra dos Chips”, onde narra a eletrizante batalha pelos dispositivos tecnológicos mais importantes do mundo no nosso tempo.
Estas previsões de investimentos robustos, alavancando inclusive enormes subsídios públicos nos países centrais, revelam as razões destas disputas. Elas nada mais são do que a necessidade de desconcentração da indústria do Pacífico do Leste e a questão comercial pelo enorme mercado que o setor descortina. Mas são também associadas obviamente, a duas questões centrais para as nações: autonomia técnico-científica e soberania nos temas estratégicos de geopolítica.
Diferentemente do que foi outrora, atualmente a manufatura se concentra praticamente nesta região do Pacífico do Leste, onde se destacam Taiwan, Coréia do Sul, Singapura, Malásia, Vietnã, entre outros. A ponto de a tragédia pandêmica da Covid e a guerra na Ucrânia deslindarem a incapacidade da região em responder à demanda global, atingindo inclusive o Brasil e a América Latina, que tiveram que parar linhas de montagens do setor automobilístico e outros, por falta dos produtos nominados chips.

É por tudo isto que os EUA reservam no seu orçamento público US$ 280 bilhões até o fim da década, na Chips and Science Act (Lei dos Chips) e a China, em resposta às restrições norte-americanas, se contrapõe com projeções de quase US$ 1,4 trilhão, cinco vezes mais que o previsto por estes. Tudo isto desaguando em fortes tensões geopolíticas e comerciais, como é o caso da disputa pela pequena ilha de Taiwan, alterando a conjuntura do setor, que vive um momento de reacomodação na sua cadeia produtiva. Onde investimentos passaram a ser mais consistentes, resilientes, desconcentrados e estratégicos, pois eventos pandêmicos e climáticos, estes mais recentemente, tornaram-se catalisadores de demandas por mais emprego destes dispositivos.
As decorrências no campo da saúde, das necessárias medidas que têm que ser tomadas no terreno da descarbonização e da incontornável e urgente transição energética, tornaram-se potenciais descortinadoras de possibilidades de futuro destes produtos. Uma vez que o mundo exige cada vez mais que se combinem os melhores tratos e cuidados da saúde de nossas populações, com sustentabilidade dos negócios, com desenvolvimento preservando o meio ambiente, com postos de trabalho mais qualificados e com ampliação da renda e inclusão social, exatamente aquilo que a sociedade aclama e conclama nos dias de hoje. Sobretudo para gerar resultados às empresas e organizações, mas fundamentalmente para países crescerem e se desenvolverem e melhorarem a vida das pessoas.
É neste contexto que se descortinam janelas de oportunidades para a América Latina e o Brasil, sobretudo nos nominados Chips Maduros. Que mostraremos o que são a seguir, uma vez que temos enorme mercado para seu consumo e nossa região tem os requisitos e elementos chaves desenvolvidos, capacitados e inclusive instalados para tal.
E o Brasil, que não começa hoje no tema, poderia ser um dos puxadores deste potencial de desenvolvimento desta manufatura no campo regional. Já temos uma produção voltada para um setor da indústria de TIC’s, com componentes para computadores e celulares, mas também para o setor automotivo e eletroeletrônico. Onde este teve um faturamento importante no ano passado, na casa de US$ 3,9 bilhões, comparado com o ano anterior. Apesar do déficit da balança comercial de produtos eletroeletrônicos ter chegado à ordem de US$ 40,4 bilhões em 2024, quase 15% a mais que em 2023. Além do que, nosso déficit na balança comercial acumulado destes dispositivos, desde a instituição da Lei da Informática e do fim da reserva de mercado é astronômico.

Claro que este é um setor que precisamos entendê-lo bem, sobretudo sua cadeia na forma completa, com todos os seus alcances e limites. Seus projetos e sua manufatura se realizam em três (3) etapas estruturantes: (i) o desenvolvimento e design house, (ii) a fabricação, que é a injeção de partículas na lâmina de material semicondutor e, (iii) o encapsulamento ou montagem. Os estágios (i) e (iii), se realizam em vários países do mundo, inclusive no Brasil; mas a parte (ii), praticamente se concentra no Pacífico do Leste, mais precisamente em Taiwan e seu entorno regional, restando uma fatia pequena de menos de 20% para os EUA e a União Europeia.
Necessitamos, portanto, aproveitarmos este cenário e definirmos qual a estratégia do país neste promissor campo dos semicondutores. Partindo de que já temos nosso Ecossistema Setorial Brasileiro de SemiCon, que se compõe hoje de 20 empresas que encapsulam, portanto fazem back end; oito que realizam design house, que projetam; e duas empresas, que teriam capacidade para a realização da produção completa, o que tecnicamente se nomina de front end. Elas são a (i) Unitec em MG, que sequer foi comissionada, e a (ii) CEITEC, no RS, que já foi levantada do processo de liquidação em que se encontrava desde dezembro de 2020, e está sendo reativada com um projeto de atualização de sua planta com uma nova rota tecnológica, que usará o Carbeto de Silício (SiC), fundamentalmente empregado para os nominados dispositivos de potência.
A CEITEC tem os requisitos básicos para a manufatura: (i) a fábrica com equipamentos e uma sala limpa, (ii) água ultrapura e (iii) um sistema de filtros de ampla descontaminação e isenção de qualquer impureza, ambiente necessário e exigido controle para auxiliar a manufatura destes dispositivos. Além, é claro, de uma fortíssima (iv) capacitação de RHs, inteligência e massa crítica na área, que vem desde o advento das criações das pós-graduações na área. Aliás, demandadas cada vez mais por empresas de fora do país, mas que necessitam serem preparadas e capacitadas mais ainda, sobretudo também pela demanda existente localmente.
Entretanto, por ter recebido os equipamentos há mais de duas décadas, e ter tido sua curva de aprendizado ou maturação interrompida antes que ela se completasse efetivamente, como exigem tais empreendimentos, sobretudo pela tentativa de liquidação, a planta da fábrica requer esta atualização. Depois de estudos, na necessidade de firmar ou redefinir sua rota tecnológica, seja em dar curso ao processo CMOS, que utiliza o Silício (Si), seja com os avanços dos novos materiais, tipo Carbeto de Silício (SiC), Nitreto de Gálio (GaN) ou Grafeno, que foi a rota escolhida, a fábrica já está se preparando para realizar um upgrade ou atualização nos equipamentos. Essencialmente para que lhe conferir a capacidade de colocá-la no mercado mundial para chips maduros, de Manometria mediana do ponto de vista tecnológico, com demandas significativas e promissoras como mostram estudos recentes (Gartner; 2023).
Para se ter uma ideia, as grandes Foundries mundiais, que manufaturam chips no estado da arte, ainda mantêm em torno de 10% a 15% de sua fabricação e presença no mercado em segmentos tecnológicos na ordem de 100 Nanômetros (maduros) ou mais (Gartner, 2023), exatamente por seu vigor e demanda.
Esse mesmo estudo revela que o mercado, ainda hoje, tem demandas na casa de 14,1% para dispositivos com nodo tecnológico maior ou igual a 400 Nanômetros; 10,3% para os confeccionados entre 400 e 200 Nanômetros e 21,8% para os fabricados entre 200 e 80 Nanômetros. Se somarmos estes percentuais, veremos que quase metade do mercado mundial ainda utiliza dispositivos de semicondutores que podem ser qualificados como chips maduros, fatia de demanda onde o Brasil e região, por expertise, capacidade instalada e domínio, podem e devem incursionar e buscar a sapiência nesta manufatura.

Portanto, com base nestas evidências, e não em “achismos”, tomando-se por exemplo, uma atualização para um nodo tecnológico na ordem de 100 Nanômetros, uma fábrica nova para ser construída hoje exigiria um investimento de US$ 2 bilhões (McKinsey & Company, 2023). Mas para uma atualização tecnológica na planta da CEITEC, esta se realizaria com 10% ou menos deste valor, dependendo da rota tecnológica escolhida. Ou seja, US$ 200 milhões, em moeda local isto seria em torno de R$ 1 bilhão, ou menos. Para se ter uma ideia do custo para atualizar a planta na nova rota tecnológica, para dispositivos de potência, que é a opção da empresa, com recursos que virão da FINEP, via FNDCT, deve sair pela metade do custo acima, em outras palavras, na ordem de R$ 500 milhões, em moeda local.
Neste cenário, é também fundamental e importantíssima a necessidade de atualização permanente dos principais instrumentos de políticas para fomentar a cadeia produtiva destes dispositivos, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de SemiCon – PADIS-, o Processo Produtivo Básico – PPB -, um novo Programa Nacional de Microeletrônica – PNM -, dentre outros, de modo a combinar benefícios, tanto para o back end, como também o estímulo ao front end, tornando-se instrumentos universais para beneficiar o conjunto da cadeia, e não só parte dela.
No tema retomada da CEITEC, que é uma fábrica de solução completa que deve operar no próximo período, pois ainda depende também de orçamento e da contratação de pessoal para colocá-la em funcionamento, ela poderá trabalhar combinando dois objetivos. Um com (I) horizonte imediato, e outro, mais de (II) médio prazo que devem estar conectados durante o processo de retomada da operação da fábrica.

(I) Produtos com Horizonte Imediato: dispositivos que a empresa já entregava
Com enorme potencial de mercado para encomendas governamentais e compras públicas, uma vez que a empresa já tem capacidade e expertise de fazer, sobretudo porque já realizou a entrega de 163 milhões de unidades de chips, módulos e tags, mais da metade deles entre os anos de 2018 e 2021, confirmando ser uma concept of proof, ela poderia focar do ponto de vista iminente, nestes produtos, que são demandas recorrentes dos setores públicos e privados no país:
Identidade veicular: Etiquetas no para-brisa ou placas de veículos com chip CEITEC com dados criptografados. Com padrão de comunicação seguro, que permite, além do controle de dados, efetuar pagamento automático em pedágios, estacionamentos, postos de gasolina, entre outros estabelecimentos. Podendo ser fornecido pelo governo (segurança contra roubo e fraudes) e ter adesão das empresas privadas (o chip já detinha 45% desse mercado antes da tentativa de liquidação, que era ainda incipiente, frente ao mercado geral);
Identificação pessoal segura: emissão de documentos com chips que guardem registros do usuário e dados biométricos (digitais, faciais, de retina e íris) com alta segurança. É o caso do chip para passaportes que foi desenvolvido pela empresa. Tem também o dispositivo desenvolvido e realizado para os pneus da Pirelli, que pode alcançar o conjunto do setor;
Identificação patrimonial e logística: As etiquetas com chips permitem fazer a leitura simultânea de vários bens sem que a etiqueta esteja visível. Isso possibilita reduzir o tempo gasto e acelera o processo de revisão física dos inventários. Evita fraudes e impede falsificação. Pode ser usado também em parceria com o Inmetro. E tem-se também os sensores para a área da saúde, que já era uma expertise da empresa;
Identificação animal: além de melhorar o manejo, oferece mais agilidade e segurança na coleta de informação e qualifica o controle sanitário, agregando valor à carne para exportação. No Uruguai, é disponibilizado gratuitamente pelo governo.
(II) Produtoscom um Potencial de Médio Prazo:
Estes estarão submetidos mais à implantação da nova rota tecnológica definida pela empresa, suas parcerias e seu novo modelo jurídico que deve estar sendo redesenhado com outras relações do ramo da eletroeletrônica e possíveis stakeholders, bem como um consistente business plan, que deverá ter também como objetivo o mercado latino-americano. Sendo o alvo estratégico deste potencial de médio prazo, auxiliar o país em três frentes fundamentais: (i) o desenvolvimento do setor automotivo via carros elétricos, (ii) a transição energética de um modo geral e as necessárias medidas de (iii) descarbonização, sobretudo nos marcos da COP30, que se realizará no Brasil em novembro em Belém do Pará.
Frente a tudo isto, tem-se também duas questões fundamentais, que tenho referido e batido quase ad nauseam:
De um lado, na medida em que o mercado para chips maduros é uma realidade, confirmado por evidências mostradas acima, devemos realizar um estudo rigoroso dele (mercado), que não existe, para se detectar que produtos intensivos nestes dispositivos que o Brasil importa, localizar suas zonas (nodos) de tecnologias para vermos quais poderíamos fabricar com um upgrade na fábrica e quais não. Pois, só a partir daí poderíamos ter previsões de breack even factível, e não meras suposições. Fundamentalmente, para que investimentos sejam feitos com evidências, critérios e com rigor.

De outro, para alavancagem da retomada da CEITEC, será necessária a combinação de uma forte estratégia de encomendas e compras governamentais, em todos os níveis da esfera pública nacional, incluindo estados e municípios. E em paralelo, a geração de forma continuada e sistêmica de recursos nos principais instrumentos de planejamento e efetivação das reais e necessárias políticas públicas, tais como: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Pois sabemos, que para uma empresa pública de manufatura operar de fato, ela requer: um projeto estratégico, relações com atores, mercado, financiamento, planejamento, business plan, gestão e entregas. E, evidentemente, um novo modelo jurídico que lhe confira mais mobilidade, sobretudo porque o tema do domínio dos semicondutores no mundo hoje e sua comercialização é um grande negócio.
O Brasil não pode, portanto, perder esta oportunidade, sobretudo no que concerne às possibilidades da manufatura destes dispositivos, fundamentalmente a partir deste novo cenário mundial que se descortinou nos últimos anos. Podemos ter um papel central de puxar e colocar a América Latina como região na cadeia global de produção de chips. Pois recente mesa de demandantes de SemiCon, que realizamos em 2024, em Buenos Aires, na Argentina, no âmbito do 13º Congresso Ibero-Americano de Sensores, no Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INTI), revelou a enorme exigência e procura nestas regiões por estes mecanismos de circuitos integrados, intensivos em chips.
Este tema, à semelhança do que fizeram os países do Pacífico do Leste, tem que ser colocado para nossa sociedade, como Missão de Nação e deve estar no eixo das nossas Políticas de Neoindustrialização e Desenvolvimento Sustentável. Para que deste modo, Brasil e a América Latina, passem a integrar definitivamente este seleto grupo mundial de países/regiões, que dominam e detêm expertise na fabricação dos dispositivos semicondutores.