Introdução
Prefeitura está restaurando prédio antigo, mas quer acabar com conexão ferroviária necessária para o trem bala e outros projetos de mobilidade
Depois de mais de duas décadas de abandono, a antiga estação de trem Barão de Mauá, na Avenida Francisco Bicalho, no Rio de Janeiro, começou finalmente a ser restaurada. O anúncio feito pela prefeitura, entretanto, veio atrelado a uma série de projetos que inviabilizam o uso do equipamento como local de embarque e desembarque de passageiros. A proposta de acabar com essa conexão ferroviária estratégica para a cidade e o estado foi criticada em manifesto assinado pelo Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro em conjunto com a Divisão Técnica de Transporte e Logística (DTRL) do Clube de Engenharia.
No último dia 2 de julho, foram iniciadas oficialmente as obras de restauração do edifício histórico da estação, também conhecida como Leopoldina, por ter funcionado durante décadas como principal acesso da antiga Estrada de Ferro Leopoldina, que corta o subúrbio carioca e parte da Baixada Fluminense e já serviu até de ligação com a Região Serrana. A recuperação da fachada projetada pelo arquiteto escocês Robert Prentice, bem como as esquadrias e os espaços internos, é uma excelente notícia para a cidade, que tem a chance de ver seu patrimônio novamente em bom estado. O projeto foi orçado em R$ 80 milhões e começou a sair do papel, após a assinatura de um acordo de cooperação técnica com o governo federal.
No entanto, a proposta da prefeitura é de ocupar toda a área do complexo, que compreende um terreno de 125 mil metros quadrados, com diversos equipamentos. Um deles é a nova Fábrica do Samba, ao lado da antiga estação, que seria destinada à confecção de alegorias das escolas de samba. Em outra parte do espaço, seriam construídos prédios para habitação popular e também instalações para a oferta serviços públicos. O resultado é que a estação, que ainda tem plataformas para os passageiros e trilhos, além de um espaço para manobras, perderia sua função de mobilidade. No lugar, há previsão de instalação de um centro de convenções.
Segundo o chefe da DTRL, Itamar Marques Junior, o anúncio causou surpresa por ter ocorrido justamente num momento em que há maior expectativa com relação à reativação de ligações ferroviárias do Rio, principalmente com o início das obras do futuro Trem de Alta Velocidade (TAV) Rio-São Paulo. A retomada da conexão da Barão de Mauá com as estações do ramal de Saracuruna da SuperVia é outra medida que não deveria ser descartada, diante do recente desenvolvimento da região. O local já é próximo a estações do metrô e à Rodoviária Novo Rio, e agora pode ser conectado com o VLT e o Terminal Gentileza do BRT. A proposta de construção de um estádio para o Flamengo reforça ainda mais a necessidade de manter no lugar o acesso ao transporte de massa sobre trilhos.
“Não sou contra o projeto do Minha Casa Minha Vida, mas é evidente que ele pode ser feito em outros lugares. Estão propondo matar uma conexão estratégica para a cidade e o Estado do Rio, sem uma discussão adequada”, afirmou o chefe da DTRL.
Um dos problemas que podem ocasionar a realização completa do projeto é o do transporte dos carros alegóricos das escolas de samba até o Sambódromo. O próprio viaduto da via férrea impede a passagem através da Avenida Francisco Bicalho e as interdições no trânsito no período de carnaval podem se tornar ainda mais drásticas com isso.
O documento já recebeu o apoio de mais de 20 entidades ligadas ao setor de transpores e à Engenharia, bem como da TAV Brasil, empresa responsável pela construção do trem bala. O texto apela para o diálogo entre as autoridades, mas caso a ideia de destruir a conexão ferroviária não retroceder, as associações devem entrar com representação no Ministério Público.
“Faz-se urgente que as três esferas de poder – União, Estado e Município do Rio de Janeiro – se integrem no desenvolvimento e na implantação de projetos que atendam às necessidades de transporte da população brasileira, fluminense e carioca, possibilitando a chegada de trens metropolitanos, de média e de longa distâncias, que liguem o Rio de Janeiro a São Paulo, Belo Horizonte, Vitória e outras urbes, como já ocorreu no passado, transformando o Complexo Barão de Mauá em um grande Centro de Integração Intermodal”, alerta o texto do manifesto.
Através de uma nota, a Prefeitura informou que “a Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos esclarece que os projetos de conexão ferroviária não competem ao município. Entretanto, com o avanço da revitalização do bairro de São Cristóvão e a chegada do VLT ao Terminal Intermodal Gentileza, está sendo estudada a expansão da rede de veículos leves sobre trilhos para o entorno da região. Isso incluiria a Quinta da Boa Vista e o Pavilhão de São Cristóvão, visto que o possível estádio do Flamengo já estaria comtemplado pelo Terminal Gentileza”. O texto acrescenta que “o terreno escolhido para receber a Fábrica do Samba, que atenderá às escolas da Série Ouro, está mais próximo da Avenida Presidente Vargas, o que significa uma distância de percurso significativamente menor. Isso resultará na redução tanto do impacto viário quanto das interferências de sinal em comparação ao trajeto atual”.
Leia abaixo a íntegra do manifesto da DTRL e do Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro:
Manifesto sobre o Complexo Ferroviário Barão de Mauá
Sabedores do Acordo de Cooperação Técnica de 03/03/2024, celebrado entre o Governo Federal e o Município do Rio de Janeiro, assim como o Termo assinado na semana passada, visando a definição de requisitos e diretrizes para elaboração de proposta de empreendimento de múltiplos usos para a área da união denominada “antiga Estação Leopoldina”, o Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana de Rio de Janeiro e as entidades abaixo listadas encontramo-nos altamente preocupados com os projetos previstos, totalmente alheios ao setor da Mobilidade.
A restauração do patrimônio arquitetônico e artístico do Complexo Barão de Mauá (Estação Leopoldina) é tarefa urgente e louvável, mas tão ou mais importante quanto é a preservação para fins de Mobilidade de toda a infraestrutura física e operacional deste Complexo – estação, pátio e retroárea.
Faz-se urgente que as três esferas de poder – União, Estado e Município do Rio de Janeiro – se integrem no desenvolvimento e na implantação de projetos que atendam às necessidades de transporte da população brasileira, fluminense e carioca, possibilitando a chegada de trens metropolitanos, de média e de longa distâncias, que liguem o Rio de Janeiro a São Paulo, Belo Horizonte, Vitória e outras urbes, como já ocorreu no passado, transformando o Complexo Barão de Mauá em um grande Centro de Integração Intermodal.
a utilizar o Complexo para projetos ferroviários de grande capacidade, que atendam com qualidade e segurança ao maior número possível da cidadãos, evitando, assim, equívocos irreparáveis para a já tão sofrida Mobilidade dos moradores e visitantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – RMRJ.
Parte dos projetos ora pretendidos pela Prefeitura podem ser construídos em terrenos vizinhos, ainda na área do Porto, enquanto não há nenhuma outra área na região central da Cidade do Rio de Janeiro que possua o mesmo potencial de aproveitamento logístico do Complexo da Leopoldina.
É crucial que seja mantida a destinação ferroviária do local, único espaço disponível na área central da Cidade do Rio de Janeiro para ampliar o sistema ferroviário do Estado, incluindo o Trem de Alta Velocidade (TAV), previsto para ter seu terminal na Estação Leopoldina.
O Fórum se coloca à disposição para detalhar nossa proposta, inclusive indicando áreas possíveis para que não se perca nada do que está sendo proposto pelo Município, também preservando a área necessária para a expansão ferroviária.
Por uma Mobilidade Urbana mais Humana, somos,
Atenciosamente,
Itamar Marques da Silva Jr e Licinio M. Rogério (Coordenadores)
Entidades que apoiam o Manifesto (ordem alfabética):
AEEFNOB – Associação de Engenheiros da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil AEEFSJ – Associação de Engenheiros da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí AEFEASP – Associação de Empregados Ferroviários Ativos de São Paulo
AEFN – Associação de Engenheiros Ferroviários do Nordeste
AELB – Associação dos Engenheiros e Técnicos Ferroviários da Bahia e Sergipe AENCO – Associação de Engenheiros da Centro Oeste
AENFER – Associação de Engenheiros Ferroviários
AERVC – Associação de Engenheiros da Rede Cearense
AERVPSC – Associação de Engenheiros da Rede Viação Paraná – Santa Catarina AFARGS – Associação dos Ferroviários Aposentados do Estados do Rio Grande do Sul
AFPF – Associação Fluminense de Preservação Ferroviária
Clube de Engenharia
FAEF – Federação das Associações de Engenheiros Ferroviários
FAM-Rio – Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro
FISENGE – Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
GFPF – Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária
MDT – Movimento em Defesa dos Trens Por Um Trem em Movimento
SEAERJ – Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro SENGE RJ – Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro,
SERVRGS – Sociedade dos Engenheiros da Viação Férrea Rio Grande do Sul STEFZCB – Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil
TAV Brasil – Empresa Brasileira de Trens de Alta Velocidade SPE Ltda