Indústria química no Brasil está sob ameaça de destruição? — Parte 4

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A Luta das Mulheres


O texto a seguir, escrito pelo engenheiro químico e conselheiro do Clube de Engenharia, José Eduardo Pessoa de Andrade, dá continuidade ao artigo do autor publicado na edição anterior de Clube de Engenharia em Revista sobre as perspectivas da indústria química brasileira, que pode ser lido neste link, bem como a parte 1 e a parte 2. O atual trata do que se pode esperar do futuro do setor e as conclusões do trabalho. 

O futuro da indústria química no Brasil: chegaremos lá?

Por José Eduardo Pessoa de Andrade

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Figura 8Economias emergentes específicas cresceram mais rápido do que a EU27 e os EUA.

Na Figura 8, se pode observar que o Brasil, ao contrário, das regiões emergentes, de Taiwan até a China, está se considerando próximo ao grupo das regiões históricas mais relevantes da indústria química global, que não estão precisando de aumentos significativos na produção, como o Japão, EUA e EU27.

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Figura 9Nível médio de utilização da capacidade produtiva na indústria química da EU27

Na Figura 9, é mostrada, na região EU27, a média anual de utilização da capacidade, de 2008 a 2023, que foi cerca de 79%. Em 2023 a taxa de utilização da capacidade caiu abaixo da média de longo prazo. Na Figura 10 a média global, de 2009 a 2021, foi de 83,8%. É a comprovação de que o aumento do nível de utilização da capacidade, decorrente da conquista de mercados, é um dos fatores que contribuem para a capacidade de concorrência.

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Figura 10 Nível de utilização da capacidade produtiva da indústria química global e dos países integrantes de associação da indústria química no golfo pérsico.

Por outro lado, no #ENAIQ2024 foi registrado excesso de capacidade nos países desenvolvidos. A taxa de utilização da capacidade produtiva vigente no Brasil restringe, nas condições atuais, novos investimentos relevantes na indústria química. O que ocorreu nos últimos anos e nas previsões da Abiquim, no segmento de Produtos Químicos de Uso Industrial são mostrados na Figura 11. A curto prazo, as decisões prioritárias sobre a situação da indústria química devem focar no aumento da utilização da capacidade.

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Figura 11 Investimentos realizados e programados no segmento de produtos químicos de uso industrial no Brasil
Fonte: “O Desempenho da Indústria Química Brasileira – 2023” p. 17, Abiquim.

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Figura 12Média móvel em cada 5 anos, dos investimentos realizados e programados no segmento de produtos químicos de uso industrial no Brasil

Obs.:
a) Fonte: Diretoria de Economia, Estatística e Competitividade – Abiquim;
b) Cálculo da média móvel realizado pelo autor deste artigo;
c) A partir do ano de 2023, foi abandonado o valor do último ano de cada um dos 5 considerados.

Na Figura 12, para evitar uma análise baseada apenas nos dados anuais da Figura 11, com a comparação pontual desses valores ao longo do tempo, e procurar identificar com mais rigor a tendência de influência na decisão da realização dos investimentos, foram incorporadas sugestões recebidas em debate ocorrido na apresentação no SIQUIRJ, em 17 de outubro de 2024.

No Brasil, pelos dados da Abiquim, a comparação da média móvel dos cinco anos entre 1995 e 2022, indica nitidamente que a tendência do valor do investimento anual, na média móvel do segmento de produtos químicos de uso industrial foi reduzido no Brasil, a partir de 2008, de cerca de US$ 3,3 bilhões para US$ 0,2 bilhões. A diminuição ocorrida neste segmento deve ter sido fortemente influenciada pelo subsegmento dos produtos petroquímicos que representavam cerca de 49% do total do segmento. Não ocorreu modificação nas expectativas a partir de 2023. Cabe outra pergunta para reflexão: essa diminuição dos investimentos também ocorreu a nível global? A Figura 13 demonstra o comportamento global.

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Figura 13Crescimento do investimento global na indústria química. Observar, com destaque, os valores da China.

O investimento global na indústria química evoluiu de € 150 bilhões em 2012 para € 273 bilhões em 2022, um aumento comparativo de 82% entre os dois anos. A China nesse período foi a região/país que mais aumentou o investimento direcionado para a capacidade produtiva na indústria química, de € 60 bilhões para € 125 bilhões. Na EU27 e na região do NAFTA, os investimentos permanecem significativos. Esses valores indicam que a indústria química global permanece antenada com as necessidades socioeconômicas globais. A Figura 14, a seguir, foca nos gastos em Pesquisa e Inovação, na indústria química. Essa Figura 14 reforça essa visão global com os dados relativos aos investimentos em Pesquisa e Inovação.

Os investimentos em Pesquisa e Inovação, como mostrado na Figura 14, tiveram expansão em todas as regiões, com maior crescimento percentual também na China, de 175%, passando de € 8 bilhões em 2012 para € 150 bilhões em 2022. Em segundo lugar, os EUA, com crescimento de 86%, passando de € 7 bilhões em 2012 para € 13 bilhões em 2022. No Brasil, os investimentos em Pesquisa e Inovação foram duplicados, aumento de 100%, embora nossa base permaneça muito reduzida, de € 0,4 bilhões para € 0,8 bilhões. Mesmo assim, cabe um registro positivo das iniciativas desses investimentos no Brasil, que todos precisamos conhecer melhor, com a inclusão dos investidores.

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Figura 14Gastos em Pesquisa e Inovação nas regiões selecionadas da indústria química global

Observando-se essas últimas duas Figuras, seus valores indicam que a indústria química global olha para o presente e para o futuro. As necessidades socioeconômicas para atender a qualidade de vida da atual população de nosso planeta, da ordem de 7 bilhões de habitantes, incentivará novos investimentos na capacidade produtiva e na pesquisa e inovação com olho na sustentabilidade e no futuro da humanidade.

5 – Conclusão

Decisões recentes do MDIC vieram ao encontro das demandas da Abiquim, entidade com maior representatividade da indústria química no Brasil. No Seminário já citado, com o tema “Caminhos para Fortalecer a Indústria Química Brasileira”, efetuado em Brasília no dia 7 de maio de 2024, fica registrada a proposta do atual governo, representado pelo Vice-presidente da República e Ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, de adotar a depreciação acelerada de alguns investimentos a serem estimulados. De fato, como já abordado neste artigo, esse incentivo pode contribuir para reduzir os lucros, e os impostos sobre eles incidentes, destacando a visão da geração de caixa e sua influência para um investimento mais competitivo.

Em complementação, por solicitação da Abiquim, em 18 de setembro deste ano de 2024, a CAMEX – Câmara de Comércio Exterior, órgão do Conselho de Governo da Presidência da República, em decisão polêmica, aprovou parcialmente a demanda da Abiquim visando aumentar a eficiência relativa da capacidade de produção no Brasil para enfrentar a concorrência desleal originária principalmente de produtos químicos exportados pela China. A Tarifa Externa Comum – TEC, incidente sobre 29 produtos químicos fabricados no Brasil foielevada provisoriamente com prazo de 12 meses. A indústria química, então, deve procurar adotar procedimentos para fortalecer sua competitividade. Porém, o conjunto da cadeia produtiva usuária desses produtos químicos fabricados no Brasil questiona possíveis impactos inflacionários em consequência do aumento do custo de seus insumos. É um processo que exige fortalecer a capacidade de diálogo, debate e entendimento mútuo das empresas do conjunto geral dessa cadeia produtiva que também precisa incluir representantes do governo federal e de outras entidades atuantes no setor.

Este texto teve a pretensão de chamar a atenção e estimular a população brasileira a compreender o que é a indústria química e sua relevância. Precisamos destacar a necessidade da retomada dos investimentos nessa indústria no Brasil com uma maior visão de sustentabilidade e de competitividade.

Como fomentar e viabilizar a realização dos investimentos num patamar já identificado como necessário ao país? Temos muitos profissionais competentes diretamente na área da química, ao longo de sua cadeia produtiva e nas áreas correlatas, para a decisão de quais e mais investimentos serão prioritários para sua realização.

Reafirmo que precisamos entender e conversar sobre as divergências ideológicas que foram radicalizadas nos últimos anos e incorporar as ideias convergentes para construirmos um projeto de Brasil que seja capaz de superar nosso complexo de vira-latas, termo utilizado pelo famoso escritor, teatrólogo e comentarista de futebol Nelson Rodrigues. Devemos também fortalecer um sentimento de orgulho na população brasileira ao ter consciência de que a indústria química tem de muita importância e que, juntos, seremos capazes de resolver os problemas de nossos grandes gargalos, gerar empregos de qualidade, fortalecer sua competitividade, melhorar a saúde e a educação de nossa gente e reduzir nossa desigualdade social.

Recentemente, no dia 26 de novembro de 2024, foi realizado um novo seminário, organizado pela Folha de São Paulo e pelo BNDES, com o tema “Política Industrial: um novo capítulo para o Brasil”. A abertura coube também ao vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC, Geraldo Alckmin. A MESA 1 – Como aumentar a produtividade, contou com a participação do presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, do presidente da Coteminas e da Fiesp, Josué Gomes, e do professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador associado do FGV Ibre. Na MESA 2 – Pesquisa e Inovação, participaram o professor do Insper e do mestrado profissional do Instituto de Direito Público (IPD-SP) e sócio da AED Consulting, Thomas Victor Conti, o presidente-executivo do ABESPetro, Telmo Ghiorzi, e da vice-presidente global de inovação e P&D da Eurofarma. O tema não ficou restrito à indústria química mas recolocou na ordem do dia a necessidade de uma Política Industrial para ser pensada e rediscutida por brasileiros interessados na retomada da industrialização em nosso país. O BNDES, em particular, está sendo convocado para mergulhar nessa discussão. No passado recente, abrimos mão de valorizar a relevância da política industrial e da indústria no Brasil, o que pressionou pra baixo a realização dos investimentos no setor industrial. É um assunto de complexidade. Nos cabe agora retomar essas questões que, a rigor, em nenhum momento deveria deixar de serem debatidas para orientar as decisões dos países desenvolvidos, principalmente EUA, da União Europeia e da China. Precisamos conhecê-los mais e não precisamos e não devemos ser xenófobos.

A indústria química conta também com o privilégio e a oportunidade da atuação histórica da sua Abiquim, com seus erros e acertos. No dia 2 de dezembro de 2024, realizou seu 29º Encontro Anual da Indústria Química, o #ENAIQ2024. De novo, a abertura contou com as observações do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC, Geraldo Alckmin. O título desse #ENAIQ2024 foi a Química do Amanhã: A Química do Presente Sustentável, Tecnológica e Humana, transformando o futuro com substituição dos insumos de origem fóssil e a incorporação da biomassa vegetal. Também contamos com representantes do setor privado, do setor público, de outras entidades capazes de fazer suas observações, e de se incorporar aos debates que passo a passo trazem novos profissionais para ajudar na elaboração de práticas corretas para a retomada do Nova Indústria Brasil. Este documento pretende aproveitar e colaborar na organização dos grandes temas nos futuros debates. O desafio da construção de uma indústria sustentável, com agendas ambientais, de inclusão social e de uma gestão transparente esteve presente na ordem do dia. A economia circular mereceu um destaque social com a inclusão de cooperativas de catadores. A gestão transparente focou no protagonismo feminino. A ciência, tecnologia e inovação ocuparam também várias empresas do setor produtivo e da integração com a academia. Representantes parlamentares, de vários estados do sul ao nordeste, marcaram sua presença e relevância para a discussão da retomada da industrialização na química.

Com surpresa e satisfação, registro a realização das Olimpíadas de Química no País e o início da presença internacional. Os jovens estudantes tiveram seu espaço para fortalecer as bases dos futuros desafios. Para concluir esse resumo, esses desafios futuros estarão presentes na ampliação dos debates e no fortalecimento das articulações das entidades da indústria química. Destaco, sem concordar, a carência de incorporação nesses debates da principal empresa brasileira, a Petrobras, que deverá fazer uma grande diferença no futuro. O ambiente a ser construído deve considerar o setor público, suas entidades e empresas, o setor privado que deve ser trazido para o diálogo com as empresas produtoras e de consultoria, nacionais e estrangeiras. Destaco, além dessas sugestões, a incorporação do conjunto das entidades de pesquisa e de educação, um outro espaço ainda carente de muita melhoria, e também uma articulação adequada com representantes dos interesses sociais. Teremos muitos e grandes desafios para o futuro!

Em nossa história, fomos capazes de contribuir para a implantação de uma poderosa indústria, não perfeita, iniciada no governo do Presidente Getúlio Vargas, que chegou a ter continuidade nos mandatos de outros presidentes. A partir das duas décadas do final do século XX, cometemos erros que reduziram a importância, em geral, da industrialização no Brasil. Foram tentadas iniciativas sem sucesso para a reversão desse quadro. A realidade das dificuldades acabou se impondo. Precisamos aprofundar nossos estudos e conhecimentos, ouvir e conhecer novas ideias e lideranças para dar carga às baterias recarregáveis, que contribuem, aqui simbolicamente, para controlar a emissão dos gases de efeito estufa (GEEs).

Precisamos usar essas novas baterias para fortalecer o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial que deu suporte ao Plano de Ação da Nova Indústria Brasil na Neoindustrialização. Precisamos conhecer melhor a verdadeira história dos sucessos e dos erros na implantação de nova indústria a partir da década de 50, em particular as atividades dos diversos Grupos Executivos, fundamentais para aquela experiência. Não podemos ficar presos num conflito estéril, sem inteligência, do Estado versus Setor Privado. Precisamos superar esse conflito e conquistar, passo a passo e com inteligência humana, o que for necessário para uma efetiva “Neoindustrialização”. Os grupos de suporte a esse trabalho precisam ser convocados com a amplitude adequada. Precisamos ampliar o debate e diálogo de nossas ideias para forjarmos outras novas. A indústria química pode ser um exemplo de setor difícil e complexo que já começou a dar seus primeiros passos nesse sentido. Ainda falta muito para tornar realidade o projeto do Brasil que queremos.

Sobre o Autor

José Eduardo Pessoa de Andrade

José Eduardo Pessoa de Andrade

Bio: Foi Chefe da DTEQ - Divisão Técnica de Engenharia Química do Clube de Engenharia. É Professor colaborador voluntário do Departamento de Engenharia Química da Escola de Química da UFRJ/ Engenheiro Químico e M.Sc. em Engenharia de Produção

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